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Licenciados da tanga

por John Wolf, em 29.10.16

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Há cinquenta anos Portugal estava pejado de analfabetos. Eram mais do que as mães. Eram mais do que 70% da população (oficialmente perto dos 30%, segundo a Pordata). Depois veio a revolução e o acesso à educação terá sido uma das conquistas democráticas. Mas essa prerrogativa não bastou. Não bastava estudar muito, ter boas notas e receber um diploma. Era preciso algo mais. Para ter sucesso ou enriquecer era obrigatório ter ligações. Era condição sine qua non conhecer gente nos mais variados meios sociais ou profissionais. Uma cunha aqui, um tio acolá, e lentamente, aquilo que seria considerado convencional - o reconhecimento pelo mérito -, foi sendo corroído de um modo incontornável pelo desvio ético, pela ganância. Contudo a licenciatura continuava a ser o requisito mínimo para a aceitação social acontecer, para a escalada profissional ser possível. O Dr. Português (único no mundo académico! - trata-se apenas de um B.A....Bachelor of Arts) passou a conferir uma acreditação atípica. Emprestava a falsa aura de vantagem intelectual, de competências acrescidas. Enfim, a ilusão de que se seria melhor do que o par contemplado com uma mera educação secundária de liceu com nome de fadista. Essa licenciatura tornou-se valiosa ao ponto de ser assaltada a qualquer preço. Rapidamente essa patologia das aparências minou outras categorias. Os engenheiros passaram também a reclamar um tratamento diferenciado - também queriam ser doutores. E nessa cavalgada de pretensões, as competências, se alguma vez existiram, foram pelo cano. Portugal padece, cronicamente, de um qualquer complexo de inferioridade. Mas essa síndrome não obedece a um quadro típico. É endémico, miseravelmente consanguíneo. É uma competição de faianças de ostentação, sem que uma vez a qualidade intrínseca seja evocada. Basta o prefixo. Que se lixe o sufixo. Estou há mais de 30 anos em Portugal, e a cura não aparece. Um país ainda versado na arte do apelido e título académico não pode ir longe. A descoberta e demissão dos dois falseadores dos diplomas perdidos não nos deve surpreender. Esses dois são iguais a tantos outros. A única diferença é que estes queriam mandar. Estes faziam parte de um governo. E em vez de lá ficarem foram para o olho da rua. Adiante. Venham de lá os próximos. Estes são bem piores do que os analfabetos de há meio século atrás.

publicado às 17:17


14 comentários

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De Bic Laranja a 29.10.2016 às 21:42

Há 100 anos já havia em Portugal menos de 70% de analfabetos. Há 50 anos andariam pelos 26%. Mas pondo o rigor de lado pode sempre dizer-se que a alfabetização é muito obra abrilina. Como as licenciaturas da tanga.
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De gty a 30.10.2016 às 19:52

A alfabetização não é obra "abrílica".  O analfabetismo diminuiu, depois do 25 de Abril a uma taxa idêntica à dos 40 anos anteriores, isto é, 1934-1974.  Se pensar que desde os anos 60 a escolaridade básica se tornou obrigatória e que, a taxa de analfabetização diminuiu, depois de 25 de Abril, também por força do óbito dos analfabetos, chegamos à conclusão que não houve qualquer esforço de alfabetização das populações depois do 25 de Abril. Aliás, a posição relativa de alfabetização entre Portugal e Espanha praticamente não se alterou nos últimos 100 anos.
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De Bic Laranja a 30.10.2016 às 21:52

Não percebeu a ironia.
Cumpts.
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De gty a 31.10.2016 às 15:52

Para que a ironia resulte são necessários elementos que deixaram de existir. Hoje em dia todos temos, como a Rainha de Copas, "(...) believe[d] as many as six impossible things before breakfast." 
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De Bic Laranja a 31.10.2016 às 21:31

Pois, pois. Mas também não percebeu o texto. É fácil. É só ler as palavras.
Passar...
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De pita a 29.10.2016 às 21:58

Ando há meses para contar esta anedota, dita por meu Pai (Primeiro Assistente da Fac. de Medicina de Lisboa) no início dos anos 60 do século passado:

Em Coimbra, a terra dos doutores. Um engraxador, enquanto tratava do calçado dum tipo perguntou-lhe:
- então o Sr. Dr. ainda continua a trabalhar no talho da Rua Direita?

