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Telegraficamente, que o tempo é curto. Eu moro em Palmela. Frequentei a Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. Preciso de um certificado de habilitações. Consulto o site da secretaria, e constato que funciona das 09:30 às 15:00 (bom horário, produtivo), pelo que decido dirigir-me, primeiro, à Loja do Cidadão, a fim de obter outro papel necessário.
Chego às Laranjeiras perto das 07:35, quando a fila (única) já conta com cerca de 140 pessoas. As portas abrem-se pontualmente às 08:30, e as pessoas entram, atropelando-se como bestas esfaimadas a quem apontaram a ração, e ultrapassam-se umas às outras, subvertendo em menos de dez segundos a ordeira beatitude manifestada, ao frio e ao vento, desde há duas horas. Há três pessoas que entre si demoram oito minutos a contemplar a máquina distribuidora de senhas, até que eu me passe, imiscua e lhes explique como funciona. Um não fala português e a máquina não tem opção para crioulo. Outro não sabe o que significam as siglas. O terceiro estava a ver como funciona para depois dizer ao irmão. Despacham-se. Tiro uma senha. É bonita, preto no branco e sem deixar manchas. Tudo isto deve ter custado imenso dinheiro. Peço o papel, pago cinco euros, recebo o papel.
Procuro a máquina auto-fotográfica. Já não existe, sou informado. Há no centro comercial ao lado. Só abre às 10:00. Opto por fotocopiar o meu BI a cores para obter as duas fotos que me serão igualmente requeridas pelo meu novo empregador.
Agora vou para a FCUL. Não há onde arrumar o carro, por algum cocktail de razões. Não podia deixá-lo nas Laranjeiras, por querer estar na Junta de Freguesia de Palmela antes de almoço (a fim de obter outro papel, desta vez para atestar que resido em Palmela) e entre as voltas de Metro e a parte de caminho a pé, seria infazível. Há também muitos pais e mães em Audis, BMW, e carros novos com aspecto caro estacionados em terceira fila enquanto descarregam os pequenos súcubos que não sabem ou não podem andar quinhentos metros até à escola; tudo isto complica bastante a situação.
Chego à secretaria às 09:29 e a porta abre-se, não sem que antes me seja dado reparar num papel (foto acima) informando que no dia 10 de Dezembro - olha! é hoje!!! - os serviços fecharão às 13:00. Ainda bem que moro em Palmela e vim de manhã, caso tivesse vindo de Nossa Senhora do Extremo às 12h59, horário válido segundo o site, teria sido uma situação menos cordial para mim e para a FCUL. Entro. Tenho de tirar uma senha, mas nenhuma opção se adequa ao que pretendo. Enquanto vou indagar ao balcão, três estudantes de ar seráfico e penugem esparsa tiram as suas senhas. Pago primeiro (é assim que funciona), preencho um requerimento em papel azul que no final diz "pede deferimento" e tem uma linha semi-completa com a data, ainda com "199_" como últimos dígitos, e isto porque a minha Alma Mater não aceita pedidos de certidões online. Tudo isto custou, sei-o, bastante dinheiro e complica bastante a situação.
Entrego o papel e, como ainda me recordo do meu número de aluno, comunico-o. É-me dito que a certidão vai demorar 7 a 8 dias úteis a obter. Mas não está informatizado? Está, é mesmo assim. Por curiosidade, pergunto se não podem dar-me só uma prova de frequência, o que para esta fase do recrutamento a que estou sujeito, bastará. Claro que sim! Ah, que maravilha. É salvífico. Inserem o meu número. Aparecem oito cadeiras feitas, menos, à volta, de 80% das que deviam aparecer. Ah, o senhor entrou antes de o sistema ter sido alterado. Então o resto está na Reitoria. Na Reitoria? Mas a Reitoria está isolada da rede? Não guardam os dados em sistemas conectados entre si? Não.
Vou à Reitoria. Outra senha, outro papel, outro prazo, outro custo, outra deslocação.
Já não sei bem quanto isto terá custado, mas deve ter sido muito complicado de implementar. Ser moderno e simbolizar o cume das políticas socio-tecnológicas é um fardo imenso, de cujo alívio por não ter sido eu o mártir político que o pariu, dou graças e alvíssaras.
No final de tudo, haveria que somar o ganho cessante de uma manhã de trabalho, o gasóleo, as portagens, o desgaste do carro e o acréscimo nas minhas cãs, mas não sou capaz. Viro-me para São Bento, descalço-me, estendo o tapete que normalmente me ampara as botas quando conduzo, e verto uma oração por quantos progressos nos deram à conta dos salários do Huno.
E juro para nunca mais.