Saltar para: Post [1], Comentários [2], Pesquisa e Arquivos [3]




Fachada poente a precisar de Ajuda

por Nuno Castelo-Branco, em 17.09.16

14344692_612406915607721_4859626624686266847_n.jpg

 Ficou hoje a conhecer-se mais um dos muitos projectos apresentados para o remate da fachada poente daquele que é o maior e mais imponente edifício público da capital portuguesa.


Dispensando quaisquer comentários a respeito do gosto ou desgosto que os esboços mostraram, esta construção, mesmo com o previsível isco dos fundos do Turismo e da apresentação em exposição permanente das muito desfalcadas Jóias da Coroa, não pode ser iniciada sem a prévia consulta a quem mais interessa, ou seja, os habitantes de Lisboa.  

O Palácio da Ajuda não é uma construção da qual se possa dispor à la carte, não pode estar à diposição de um projecto de promoção pessoal, ou de qualquer partido Desde que se ergueu tem sido uma sede de  poder, seja ele o monárquico ou o republicano. Nele se pavoneiam vaidades na recepção do corpo diplomático e ali se inauguram presidências e governos, por muito efémeros que sejam. É um local emprestado pela nossa história, um eco de um passado relativamente glorioso. Aqueles brilhos dos adamascados e dourados, as pratas e porcelanas, as pinturas e tapeçarias, os bibelots assinados, os torneados do mobiliário daquela mescla de estilos, o bric-a-brac de Dª Maria Pia de Sabóia, impressiona os nacionais e os estrangeiros. Não é nenhuma novidade, aquela colecção marcou uma época e por milagre praticamente íntegra - apesar dos acontecimentos da 1ª república, da visita recolectora da aventureira com quem o infante D. Afonso se casou, da retirada de mobiliário e peças decorativas que o regime da 2ª república colocou em embaixadas -, é um cenário infinitamente superior em termos de prestígio e harmonia, a uma banal construção que qualquer um dos regimes que sucedeu ao ciclone de 1910, tenha erguido nas respectivas Expo. Das pedras lavradas e pinturas murais da Ajuda à bela pala de betão armado do antigo Pavilhão de Portugal, vai uma boa distância e os nossos senhores não hesitam na escolha do decor. Sejam então coerentes.

14329941_10207472831121251_2730572288723593724_n.j

 Poderá a entidade mais ansiosa, a Câmara Municipal, esgrimir argumentos a favor da "rápida conclusão de uma obra que já tarda e é urgente", mas estas atitudes em nada abonam quem decide e muito dependerá da confiança de uma população muito desconfiada por este inesperado inferno eleitoral de ciclovias, alargamento de passeios, demolições a eito e sem consulta, desrespeito pelo próprio inventário municipal e outras habituais habilidades comezinhas. Bem poderá então escudar-se atrás do MC e do Turismo, mas o protagonismo é totalmente seu, nada de manobras de ilusionismo. O protagonismo e o interesse.


O projecto existe há bastante mais de meio século e é da autoria do arquitecto Raul Lino que se manteve fiel à ínfima parte construída do risco original que a Ajuda teve nos finais do século XVIII e alvorada de oitocentos. O Palácio jamais foi concluído e será supérfluo inventariarmos as razões para tal incúria sobretudo devida às vicissitudes da política, às mudanças e de regime e à sempre latente penúria financeira. Anos após a sua concepção, Salazar, a braços com uma guerra em três frentes africanas e assoberbado pela construção da Ponte, não pôde dar andamento a este projecto que hoje, a ter sido concluído, já teria beneficiado da patine da passagem de meio século e muito provavelmente, com interiores a condizerem com a fachada. Seria parte da paisagem urbana. Não se fez, paciência, outros valores se levantaram, mesmo quando alguém teve a ideia de construir de raiz um Centro Cultural em Belém, nem sequer aproveitando o que já existia no alto do bairro lisboeta da Ajuda. Idem quanto ao Museu dos Coches, naquelas cíclicas, bastante oportunas para uns tantos e previsíveis derrapagens orçamentais que em muito lesaram o crédito e a respeitabilidade de quem decidiu e ordenou. Este é o país em que os cidadãos enviam cartas registadas aos governantes e estes, nada preocupados, nem sequer se dão ao trabalho de acusar a recepção. Foi o que sucedeu há perto de três décadas, quando do anúncio da construção do CCB e alguém lhes terá chamado a atenção para o aproveitamento da parte a reconstruir do Palácio da Ajuda. Pelos vistos, continuamos neste estranho caminho da surda arrogância. O mesmo se pode dizer a fundos esfumados, como aqueles deixados pela Sra. Reagan que também terá apreciado o potencial do edifício. 

Mais próximo de nós, ainda está o embaraço nacional acerca da retirada russa da exposição do Hermitage na Ajuda, pois consideraram o palácio na sua secção poente, impróprio para a apresentação das periódicas colecções imperiais. Não valerá a pena o recurso a subterfúgios lava-faces, pois foi isto mesmo o que aconteceu.

