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Vargas Llosa, em ‘A civilização do espectáculo’, diz que Tolstoi, Joyce e Faulkner escreviam livros que pretendiam derrotar a morte, que sobrevivessem a eles próprios, ao passo que as telenovelas brasileiras, os filmes de Hollywood ou os espectáculos da Shakira não pretendem durar mais que o tempo da sua apresentação. Desaparecem, dão lugar a outros produtos de enorme sucesso e efemeridade. Para Llosa, hoje a cultura é diversão, e o que não é divertido não é cultura. Mas, décadas antes, já T. S. Eliot nos falava dos ‘homens ocos’ (“We are the hollow men / We are the stuffed men / Leaning together / Headpiece filled with straw”), na sequência da sua ‘Canção de Amor de J. Alfred Prufrock’, em que um mundo de homens sem personalidade e sem pujança se rendia ao niilismo, abandonava a vida interior e se refugiava no conforto da estética, da aparência e da mansidão ideológica. Eliot escreveu entre guerras mundiais, entre ameaças de comunismo e de nazismo e de aristocracias moribundas. Llosa escreve no tempo das redes sociais, entre ameaças de novos extremismos e de conflitos entre civilizações.
Trazer o contexto de Eliot para um texto que pretendia abordar a perspectiva de Llosa é evitar o saudosismo. Não, não era antigamente que era bom. Mas é nos tempos em que o homem tem medo do tédio, da história, da fé, da morte e do imperfeito que nos devemos preocupar. Para Llosa, a cultura é uma espécie de consciência que impede o voltar de costas à realidade, que hoje funciona como mero fenómeno de distracção e entretenimento. Partindo do pressuposto de que o homem tem uma tendência natural para se divertir, para ocupar o seu tempo, o que Llosa critica é a transformação desta tendência num bem supremo da civilização.
Esta cultura de entretenimento estabeleceu o critério do preço em detrimento do valor, do comercial em detrimento do simbólico. Transformou-nos em turistas perfeitos, potenciados pelas redes sociais. Entretemo-nos. Filmamos e fotografamos para partilhar, para que vejam que nós vimos. O tecto da Capela Sistina tem o valor de um parque de diversões porque o preço é semelhante. É entretenimento. E sorrimos para as fotografias, já não porque a fotografia é uma raridade, mas porque os outros nos vão ver nas fotografias. E o turista perfeito sorri. Está aparentemente feliz.
Enquanto esta civilização niilista, cínica, gerada na ressaca de um conflito mundial, se entretém, vai-se deparando também com novas realidades, com novas ameaças de conflitos. E vai lendo os tabloides, na esperança de que algo mais a entretenha. Um atentado, um suicídio, um escândalo de corrupção. Talvez Foucault tivesse razão quando dizia que as civilizações sempre foram movidas, umas vezes mais e outras menos, por uma pulsão de morte e de sangue. Talvez. Hoje, que somos nós as vítimas dessa pulsão, vinda de outros, estamos só a entreter-nos. A tirar auto-retratos enquanto as paredes da nossa vida e do nosso mundo vão criando fissuras. Sem saber o que fazer. Mas aparentemente felizes. “Nunca conheci quem tivesse levado porrada / Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo”, como no 'Poema em linha recta' de Fernando Pessoa. Julgo que é isto. Não, antigamente não era bom. Mas futuramente pode ser pior.