Saltar para: Post [1], Comentários [2], Pesquisa e Arquivos [3]




Cravos e ferraduras de Portugal

por John Wolf, em 01.04.14

Estou em Portugal há menos tempo do que os seus 40 anos de democracia e, pela primeira vez, questiono de um modo profundo o seu futuro e as implicações para a minha felicidade e a realização dos meus objectivos. Numa frase: Portugal é um país maravilhoso para se viver, mas não para trabalhar. Na qualidade de estrangeiro fui sempre tratado de um modo magistral e afectuoso. Fui alvo de tanta generosidade, de gente simples ou não. Quando chegava à casa de um desconhecido levado pela mão de um amigo, sem demoras recebia o abraço afectuoso da casa e tinha de deixar à saída a promessa de tornar à mesma. Quando as emoções lastimosas se apresentam ao nosso espírito, a latinidade portuguesa ampara e evita a queda. Vamos sair que isso passa. E isto é muito valioso. Na vida agitada do dia a dia, o português inventa sempre uma hora para o encontro, o convívio - o café. Quando chega o sol então é uma alegria. O calor faz-se acompanhar pelas coisas boas da vida. Peixe assado e vinho branco, praia. Tudo isto é qualidade de vida e nem sequer estou a levar em conta a abundância de trocos para a prossecução desse esplendor. Não é (era) preciso muito para estar nas sete quintas. Mas isso infelizmente mudou drasticamente nos últimos anos e agora a felicidade em conta tornou-se cara, incomportável. Quanto a trabalhar em Portugal: a coisa muda de figura (com as devidas e merecidas excepções). Começa logo mal com a pontualidade - é coisa que não abunda. Três horas depois da hora agendada - é melhor ficar para amanhã (amanhã? Hoje já terei fechado o negócio com outro parceiro, por sinal de outro país, e que garante a entrega num prazo ainda mais apertado). A patologia prossegue ainda com as respostas que não chegam. Os mails que morrem na eternidade no inbox de destinatários toldados pela sua pretensa superioridade hierárquica. Depois temos a ausência de ambição profissional e vistas largas (o que tenho a ganhar com isso e por que razão devo esforçar-me se estou bem assim?). Depois há a falta de educação profissional - a cortesia que faz parte do protocolo. Quando se recebe algo, agradece-se. Depois há os contactos privilegiados que levam as coisas avante ou não. E aqui já não estou a especular. Para se conseguir chegar "lá" é preciso conhecer a gente "certa". Movimento-me em tantas dimensões profissionais e confirmo que os campos estão todos minados. Das artes às letras, da banca aos media, é a mesma coisa. Poderia continuar a dissertar sobre este mal-estar que me aflige e que coloca diante da minha pessoa um grande "poste" de interrogação. Será que Portugal consegue contrariar o que vem praticando há tanto tempo? Será que vale a pena investir o meu esforço num país que se rege por padrões comportamentais e políticos que tantos danos causam ao indivíduo e à ideia de mérito? Começo a pensar que não, que não merece a pena. O que vale mesmo são os valores que Portugal tem guardados na alma desses indivíduos que conhecemos e que conquistam a nossa amizade para todo o sempre. Com isso podemos contar. Mas é uma quase-saudade sem ter partido, sem ter sentido a ausência. Sem ter abalado para tornar a voltar. Ficar.

publicado às 09:45


7 comentários

Sem imagem de perfil

De Sergio Ferreira de Sousa a 01.04.2014 às 17:31

... e eu sempre com a impressão que era o único a sentir assim! :) Quando regressei a Portugal em 2005, senti as mesmas coisas que estão aqui descritas - e acabei por sair de novo, exactamente com as mesmas impressões que expressa no artigo. É extraordinário. Enfim, eu desisti, entreguei a toalha a meio de um combate desigual em que reconhecidamente eu só me estava a aguentar por mera tenacidade e teimosia. Vencido e tristemente convencido de ter aplicado energias e recursos num esforço inglório, lá decidi "emigrar" de novo e cá estou de volta a Toronto. Confesso, consomem-me as saudades, porém logo mitigadas pela memória dos revezes. Entre outros aspectos, todos eles descritos, um dos que mais me frustrava era a pedante e aparentemente propositada falta de cortesia profissional! E isto para não mencionar a completa ausência de escrúpulos em cumprir, pagar a tempo ou em pagar o justo e devido e que parece ser quase endémica. Penso que esta última "característica" está inteiramente associada ao chico-espertismo, esse conhecido fenómeno tão lusitano. Não me lembro dos meus pais me contarem que as coisas eram assim "dantes". Ah! :( 
Imagem de perfil

