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Há setenta anos, em Moscovo. Ontem, na Ucrânia oriental

por Nuno Castelo-Branco, em 25.08.14

 

"Os garotos apupavam, assobiavam e, mesmo, lançavam objectos à passagem dos alemães; mas os adultos intervinham imediatamente. Os homens mantinham um silêncio feroz. No entanto, numerosas mulheres, sobretudo as mais velhas, manifestavam compaixão (algumas exibiam, mesmo, lágrimas nos olhos) perante aqueles Fritz tão mal vestidos. Recordo-me de ter ouvido uma velha murmurar: "são como os nossos pobres rapazes... roje pugnali na vainou (também eles foram mandados para a guerra)"

Alexander Werth, correspondente do Sunday Times em Moscovo, in "A Rússia na Guerra. De Estalinegrado a Berlim", Paris, Stock, 1965, p. 203

 

***

 

Há setenta anos e após a catástrofe alemã da Rússia Branca, Estaline fez desfilar 57.600 prisioneiros da Wehrmacht, encaminhando-os depois para o degredo e matadouro siberiano de onde apenas um escassíssimo punhado regressaria dez anos após o fim da II Guerra Mundial. Foi um triunfo à romana com aqueles que seriam prontamente escravizados e abatidos. Desonrando a sua vitória, o ditador soviético organizou um espectáculo que Hitler jamais ousara encenar em Berlim, mesmo quando nos anos anteriores os alemães tinham capturado milhões de soldados polacos, franceses, belgas, holandeses, jugoslavos e gregos (1939, 1940,1941) e apenas numa batalha de cerco, mais de 600.000 prisioneiros capturados ao Exército Vermelho (batalha de Viazma-Briansk).

 

Quando há duas décadas a Ucrânia se separou da Rússia, os seus dirigentes preferiram arriscar-se à repetição dos mesmos erros cometidos em 1919. Como se o exemplo da Checoslováquia - ao qual se acrescentava o da Polónia e da Jugoslávia - não tivesse bastado (aglutinando checos, alemães, eslovacos, húngaros, polacos e ucranianos), Kiev aceitou fronteiras muito dilatadas, herdando-as das convenções dos tempos tempos soviéticos onde o mero pro forma ditava a lei. O resultado está à vista.

 

Ontem os russos patrocinaram uma exibição deplorável, fazendo desfilar diante do bronzeo mamarracho de Lenine - miraculosamente ainda de pé na praça do mesmo nome -, prisioneiros do exército ucraniano. Ao contrário dos mais comedidos espectadores da parada ocorrida na Moscovo do verão de 1944 - onde, como o video demonstra, também eram visíveis alguns dos habituais sorrisos imbecis de oficiais norte-americanos -, os cativos foram vergonhosamente insultados e agredidos por gente dos sete aos setenta e sete anos de idade. Ao contrário dos alemães em 1944, os ucranianos caminharam amarrados! O espectáculo foi cuidadosamente copiado do precedente, nem sequer faltando os camiões lava-estradas. Escandaloso. 

 

As imagens transmitidas pelos noticiários não oferecem a menor dúvida. Pior ainda, as autoridades russas atreveram-se mesmo a declarar que não se tratou de qualquer humilhação. Por muita compreensão que se manifeste quanto aos legítimos interesses de segurança da Rússia - uma incontornável cooperante do ocidente -, há que colocar uma questão: dado o que ontem se viu, até onde poderá Moscovo chegar? Irá, tal como Estaline fez, utilizar vagões de mercadorias para deslocar os prisioneiros para o destino do costume?

publicado às 15:30


4 comentários

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De Buiça a 25.08.2014 às 18:46

A guerra é uma "exibição deplorável".
As guerras civis ainda mais.
Também comentou quão "deploráveis" foram as perseguições dos 5% (nenhum deles alguma vez teve mais do que isso nas urnas) de neo-nazis empossados pelas potências ocidentais em Kiev aos pro-russos? Comentou o edifício em chamas com pro-russos lá dentro e os "ucranianos" a impedirem que a polícia ou bombeiros lá fossem? Comentou o detalhe do presidente eleito ter tido que fugir para salvar a vida na própria noite em que a diplomacia ameaçava resolver o assunto sem sangue tendo todos os partidos representados acordado rever a constituição e marcar eleições?
é que mais de 100 anos a acreditar no capuchinho vermelho do sunday times é um bocado demais...
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De Nuno Castelo-Branco a 26.08.2014 às 09:30

O caro Buíça anda muito distraído. Se pesquisar em "Ucrânia"e "Rússia, aqui neste blog, verificará o que se tem dito acerca dos disparates e abusos ocidentais em relação ao que se tem passado na Ucrânia.  A anexação deste país ao bloco ocidental/NATO, consiste num irreparável erro que a consumar-se, precipitará a Europa numa nova guerra fria. A verdade é que nem sequer podemos - nós e os russos - enveredar por este caminho, conhecendo-se as interdependências em matérias como a economia - e até nas finanças - e especialmente, na segurança geral. A Rússia deverá ser encarada como uma aliada e não como uma inimiga. Tal como os derrotados de 1945, o comunismo está bem enterrado e o "capuchinho vermelho" há muito se reformou. O que não podemos é continuar a acumular erros sobre erros patrocinados pelas absurdas administrações norte-americanas. A lealdade nas alianças também deve ser avaliada pela persuasão que possa ser benéfica para o ocidente. Ora, indo directo ao assunto, para todos os que não são europeus, a Rússia é tão ocidental como a Itália, a Alemanha, a Holanda e a Grã-Bretanha, em suma, um ímpio inimigo.
 O Buíça sabe muito bem onde quero chegar. 
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De José a 25.08.2014 às 19:58

Pergunto-me o que terá levado os ucranianos a ir assistir a esse desfile bárbaro. Se eu lá vivesse nunca assistiria a tão hediondo espetáculo. O que terão sofrido aquelas pessoas nos últimos tempos para participarem naquilo? Será que elas próprias se sentem escravizadas por aqueles que foram ontem humilhados? Sinceramente não sei, mas sei que a criação da Ucrânia independente há vinte e cinco anos foi um enorme erro (pelo menos na sua área pró-russa e economicamente dependente da Rússia), e pergunto-me até que ponto estará o Ocidente disposto a lutar para o manter. É que sinceramente, não me apetece que os meus filhos acabem a combater por uma Ucrânia sem Rússia, chegada à Europa, sabendo que aquele é um país que desde o século IX entra e sai da Rússia.


PS: Nenhuma destas considerações procura diminuir a barbárie que se apresentou ao mundo, tal espetáculo é digno do passado romano ou medieval, nunca de uma nação do século XXI, independentemente dos motivos que possam estar por trás.
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De Nuno Castelo-Branco a 26.08.2014 às 10:12

Caro José, na situação em que a Europa está, alienar a boa vontade russa consiste num desastre cujas consequências são previsíveis. Basta olharmos para o que se passa nas zonas limítrofes de todo este espaço. 

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