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Em linha recta

por Nuno Gonçalo Poças, em 31.03.16

Vargas Llosa, em ‘A civilização do espectáculo’, diz que Tolstoi, Joyce e Faulkner escreviam livros que pretendiam derrotar a morte, que sobrevivessem a eles próprios, ao passo que as telenovelas brasileiras, os filmes de Hollywood ou os espectáculos da Shakira não pretendem durar mais que o tempo da sua apresentação. Desaparecem, dão lugar a outros produtos de enorme sucesso e efemeridade. Para Llosa, hoje a cultura é diversão, e o que não é divertido não é cultura. Mas, décadas antes, já T. S. Eliot nos falava dos ‘homens ocos’ (“We are the hollow men / We are the stuffed men / Leaning together / Headpiece filled with straw”), na sequência da sua ‘Canção de Amor de J. Alfred Prufrock’, em que um mundo de homens sem personalidade e sem pujança se rendia ao niilismo, abandonava a vida interior e se refugiava no conforto da estética, da aparência e da mansidão ideológica. Eliot escreveu entre guerras mundiais, entre ameaças de comunismo e de nazismo e de aristocracias moribundas. Llosa escreve no tempo das redes sociais, entre ameaças de novos extremismos e de conflitos entre civilizações.

Trazer o contexto de Eliot para um texto que pretendia abordar a perspectiva de Llosa é evitar o saudosismo. Não, não era antigamente que era bom. Mas é nos tempos em que o homem tem medo do tédio, da história, da fé, da morte e do imperfeito que nos devemos preocupar. Para Llosa, a cultura é uma espécie de consciência que impede o voltar de costas à realidade, que hoje funciona como mero fenómeno de distracção e entretenimento. Partindo do pressuposto de que o homem tem uma tendência natural para se divertir, para ocupar o seu tempo, o que Llosa critica é a transformação desta tendência num bem supremo da civilização.

Esta cultura de entretenimento estabeleceu o critério do preço em detrimento do valor, do comercial em detrimento do simbólico. Transformou-nos em turistas perfeitos, potenciados pelas redes sociais. Entretemo-nos. Filmamos e fotografamos para partilhar, para que vejam que nós vimos. O tecto da Capela Sistina tem o valor de um parque de diversões porque o preço é semelhante. É entretenimento. E sorrimos para as fotografias, já não porque a fotografia é uma raridade, mas porque os outros nos vão ver nas fotografias. E o turista perfeito sorri. Está aparentemente feliz.

Enquanto esta civilização niilista, cínica, gerada na ressaca de um conflito mundial, se entretém, vai-se deparando também com novas realidades, com novas ameaças de conflitos. E vai lendo os tabloides, na esperança de que algo mais a entretenha. Um atentado, um suicídio, um escândalo de corrupção. Talvez Foucault tivesse razão quando dizia que as civilizações sempre foram movidas, umas vezes mais e outras menos, por uma pulsão de morte e de sangue. Talvez. Hoje, que somos nós as vítimas dessa pulsão, vinda de outros, estamos só a entreter-nos. A tirar auto-retratos enquanto as paredes da nossa vida e do nosso mundo vão criando fissuras. Sem saber o que fazer. Mas aparentemente felizes. “Nunca conheci quem tivesse levado porrada / Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo”, como no 'Poema em linha recta' de Fernando Pessoa. Julgo que é isto. Não, antigamente não era bom. Mas futuramente pode ser pior.

publicado às 12:38


1 comentário

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De J.S.M.suave e nas tintas a 01.04.2016 às 06:56

Boa noite
Compreendo muito bem (acho eu) a critica explicita no seu post . Só não compreendo a sua alusão critica ao niilismo. O primado da estética em detrimento das ideias não me parece alienante, bem pelo contrario: seria sempre um facilitador de Contrários das mesmas ( as ideias são úteis - a arte está acima de qualquer utilidade!). De todo o modo nós não vivemos, nem de longe, num mundo niilista, mas sim historicista ( a Historia, que eu saiba ainda não acabou!). O liberalismo é ainda assim, em todas as suas vertentes o melhor compromisso entre niilismo e historicismo, e os autores que citou, a começar pelo próprio Llosa , são o melhor exemplo disso. De resto a Estética tem as costas largas (por exemplo, quando passeamos nas ruas verificamos que estas estão cheias de lojas de estética, que, provavelmente, Nietzsche nunca imaginou!) .O niilismo e, mais recentemente, o existencialismo, não vislumbram estética sem ética, pelo contrário: estas são gémeas siamesas e inseparáveis. O primado do individuo não defende a futilidade e o narcisismo, pelo contrário, apela à responsabilidade, ao homem superior, e não ao homem inferior em busca de experiências rápidas , ocas e vazias de sentido, como muito bem descreve no seu post . (" O que o homem superior busca está em si mesmo; o que o homem inferior busca está nos outros", cito Confúcio.) De resto o conceito ou a ideia de niilismo não se resume, nem começa ou acaba na filosofia de Nietzsche (que, de facto, nunca foi posta em pratica), ao contrario do cristianismo, por exemplo, que foi verdadeiramente niilista quando apareceu e que perdura até aos nossos dias nas sociedades ocidentais.
No fundo o que Nietzsche defende é a filosofia pré socrática (dionisíaca) , que terminou com o niilismo do classicismo grego e, depois, com o do cristianismo.
Cumprimentos

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