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Marcelo Rebelo de Sousa tem razão. A geringonça é um arranjo inédito. O Partido Socialista, o Bloco de Esquerda e o Partido Comunista Português formaram governo, mas a criação teimosa de um executivo não é um objectivo político em si. Um governo que se preze não pode sobreviver à custa de validações endémicas, de justificações internas, de palmadinhas nas costas dos parceiros de ocasião. Existe muito mais para além das virtudes do narcisismo e das comendas presidenciais - a realidade. E a verdade nua e crua das limitações económicas e dos entraves financeiros não pode ser dissimulada por malabarismos de balancete. Portugal não padece de extremismos de Esquerda ou Direita que parecem retratar a Europa maior, por isso a geringonça nem sequer é salvadora ideológica - não pode invocar esse estatuto. Este governo é um esquema aritmético, um tabuleiro de somas parlamentares e pouco mais. Pensar-se-ia que o presidente da república fosse uma velha raposa política, sábia e experiente. Mas deste modo castelhano levanta sérias dúvidas sobre o seu sentido de Estado. Portugal não está tão distante da Grécia quanto possa parecer. Quando o país económico for esmurrado pelo declínio de investimento público, como modo de conter os deslizes orçamentais para cumprir os preceitos da Comissão Europeia, já será tarde demais. Quando olho para a geringonça e o marketeer Marcelo não sinto a reviravolta do país. Deparo-me com actores posicionados para preservar intactos os princípios da continuidade. A ruptura, que seria encabeçada por uma efectiva reforma estrutural, nunca acontecerá. Se abanarem as fundações do aparelho de um regime, onde encaixam os partidos deste acerto de ocasião, vão todos de carrinho. Como uma cenoura pendurada à frente do chanfro do burro, a descentralização serve apenas para incitar a passada mais larga. Mas o asno anda à volta da nora. E não sai do mesmo lugar.