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Estamos em guerra. É isto, não é? Estamos em guerra e ela está a travar-se cá dentro. Nos aeroportos, nos centros comerciais, nas salas de espectáculos. E dizem-nos que não podemos ter medo. Aqueles que nos prometeram paz e prosperidade para todo o sempre, que se fiaram no fim da história, pedem-nos que não tenhamos medo. É isto, não é? Dizem-nos que temos de nos habituar, que isto vai ser sempre assim, que atentados terroristas, a partir de agora, podem sempre acontecer em qualquer altura. E pedem-nos coragem. Aqueles que recusaram o choque de civilizações, que confundiram tolerância com relativismo e multiculturalismo com passividade, agora pedem-nos coragem. Pedem-nos que continuemos a viver o nosso quotidiano da mesma maneira. E nós continuamos. Encurralados em prédios sem conhecer a vizinhança. Fechados em centros comerciais, a cismar em frente às montras. Sem que pertençamos a alguma coisa. Sempre cínicos, sempre disponíveis para rir do amor dos outros, sempre a brincar com a fé dos outros. Sem crença no País e no Estado. Encurralados nos subúrbios que não são de ninguém ou nos centros onde cada um é também só de si próprio. E a assistir a uma vaga cada vez maior de gente adolescente e pós-adolescente que quer mais do que isto e que encontra mais do que isto em células terroristas, numa religião, no diabo a quatro. Com a complacência das comunidades. E pedem-nos que continuemos a assistir a isto sem medo, firmes, orgulhosos do marasmo, da falta de moral, da incapacidade de distinguir o bem do mal. Pedem-nos que nos habituemos. Porque isto vai ser sempre assim. Mas nós temos medo. Temos medo, estão a ouvir? E viramo-nos para que lado? Para quem nos pede que nos habituemos? Há quem peça aos Estados. Mas os Estados são instituições de solidariedade social, são reservas de dinheiro. E esse dinheiro já nem existe. Os Estados não têm exércitos. Mal têm polícias. E os polícias que têm, mal conseguem encher os depósitos dos carros. E os Estados decidem o quê? E como? E quando? Decidem todos juntos, sobre alguma coisa, quando não se conseguem entender sobre coisa nenhuma. Os Estados, todos juntos, dizem-nos que o mal está lá fora. Mas nós sentimos o mal cá dentro. É isto, não é? E pedem-nos coragem. Pedem-nos que continuemos a confiar e a levar a nossa vida tranquila e sem grandes crenças. Querem que continuemos a ser cínicos. Mas nós precisamos de alguém. De alguma coisa. E olhamos à volta. E temos casos de corrupção a encher a vida pública por todo o lado. Confiamos em quem, então? E continuamos a olhar à volta. E temos extremistas, uns mais loucos que outros, a ganhar terreno por todo o lado. E viramo-nos para que lado, então? Devíamos estar a confiar nalguma coisa. Nos vizinhos lá do bairro, na associação cultural, nas Forças Armadas. E devíamos estar a acreditar nalguma coisa. Em Deus, na família, na pátria. Sem complexos de fascismo, que Deus, a Pátria e a Família não são conceitos fascistas, não servem para ostracizar ou para reprimir. Servem para estabilizar. Para nos dar solidez. Mas já vamos tarde. Estamos em guerra, pá. E a guerra está a fazer-se cá dentro, ao nosso lado, por gente que podemos conhecer e de quem podemos até gostar. O nosso mundo mudou. Para pior. Acreditem que, para quem tem 30 anos e uma vida inteira à frente, isto é dramático.