De John Wolf a 01.04.2014 às 19:48

Caro Sérgio Ferreira de Sousa,
Grato pelo comentário e o "amparo" da sua compreensão.
Cordialmente, 
John 
Sem imagem de perfil

De mBhalane a 01.04.2014 às 18:03

Bom retrato.
E a preto e branco, como se requer.
Imagem de perfil

De John Wolf a 01.04.2014 às 19:49

Muito obrigado De mBhalane pela apreciação!
Cumprimentos,
John
Imagem de perfil

De Luis Moreira a 01.04.2014 às 19:10

Muito bom.É isso mesmo e foi por essas razões que os portugueses se encontram em todos os lugares do mundo.
Imagem de perfil

De John Wolf a 01.04.2014 às 19:50

Caro Luís Moreira,
Sei que há uma "comunidade" alargada de pessoas devassadas por estes sentimentos.
Obrigado.
Cumprimentos,
John
Sem imagem de perfil

De Flávio Gonçalves a 02.04.2014 às 08:10

É uma tortura trabalhar em Portugal :( querer trabalhar bem então, quase de certeza que nos leva a uma depressão profunda ou a pensamentos suicidas, ainda mais se quisermos receber um pagamento justo... enfim, deve ser por isso que é tão fácil emigrar, sempre foi.

Comentar post







Arquivo

  1. 2025
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  14. 2024
  15. J
  16. F
  17. M
  18. A
  19. M
  20. J
  21. J
  22. A
  23. S
  24. O
  25. N
  26. D
  27. 2023
  28. J
  29. F
  30. M
  31. A
  32. M
  33. J
  34. J
  35. A
  36. S
  37. O
  38. N
  39. D
  40. 2022
  41. J
  42. F
  43. M
  44. A
  45. M
  46. J
  47. J
  48. A
  49. S
  50. O
  51. N
  52. D
  53. 2021
  54. J
  55. F
  56. M
  57. A
  58. M
  59. J
  60. J
  61. A
  62. S
  63. O
  64. N
  65. D
  66. 2020
  67. J
  68. F
  69. M
  70. A
  71. M
  72. J
  73. J
  74. A
  75. S
  76. O
  77. N
  78. D
  79. 2019
  80. J
  81. F
  82. M
  83. A
  84. M
  85. J
  86. J
  87. A
  88. S
  89. O
  90. N
  91. D
  92. 2018
  93. J
  94. F
  95. M
  96. A
  97. M
  98. J
  99. J
  100. A
  101. S
  102. O
  103. N
  104. D
  105. 2017
  106. J
  107. F
  108. M
  109. A
  110. M
  111. J
  112. J
  113. A
  114. S
  115. O
  116. N
  117. D
  118. 2016
  119. J
  120. F
  121. M
  122. A
  123. M
  124. J
  125. J
  126. A
  127. S
  128. O
  129. N
  130. D
  131. 2015
  132. J
  133. F
  134. M
  135. A
  136. M
  137. J
  138. J
  139. A
  140. S
  141. O
  142. N
  143. D
  144. 2014
  145. J
  146. F
  147. M
  148. A
  149. M
  150. J
  151. J
  152. A
  153. S
  154. O
  155. N
  156. D
  157. 2013
  158. J
  159. F
  160. M
  161. A
  162. M
  163. J
  164. J
  165. A
  166. S
  167. O
  168. N
  169. D
  170. 2012
  171. J
  172. F
  173. M
  174. A
  175. M
  176. J
  177. J
  178. A
  179. S
  180. O
  181. N
  182. D
  183. 2011
  184. J
  185. F
  186. M
  187. A
  188. M
  189. J
  190. J
  191. A
  192. S
  193. O
  194. N
  195. D
  196. 2010
  197. J
  198. F
  199. M
  200. A
  201. M
  202. J
  203. J
  204. A
  205. S
  206. O
  207. N
  208. D
  209. 2009
  210. J
  211. F
  212. M
  213. A
  214. M
  215. J
  216. J
  217. A
  218. S
  219. O
  220. N
  221. D
  222. 2008
  223. J
  224. F
  225. M
  226. A
  227. M
  228. J
  229. J
  230. A
  231. S
  232. O
  233. N
  234. D
  235. 2007
  236. J
  237. F
  238. M
  239. A
  240. M
  241. J
  242. J
  243. A
  244. S
  245. O
  246. N
  247. D

Links

Estados protegidos

  •  
  • Estados amigos

  •  
  • Estados soberanos

  •  
  • Estados soberanos de outras línguas

  •  
  • Monarquia

  •  
  • Monarquia em outras línguas

  •  
  • Think tanks e organizações nacionais

  •  
  • Think tanks e organizações estrangeiros

  •  
  • Informação nacional

  •  
  • Informação internacional

  •  
  • Revistas