Peguemos na seguinte lista de doze contribuintes-utentes, com o Globo à beira de um apocalipse definitivo, de entre os quais temos que escolher seis para que gozem do privilégio da sobrevivencia no conforto de um bunker.
- violinista, 42, toxicodependente
- advogado, 25, HIV+
- mulher do advogado, 24, recentemente saída de um manicómio
- sacerdote, 75
- prostituta, 35
- ateu, 20, assassino confesso
- universitaria, 20, que fez voto de castidade
- fisico, 28, portador de arma de fogo
- declamador fanático, 21
- menina de 12, com QI de 50, i.e., imbecil
- homem gay, 47
- deficiente epileptico, 32
Submeta-se agora esta lista a uma turma de universitarios e analise-se o argumentario em defesa de cada escolha.
O violinista faria falta "para que a arte nao morresse e enquanto distribuidor de calma e tranquilidade" por entre os sobreviventes. Supõe-se, ou melhor supor-se-ia se ao menos a acção deste filme decorresse num planeta normal, que o estado de agarranço cedo ou tarde superveniente no esburacado encéfalo do Paganini de S. Sebastião pouco ou nada interferiria no renascimento da distribuição psico-cultural.
Advogado e mulher seriam essenciais tendo por objectivo, e cito, "espalhar o amor" espalhando acessoriamente um retrovirus que ja matou 200 milhoes de pessoas desde 1988 mas isso nao interessa nada in la la land.
Contra a inclusao do ateu, e quiçá do portador de arma de fogo, é invocado o argumento de que alguém capaz de ter ja tirado uma vida jamais deveria ser integrado numa nova sociedade. Os outros, de preferencia ricos, que reponham a galinha nas prateleiras.
A quem por esta altura ainda não tenha percebido que este post não é uma incursão pelo fantástico, mas sim um instantâneo ensaístico capturado hoje mesmo numa sala de aula do nosso país, recomendo a busca imediata de ansiolíticos e analgésicos, pois há mais.
Abre-se aqui um parentesis, para explicar a bem da saude dos leitores que a professora responsavel por este exercicio é filósofa e psicóloga da comunicação (lol). Este mesmo ente esconso que se passeia disseminando a incultura e o pensamento único rejeita liminarmente o epíteto de "deficiente" para classificar o apanhadinho dos ataques, julgando tal forma de categorização rude, ofensiva, discriminatória e incivilizada. Ai que lá atrás disse lol e fechei mal o parentesis.
Ainda acerca do ateu rechaçado, é alvitrada a ideia de que nao podemos sequer pensar em tirar uma vida, podendo optar por meios mais civilizados como o dialogo, a chamada à razão, a restrição de movimentos ou em ultimo caso a incapacitação suavizada, mesmo no caso eventual de estarmos face a face com um tarado infecto e zombieficado (p.ex.: um refugiado islamico a quem nao deram casa mobilada nem iPhone) brandindo uma cimitarra sobre a nossa cabeça, de tal maneira que a sombra do meio-dia recai exactamente na linha vertical do nosso civilizado e ocidental esterno, sendo, ao que tudo indica, preferivel ficarmos rachados em duas partes do que cometer tal crime de lesa-tolerancia roubando a vida de quem nos é alheio.
Cavilha final no caixão deste vosso escriba: houve quem defendesse acirradamente que a mulher do advogado, regressada de fresco do Júlio de Matos, seria um elemento completamente insuspeito e acima de qualquer escrutínio, uma vez que, se já teve alta e essa mesma alta se encontra confirmada mediante a exibição de um papel oficial carimbado e posteriormente validado por aposição de assinatura igualmente sancionada, então, concluirá qualquer cidadão de Bem sem desconfianças, paranóias, individualismos ou outras parafilias de índole social, é evidente e indiscutível a sua inclusão no grupo de sobreviventes.
Isto aconteceu, é real, eles andam aí e reproduzem-se na penumbra dos nossos impostos.
Ending credits: a comunicadora filosofal deu por findo o experimento riscando da lista - para todos os alunos - o ateu (ora avatar do Mal e da Raiva) por entender que a mera presença desta etérea personagem violava, ofendia, agastava, e causava extrema urticária aos seus superiores princípios.
Foda-se.