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Crimeia e o fetiche da Guerra Fria

por John Wolf, em 06.03.14

A propósito do artigo de Daniel Oliveira tenho a dizer o seguinte: it takes two to tango. Estará a Rússia disposta a um acordo político? Será que o desfecho dos eventos que ocorrem na Crimeia servirá de ponto final para a grande estratégia russa? Não creio. Parece-me um pouco ingénua e redutora a simplificação ideológica do Daniel Oliveira. Quando os britânicos garantiam a paz na Europa após negociações com a Alemanha nazi dos anos 30, o que aconteceu a seguir? A Europa foi palco do mais devastador conflito de que há memória. Embora (ainda) não esteja a bombardear a Crimeia, a Rússia faz uso de todos os métodos de apropriação territorial que se conhecem. Certamente não se recordará Daniel Oliveira dos Sudetas e da Alemanha nazi que violou territórios para defender os interesses dos seus "nacionais" residentes na Boémia e na Morávia. A grande questão que os europeus enfrentam relaciona-se com a sua eterna passividade perante o desenrolar os acontecimentos. Em vez de criticar os EUA, os apologistas da emancipação política e militar da União Europeia deveriam fazer um esforço para estabelecer as regras do jogo. Mas para fazer isso de um modo substantivo seria necessário que a Política Externa e de Segurança Comum da UE existisse de facto e fosse para além do plano das intenções. When the shit hits the fan a quem recorrerá a Europa? Será a NATO e os EUA a intervir no terreno. Não existe política recessiva em Realpolitik. Quando a Rússia avança é porque já sabe quais os passos seguintes que irá tomar. Enquanto alguns servem-se da história da Guerra Fria para revelar rancores e interpretar os tempos presentes, outros escrevem a contemporaneidade geopolítica fazendo tábua rasa de considerações ideológicas. E é isso que a Rússia está a fazer. Está a arrastar os restantes actores para uma nova linguagem de projecção de poder, domínio e subjugação. Decerto esquece Daniel Oliveira que a União Soviética também pôs o dedo na gatilho  na guerra do Vietname. O acordo político com a Rússia de que fala Oliveira será negociado por quem? Por uma União Europeia quase incapaz de se manter em pé? Autonomia, autodeterminação ou moralismo são palavras caras que não servem grandes causas. Ainda não temos um nome para definir o que está a acontecer. Porventura por daqui a 10 anos Daniel Oliveira possa dedicar um tomo inteiro a este tema. Agora parece-me prematuro. Misturar juízos de valor com análise política séria geralmente dá asneira.

publicado às 13:08


2 comentários

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De Nuno Castelo-Branco a 06.03.2014 às 21:32

Percebo o que queres dizer, mas neste caso, os EUA falham redondamente. Simplesmente não têm razão, mesmo que circunscrevamos os argumentos aos... argumentos que os americanos usaram para o caso jugoslavo, nomeadamente o Kosovo. Os Sudetas jamais pertenceram à Alemanha dirigida pela Prússia. Eram austríacos e a Checoslováquia herdou-os por teimosia da frança e supina estupidez de Wilson. Os Sudetas eram tão alemães - refiro-me à língua - como a Áustria era e ainda é. A Crimeia é russa desde a oportuna conquista de Catarina II, por sinal, uma alemã. Está povoada de russos, é de inetresse vital para a Rússia e ninguém sequer pode imaginar uma apressada comparação entre a solidez da independência ucraniana - rspeitável, sem dúvida - e a a gestão do espaço político que a Rússia reserva para os países limítrofes. É desagradável a situação? Pode ser, mas não deixa de ser a que os factos apresentam como única.

Os russos têm uma imensa panóplia de razões, entre as quais o direito histórico e mais importante, o das gentes. aplique-se então o princípio da autodeterminação dos povos que a ONU obriga e veremos o que uma consulta decidirá. Toda a política americana é errática, incoerente. Fica sempre a suspeita - infundada ou não - de apenas pretender obter mais bases de ataque e mais ainda, de controlar os coredores de distribuição de energia. Neste caso, compreendo o desejo russo de querer assumir a gestão do seu espaço de segurança, aliás muito mais reduzido que aquele existente nos tempos das fronteiras da felizmente extinta URSS. A política de Washington é de tal modo funesta que corremos o sério risco de vermos regressar aos círculos do poder, aqueles que se declaram abertamente comunistas, desta vez empunhando o facho do patriotismo. Já o fizeram antes. Durante a II Guerra Mundial, nem sequer passou pela cabeça de Estaline invocar "heróis do proletariado", tendo bem ao contrário, feito o apelo em nome da memória dos grandes generais e políticos do período imperial, alguns soberanos incluídos. É eficaz e Putin, homem incomparavelmente mais preparado e apto que Obama, fará exactamente o mesmo. 


Não existe uma opção "guerra". Quando os EUA largaram duas bombas atómicas sobre dois importantes centros urbanos, ergueram um padrão. Todos o sabemos e Putin sabe-o melhor que ninguém. Nem sequer as sanções poderão ser  a arma determinante que o dissuada de seguir avante. eram eficazes na década de setenta, hoje já não são, especialmente tratando-se de um país de quem tantos outros dependem. É recíproco? Talvez, mas nem por isso deixa de ser um aspecto que tenderá a prejudicar sumamente os dois lados, daí a discreta acçaão alemã, a única que me parece movida pela realpolitik. 
Eu, sei, tu sabes e Obama sabe que Putin replica da mesma forma que os EUA replicariam se o caso fosse junt das suas fronteiras. Os americanos têm de uma vez por todas encarar a Rússia como um país antigo, um império muito anterior aos EUA.  Digo império, com tudo o que está subjacente a isto. A Crimeia foi e será russa. É um dado incontornável, mesmo que a teórica soberania - sob a forma de federação ou qualquer outro esquema que salve a face dos EUA e da "UE" - continue a pertencer à Ucrânia. Os velhos modelos caducaram e a questão da bandeira deve ser secundária para Moscovo. Trata-se de uma delimitação de terremo e quanto a isto, por enquanto é duvidoso que os russos desistam facilmente. 
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De John Wolf a 07.03.2014 às 13:38

Caro Nuno,
Grato pelo comentário detalhado. Não discordo do apresentado. Veremos se estes eventos servem para aprofundar a integração política da Europa (UE) e se a  Ucrânia poderá vir a ser o "mediador" entre a Rússia e o Ocidente.

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