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Estou em Portugal há menos tempo do que os seus 40 anos de democracia e, pela primeira vez, questiono de um modo profundo o seu futuro e as implicações para a minha felicidade e a realização dos meus objectivos. Numa frase: Portugal é um país maravilhoso para se viver, mas não para trabalhar. Na qualidade de estrangeiro fui sempre tratado de um modo magistral e afectuoso. Fui alvo de tanta generosidade, de gente simples ou não. Quando chegava à casa de um desconhecido levado pela mão de um amigo, sem demoras recebia o abraço afectuoso da casa e tinha de deixar à saída a promessa de tornar à mesma. Quando as emoções lastimosas se apresentam ao nosso espírito, a latinidade portuguesa ampara e evita a queda. Vamos sair que isso passa. E isto é muito valioso. Na vida agitada do dia a dia, o português inventa sempre uma hora para o encontro, o convívio - o café. Quando chega o sol então é uma alegria. O calor faz-se acompanhar pelas coisas boas da vida. Peixe assado e vinho branco, praia. Tudo isto é qualidade de vida e nem sequer estou a levar em conta a abundância de trocos para a prossecução desse esplendor. Não é (era) preciso muito para estar nas sete quintas. Mas isso infelizmente mudou drasticamente nos últimos anos e agora a felicidade em conta tornou-se cara, incomportável. Quanto a trabalhar em Portugal: a coisa muda de figura (com as devidas e merecidas excepções). Começa logo mal com a pontualidade - é coisa que não abunda. Três horas depois da hora agendada - é melhor ficar para amanhã (amanhã? Hoje já terei fechado o negócio com outro parceiro, por sinal de outro país, e que garante a entrega num prazo ainda mais apertado). A patologia prossegue ainda com as respostas que não chegam. Os mails que morrem na eternidade no inbox de destinatários toldados pela sua pretensa superioridade hierárquica. Depois temos a ausência de ambição profissional e vistas largas (o que tenho a ganhar com isso e por que razão devo esforçar-me se estou bem assim?). Depois há a falta de educação profissional - a cortesia que faz parte do protocolo. Quando se recebe algo, agradece-se. Depois há os contactos privilegiados que levam as coisas avante ou não. E aqui já não estou a especular. Para se conseguir chegar "lá" é preciso conhecer a gente "certa". Movimento-me em tantas dimensões profissionais e confirmo que os campos estão todos minados. Das artes às letras, da banca aos media, é a mesma coisa. Poderia continuar a dissertar sobre este mal-estar que me aflige e que coloca diante da minha pessoa um grande "poste" de interrogação. Será que Portugal consegue contrariar o que vem praticando há tanto tempo? Será que vale a pena investir o meu esforço num país que se rege por padrões comportamentais e políticos que tantos danos causam ao indivíduo e à ideia de mérito? Começo a pensar que não, que não merece a pena. O que vale mesmo são os valores que Portugal tem guardados na alma desses indivíduos que conhecemos e que conquistam a nossa amizade para todo o sempre. Com isso podemos contar. Mas é uma quase-saudade sem ter partido, sem ter sentido a ausência. Sem ter abalado para tornar a voltar. Ficar.