14358622_10207472831921271_7614236033894943469_n.j

 Este edifício não pode ser mais um passageiro pasto de modas e vaidades. Não pode, é campo interdito. Esperava-se a abertura de um concurso público e internacional, mas recorreu-se ao expediente já bem conhecido, da decisão sem dar cavaco. Fizeram mal, como se tornou costume. Mal, e, suspeitamos, de forma ilegal.

Bem vistos os factos, este anúncio de surpresa é mais um exercício de vanitas política embrulhada caprichosamente em argumentos apenas válidos, porque óbvios ao longo de mais de duzentos anos. O Palácio Real ou Nacional, como queiram, consiste num património que condensa a história de um século pleno de acontecimentos e que está recheado de uma inestimável colecção de época, embora, tal como as Jóias da Coroa, privada, como acima dissemos, de inúmeros elementos que a queda da Monarquia fez por vários meios sumir. Há que valorizá-lo e para isso podem e devem ser despendidas quantias necessárias que estimularão a criatividade, a arte de bem fazer, o labor dos artesãos nacionais e o interesse de uma miríade de pequenas e médias empresas de construção. A cultura não é despesa, por muitos fundos que nela se vertam sob supervisão e criteriosamente. Trata-se de um investimento e para mais, da garantia da identidade nacional que é pontilhada por um certo sentido de orgulho. 

14355510_10207472831641264_1935923389693477093_n.j

 Os decisores podem pensar o que entenderem acerca das suas excelsas personalidades, mas não vivem num exclusivo Olimpo. Desçam à terra e procedam então a uma consulta popular que decida a viabilidade do projecto de Raul Lino ou a alternativa hoje apresentada. Num país onde a palavra mais usada pelos agentes da política é democracia! democracia! democracia!, do que que têm medo os senhores da nossa situação?





publicado às 19:16


9 comentários

Sem imagem de perfil

De xico a 17.09.2016 às 23:37

Se há coisa que me ofende no palácio da Ajuda, é o próprio palácio. Pensar um palácio real de um país já em decadência, e que o mesmo teria mais do dobro do que é hoje, construído em épocas de grande crise financeira e política para Portugal, o que faria deste palácio real muito maior do que o de Londres ou Madrid, diz bem do gosto perdulário que se corre à tripa forra em Portugal. O Terreiro do Paço fez-se para quê? A Ajuda actual é, grosso modo, tão grande como o de Madrid ou Londres. Quando visitei Istambul surpreendeu-me não existir, em toda a cidade, edifício destinado ao sultão que ultrapassasse o Terreiro do Paço ou a Ajuda, e todos sabemos do gosto excêntrico dos orientais. Em Berlim, igual, mas pronto, sabemos como os alemães são frugais. O museu dos coches e o CCB são a continuação do disparate que foi a Ajuda. Tapem-lhe o buraco e deixem de gastar o dinheiro que não temos. O Raul Lino é muito bonito mas um desperdício daquilo que não temos: dinheiro.
Sem imagem de perfil

De Anónimo a 06.10.2020 às 09:26

Apenas para corrigir que a informacão que escreveu é facciosa. Istanbul tem dois palacios reais de dimensão consideravel: Topkapı Palace (https://en.wikipedia.org/wiki/Topkap%C4%B1_Palace) (o mais antigo) e Dolmabahçe Palace (o actual). 
Sem imagem de perfil

De Manuel Costa a 18.09.2016 às 09:02

Muito Interessante
Vou colocar link no meu blog
https://producaoindustrialblog.wordpress.com/
Sem imagem de perfil

De Sergio Henriques a 18.09.2016 às 09:20

Na minha modesta opinião, o palácio deveria ser concluído com o projeto de Raul Lino, daria, de certa forma, mais uniformidade ao conjunto e dignidade de palácio real. Misturar dois tipos de estilos de arquitetura não me parece fazer sentido, pelo que, diminui a grandeza do edifício no seu todo.
Sem imagem de perfil

De xico a 18.09.2016 às 20:07

O Louvre tem vários estilos de acordo com a época em que foram construídos e restaurados. Todos os grandes edifícios mundiais, em regra, sofrem modificações e restauros de acordo com a sua época e não fazendo pastiche. É assim com o Louvre, é assim com a Sé Velha de Coimbra.
Sem imagem de perfil

De Anónimo a 03.02.2021 às 04:56

O que significa pastiche hoje em dia? Só se tornou noutro palavreado pseudo-intelectual pelos arquitetos contemporâneos, pois usar elementos de outra época, como a Sé Velha de Coimbra faz, demonstra que se chega a bons resultados. No Louvre  poodemos ver exemplos de arquitetura renascentista, barroca, neo-clássica e neo-renascentista, apesar das suas diferenças eles comunicam harmoniosamente, pois usam o mesmo reportório clássico. Ninguém foi estúpido o suficiente para colocar um anexo neo-gótico, mas alguém o foi no Palácio da Ajuda ao colocar um raspa cenouras onde deveria estar o legado clássico.
Sem imagem de perfil

