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Engenharia/o Social

por António Garcia Rolo, em 22.01.14

Aparentemente, há uma coisa chamada V Plano Nacional para a Igualdade, Género, Cidadania e Não Discriminação, promovido por uma entidade (cuja existência desconhecia) denominada Secretaria de Estado da Igualdade.

 

Aparentemente, encomendou-se um estudo para determinar se se utilizava ou não linguagem 'inclusiva', e chegou-se à conclusão, chocante (!!!), que o próprio Plano ou o próprio Estudo não utilizava linguagem suficientemente inclusiva! É incorrecto dizer funcionário(a), porque parênteses implica subsidiariedade, e isso implica que as mulheres sejam inferiores! Ora vejamos um excerto da notícia:

 

“Porque o emprego mais geral dos parênteses é para ‘intercalar num texto qualquer indicação acessória’”, como refere a Gramática da Língua Portuguesa, de Celso Cunha e Lindley Cintra, “não parece que seja esta uma forma adequada para uma representação simétrica do género feminino, uma vez que abre a possibilidade de interpretação como um reforço da ‘menoridade’ ou ‘subsidiariedade’ das mulheres”, lê-se no Guia para uma Linguagem Promotora da Igualdade entre Mulheres e Homens na Administração Pública, da CIG."

 

Todo o resto da notícia é irrisório - a antiga presidente da Comissão para a Igualdade de Género revela-se 'perplexa', porque se devia usar 'pai e mãe', em vez de 'pais', e mais! Reparem:

 

"Em 2007, foi aprovada a nova lei orgânica da Presidência do Conselho de Ministros, que tutela a CIG. E logo no artigo 4.º desse decreto-lei lê-se que o novo organismo, que então substituía a Comissão para a Igualdade e para os Direitos das Mulheres, deverá ser dirigido “por um presidente, coadjuvado por um vice-presidente”. A hipótese de “uma presidente”, não é colocada, apesar de até agora terem sido sempre mulheres a liderar a CIG."

 

E, segundo a antiga Presidente do CIG, o facto de a língua portuguesa utilizar o masculino a referir-se a plurais que incluem substantivos masculinos e femininos é um legado da 'sociedade patriarcal' da 'supremacia do poder masculino'. Isso quer dizer que, nos países Germanófonos, cuja língua usa o mesmo artigo para se referir ao feminino e ao plural (die - ex: die Königin, a rainha e die Könige, os reis) - será que isso quer dizer que a Alemanha é uma sociedade sexista, matriarcal e onde há uma supremacia do poder feminino (por acaso até há ;) ). Assim, a única língua igualitária que conheço é o inglês. Ao menos, a maior parte das palavras não indica o seu próprio género.

 

Porque não uma reforma da língua portuguesa nesse sentido? É que mesmo a utilização de funcionário/a me parece pouco inclusiva - temos a palavra em masculino e depois um anexo, como se a mulher fosse um anexo. Se calhar devíamos pôr ao contrário - funcionária/o, mas aí o homem é um anexo. Que dor de cabeça.

 

Enfim, já dizia um certo filósofo filósofo austríaco - o significado da palavra é o seu uso na linguagem corrente. Isso, aliado ao facto do Estado não ser 'dono' da língua que mais se fala no seu território (mesmo com 'Acordos' celebrados com outros Estados da mesma língua, há mais gente que fala português. Então imaginem se fosse o Inglês! Felizmente nenhum Estado anglófono alguma vez teve a pretensão de regular o inglês e, no entanto, é a lingua franca mundial), faz com que qualquer tentativa de modificar a língua tal como é falada, mesmo que seja indirectamente através de uma espécie de soft paternalism, que recomenda e não força sobre privados, mas obriga públicos, seja ilegítima e roce na engenharia social. 

 

Este fundamentalismo para mudar a língua, mesmo só através de documentos oficiais, não é nada mais do que uma paranóia injustificada. De quem leia este artigo e seja mulher, comente por favor se sente ofendida por 'funcionário(a)' ou mesmo pela utilização do masculino nos plurais? Se não se sente ofendida, deve ser por estar manipulada pela nossa sociedade patriarcal e masculinizada.

 

Se calhar funcionári@ é melhor. Mas mesmo assim, o 'o' rodeia o 'a', está a dominá-lo outra vez. Que chatice, pá.

 

Este texto absurdo serve para demonstrar a futilidade, a superficialidade e a ilegitimidade de toda esta discussão irrisória sobre a forma de se estabelecer os plurais e palavras que incluam dois sexos. No que concerne a igualdade de género, estamos muito melhores do que estávamos, mas não é através de quotas, através de mudanças linguísticas que se atinge a igualdade de género. Não é um processo imediato. Há quem se queixe que há poucas ministras, poucas deputadas. Mas também não é através de quotas que se atinge a verdadeira igualdade. Fica sempre a ideia de que uma concessão condescendente, do tipo 'vá lá mulher, pela nossa graça terás isto e isto'. A verdadeira emancipação feminina, após todos os processos que consagraram a igualdade de género na lei, será social. A lei garante-a à partida, através de igualdade formal. Quanto à igualdade material, não cabe à lei defini-la. Ela atinge-se através de processos sociais, e não através de condescendência política e de mudanças linguísticas. A Suécia, um baluarte da igualdade de géneros, também tem uma língua que faz o mesmo que o Português. Um actor é um skådespelare, uma actriz é uma skådespelerska. Advinhem como se diz um conjunto de actores e actrizes? Skådespelare. E não é por isso que não é uma sociedade igualitária.

 

A língua é de cada um, e cada um escreverá como quiser conjuntos de substantivos masculinos e femininos. Mas qualquer mudança deve partir de tudo menos do Sr. Engenheiro Social-Mor, i.e., o Estado. Que se use este dinheiro para outras coisas.

 

publicado às 09:06







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