Grande país, pois não muda há séculos.
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De isa a 29.10.2016 às 23:41

Image
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De gty a 29.10.2016 às 23:46

"Estou há mais de 30 anos em Portugal"
Ah, bom assim percebe-se e desculpa-se que diga algumas barbaridades. 70% de analfabetos em Portugal em 1966? Em 1970 eram 25,7% (dados Pordata).
O "Dr." é apenas português? O Dr. dos licenciados médicos é comum na Europa e nos Estados Unidos. E, em todo o lado, de um modo mais diversificado, mais difuso e discreto, a educação universitária  (o que acontece é que não será de qualquer universidade) concede status e abre portas.
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De Anónimo a 30.10.2016 às 02:04

Parabéns pelo texto. Nunca é demais lembrar que qualquer semi-analfabeto de há meio século era mais instruído do que a grande maioria dos licenciados do presente. E mais, os daquele tempo não necessitavam de alardear conhecimentos ou mentir sobre as habilitações para concorrer a um emprego por mais humilde ou importante que fossse, porque, primeiro: os futuros patrões acreditavam nas provas curriculares que o candidato apresentasse e os motivos pelos quais desejava candaditar-se àquele emprego e segundo: nunca jamais em tempo algum no regime anterior a um candidato a um emprego  jamais lhe passaria pela cabeça mentir ou exagerar nas suas habilitaçõess académicas, qualquer que fosse o grau atingido.  Por favor! Para vergonha desta gentaça mentirosa e rasca deste regime, que ascendeu a cargos políticos à custa de aldrabar sobre as suas habilitações (e pior, se tal é possível, ter tido o encobrimento dos seus camaradas socialistas e de governantes em funções, a juntar a brutas cunhas desses mesmos políticos para lhe ser facilitado acesso a cargos governativos com ordenados milionários) e de mais tarde, após deixar os governos e em futuros empregos, poder atestar com a maior das latas ter integrado um governo ('socialista', é bom frisar este pormaior...) e perante um tão categorizado cargo desempenhado anteriormente, obter d'imediato  e sem mais aquelas o lugar pretendido.  Esta gentaça cretina e mentirosa que para aí anda a pavonear-se desde há anos como (falsos) engenheiros e doutores, etc.,  traduz o estado de podridão absoluta a que chegou este regime/sistema em todos os seus aspectos governativos e se lhe juntarmos o caso dos pseudo lincenciados nomeados para cargos de responsabilidade política, então a sua gravidade ultrapassou desde há muito o limite do mìnimamente aceitável e a única hipótese que lhe restaria seria a demissão em bloco e sujeitar-se a novas eleições. Isto, se estivéssemos a lidar com politicagem honesta, vertical e íntegra, o que decididamente não é o caso. 

Mas alguém mentalmente saudável e èticamente acima de qualquer suspeita, consegue sequer comparar este regime com o do Estado Novo em integridade, civismo e honestidade em todas as áreas da governação e inclusive à própria sociedade? Por amor de Deus!, não há comparação possível independentemente do ângulo pelo qual possa ser observado.
Maria
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De henrique pereira dos santos a 30.10.2016 às 07:41


Eu sei que não é o essencial do post, mas sugiro um salto aqui para verificar as taxas de analfabetismo: quando se deu a revolução não eram 70%, eram 30% os analfabetos.

E, na maioria, reflectiam a falta de acesso à escola pelo menos 40 anos antes (o acesso à escola não resolve o analfabetismo dos que têm mais de 15 anos, portanto a baixa acentuada do analfabetismo em Portugal deve-se ao acesso à escola propiciado pelo Estado Novo, mesmo depois da revolução que, isso sim, acentuou a democratização do acesso a níveis mais elevados de ensino).
http://www.pordata.pt/Portugal/Taxa+de+analfabetismo+segundo+os+Censos+total+e+por+sexo-2517
 
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De Alberto Martins a 30.10.2016 às 18:34


No início da década de 30 a taxa de analfabetismo andaria na ordem dos 90%. Em 1974 era aproximadamente de 35%. Houve uma recuperação de cerca de 60% em cerca de 4 décadas e meia. 
Embora a propaganda do regime vigente tente passar a ideia que o analfabetismo foi algo agravado durante o regime do Estado Novo.


Esta "coisa" dos "doutores" é uma saloíce pós-abrileira.
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De Alberto Martins a 31.10.2016 às 11:09

A intenção não foi lançar qualquer palpite. As taxas que "palpitei" foram obtidas na imprensa diária que considerei na altura credíveis. Mas agradeço ter efectuado a devida correcção. O quadro e a sua fonte não merece qualquer contestação.


De qualquer forma ainda reforça o ponto de vista principal que apresentei. Foi a forte recuperação do alfabetismo nessas quatro décadas e meia. E igualmente o crescimento exponencial da população alfabeta.
Resultados francamente superiores aos obtidos pelo actual regime nestas últimas quatro décadas.
 
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De Alberto Martins a 31.10.2016 às 11:38

A intenção não foi lançar qualquer palpite. As taxas que "palpitei" foram obtidas na imprensa diária que considerei na altura credíveis. Mas agradeço ter efectuado a devida correcção. O quadro e a sua fonte não merece qualquer contestação.


De qualquer forma ainda reforça o ponto de vista principal que apresentei. Foi a forte recuperação do alfabetismo nessas quatro décadas e meia. E igualmente o crescimento exponencial da população alfabeta.
Resultados francamente superiores aos obtidos pelo actual regime nestas últimas quatro décadas.
 

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