De Miguel de Castro Henriques a 18.09.2016 às 23:31

Excelente e esclarecedor texto. Na mouche !
Sem imagem de perfil

De Francisco Lobo a 19.09.2016 às 12:07

Bom...vendo a imagem apresentada, não se consegue, à primeira vista, ter uma leitura ou uma percepção do projectos, que, como tantos outros em Portugal, é filho de pais incógnitos...ou será de qualquer arquitecto do regime?
Julgo ser o do Gonçalo Byrne...
A análise está bem feita, se bem que da conclusão discordo.
Porquê o projecto do Raul Lino? ou do Possidónio da Silva...ou qualquer um dos 6 que já foram feitos...ou seguir o original, da Manuel Caetano de Sousa...isso sim, era fazer as coisa bem feitas!
Infelizmente em Portugal não conseguimos fazer as coisas bem feitas, discretas, com gosto, com uma eficaz gestão de recursos.
Adoramos gestos grandiloquentes, que nos custam muito a pagar e muito mais a gerir.
Temos um especial gosto em deixar marca, uma pegada pior que a de carbono, onde invariavelmente estragamos.
Lamento, mas para mim, é preferível deixar como está, porque a história recente tem-nos mostrado que não podemos ter confiança nos nossos decisores, no (bom) gosto de nos dirige, na seriedade e competência que que toma estas decisões...
Pobre Ajuda...que de ajuda vai precisar!
Sem imagem de perfil

De Anónimo a 03.02.2021 às 04:50

Porquê o projeto do mestre Raul Lino? Pois é o mais viável, em termos estilisticos, e é possuídor de bom gosto. O de outros arquitetos também seria bom, mas tudo menos o que se fez.

Comentar post







Arquivo

  1. 2025
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  14. 2024
  15. J
  16. F
  17. M
  18. A
  19. M
  20. J
  21. J
  22. A
  23. S
  24. O
  25. N
  26. D
  27. 2023
  28. J
  29. F
  30. M
  31. A
  32. M
  33. J
  34. J
  35. A
  36. S
  37. O
  38. N
  39. D
  40. 2022
  41. J
  42. F
  43. M
  44. A
  45. M
  46. J
  47. J
  48. A
  49. S
  50. O
  51. N
  52. D
  53. 2021
  54. J
  55. F
  56. M
  57. A
  58. M
  59. J
  60. J
  61. A
  62. S
  63. O
  64. N
  65. D
  66. 2020
  67. J
  68. F
  69. M
  70. A
  71. M
  72. J
  73. J
  74. A
  75. S
  76. O
  77. N
  78. D
  79. 2019
  80. J
  81. F
  82. M
  83. A
  84. M
  85. J
  86. J
  87. A
  88. S
  89. O
  90. N
  91. D
  92. 2018
  93. J
  94. F
  95. M
  96. A
  97. M
  98. J
  99. J
  100. A
  101. S
  102. O
  103. N
  104. D
  105. 2017
  106. J
  107. F
  108. M
  109. A
  110. M
  111. J
  112. J
  113. A
  114. S
  115. O
  116. N
  117. D
  118. 2016
  119. J
  120. F
  121. M
  122. A
  123. M
  124. J
  125. J
  126. A
  127. S
  128. O
  129. N
  130. D
  131. 2015
  132. J
  133. F
  134. M
  135. A
  136. M
  137. J
  138. J
  139. A
  140. S
  141. O
  142. N
  143. D
  144. 2014
  145. J
  146. F
  147. M
  148. A
  149. M
  150. J
  151. J
  152. A
  153. S
  154. O
  155. N
  156. D
  157. 2013
  158. J
  159. F
  160. M
  161. A
  162. M
  163. J
  164. J
  165. A
  166. S
  167. O
  168. N
  169. D
  170. 2012
  171. J
  172. F
  173. M
  174. A
  175. M
  176. J
  177. J
  178. A
  179. S
  180. O
  181. N
  182. D
  183. 2011
  184. J
  185. F
  186. M
  187. A
  188. M
  189. J
  190. J
  191. A
  192. S
  193. O
  194. N
  195. D
  196. 2010
  197. J
  198. F
  199. M
  200. A
  201. M
  202. J
  203. J
  204. A
  205. S
  206. O
  207. N
  208. D
  209. 2009
  210. J
  211. F
  212. M
  213. A
  214. M
  215. J
  216. J
  217. A
  218. S
  219. O
  220. N
  221. D
  222. 2008
  223. J
  224. F
  225. M
  226. A
  227. M
  228. J
  229. J
  230. A
  231. S
  232. O
  233. N
  234. D
  235. 2007
  236. J
  237. F
  238. M
  239. A
  240. M
  241. J
  242. J
  243. A
  244. S
  245. O
  246. N
  247. D

Links

Estados protegidos

  •  
  • Estados amigos

  •  
  • Estados soberanos

  •  
  • Estados soberanos de outras línguas

  •  
  • Monarquia

  •  
  • Monarquia em outras línguas

  •  
  • Think tanks e organizações nacionais

  •  
  • Think tanks e organizações estrangeiros

  •  
  • Informação nacional

  •  
  • Informação internacional

  •  
  • Revistas