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Lisboa Arruinada: Rua Viriato (Picoas)

por Nuno Castelo-Branco, em 10.05.14

Obra a obra, Lisboa desaparece, a nossa capital entregue a mentecaptos, devoristas e fazedores de privativas vidinhas.

Este prédio será demolido e encontra-se num ainda aceitável estado de conservação. Situado na Rua Viriato nº 6 (Picoas), está à venda. Após uma breve conversa com alguém que conhece a situação e reside nas proximidades, parece garantida a demolição deste imóvel, visando-se a construção de mais um daqueles horrendos exemplares erguidos na mesma rua, cujo mau gosto e baixíssima qualidade de construção, garantem o destino que por ali se comprova: prédios novos e semi-abandonados, obras de especulação imobiliária a que a CML vergonhosamente se rendeu.  

Se a fachada corresponde ao discreto estilo dos prédios de rendimento da viragem do séc. XIX/XX, o hall é muito bonito. Um grande arco emoldurado por vidros artisticamente pintados, estuques, boas madeiras, pinturas murais e um belo candeeiro ao qual já faltam três tulipas, hoje possíveis de adquirir em algumas lojas que vendem cópias em vidro gravado.

Lisboa é uma cidade a saque. Não passa de mais uma presa de consecutivas vereações camarárias de todas as cores partidárias, cuja incompetência apenas pode ombrear com a cupidez, desleixo, negócios turvos, mau gosto e descaramento. Em Portugal age-se à vontade, à larga, pois a preservação e gestão do património é coisa que não interessa minimamente aos pés de gesso que controlam o Estado. O cartaz na fachada diz o que é necessário saber para confirmarmos o resto. 

 

 

 

 

Muito a propósito, Paulo Ferrero* elucida-nos acerca do que se está a passar numa outrora opulenta zona de Lisboa, precisamente aquelas transversais da Avenida da Liberdade, hoje alvos de uma depredação inimaginável. 

 

"Hoje, em plena discussão pública sobre a alteração da CML ao Plano de Urbanização da Avenida da Liberdade e Zona Envolvente - facto que decorre da classificação recente da zona da Avenida como de Interesse Público e das alterações legais havidas na reabilitação urbana -, é oportuno perspectivarmos o futuro da cidade a partir do que sucedeu ao primeiro bairro burguês (alto-burguês) nascido no pós-Avenida: o Bairro Barata Salgueiro, erguido nos terrenos de Antão Barata Salgueiro e que começou a ser urbanizado na última década e meia do século XIX.

O bairro compreendia então toda aquela zona íngreme que vai desde a Avenida, montes acima, até ao Rato e a São Mamede. Recorrendo ao Google, é fácil visualizá-lo: faz hoje fronteira, a nascente, no passeio que vai do Hotel Tivoli ao Marquês; a poente, com a Rua do Salitre, São Mamede e Rodrigo da Fonseca; a norte, com a Braamcamp; a sul, de novo com a hoje Barata Salgueiro e traseiras do Salitre.

A sua toponímia, salvo raras excepções, não engana ninguém, repleta que está de nomes sonantes do nosso liberalismo. O "mercado--alvo" - proprietários endinheirados, intelectuais, ligados às artes, uns, nobres, até, outros - recorreria a arquitectos, construtores e decoradores "topo de gama" (Ventura Terra, Norte Júnior, Nicola Bigaglia, Korrodi, Álvaro Machado, etc.) para fazer passar a "mensagem". E conseguiu. Os arruamentos, espaçosos e bem arborizados, foram sendo preenchidos por palacetes e distintos prédios de rendimento, formando uma unidade de conjunto digna de nota e louvor para o tempo, hoje infeliz e totalmente adulterada, perdida, na maior parte dos casos.

O edificado era ecléctico, de tom assumidamente afrancesado, com as suas fachadas de cantaria e ferro forjado, as suas mansardas, mas também, e muito, os seus interiores, sóbrios e distintos, com estuques, madeiras exóticas e belezas de pormenor, em grande parte "estado da arte". De cércea geralmente baixa, os seus poucos andares tinham no entanto um imenso pé-direito e imensas divisões, com luz a entrar por todo o lado. Alguns tinham logradouros, bem arborizados. Outros, casa para caseiro e cocheiras. Um bairro em tudo oposto ao Bairro Camões, por sinal, que nasceria do outro lado da Avenida, no sopé da agora celebrada Colina de Santana; mais atabalhoado, sem tanto sol e com muito menos espaço, direcionado à média e à baixa burguesias, no pré-Avenidas Novas de Ressano Garcia.

E assim foi existindo até há coisa de 35 anos (de permeio houve intervenções de nomeada em alguns palacetes, com adaptações modernistas, feitas por Cassiano Branco, entre outros, mas sem nunca se adulterar sobremaneira a unidade do conjunto), altura em que o bairro entrou em perda: perda no rendimento dos proprietários (paradigmática, a construção nos logradouros das moradias dos Carvalhos/Cinemateca e de Medeiros e Almeida, por ex.) e perda no número de moradores, o que aliado à venda sucessiva de palacetes e prédios de rendimento a imobiliárias (muitas delas estrangeiras), ao crescente estado de abandono do edificado, à crónica fraqueza de quem de direito não fez o que lhe competia - classificar o bairro e zelar pela observância dos regulamentos para a conservação de edifícios -, ao boom especulativo, às primeiras demolições para a construção de bancos (BNU, BES...) e hotéis (Hotel Altis à cabeça); levaria a que hoje o bairro esteja irreconhecível, sem graça, subjugado à omnipresença do automóvel (coitadas das olaias da Mou- zinho da Silveira...), de escritórios e serviços, e dos acrescentos espelhados, "cabeçudos", que encimam muitos dos prédios de antanho, coroando fachadas agora "para inglês ver" (Heron Castilho, Allianz, Hotel Vintage, etc.).

A coisa foi (e continua) imparável, a breve trecho não restará nada, a não ser, talvez, a frente de quarteirão da Alexandre Herculano e alguns bibelots. A outrora belíssima Rua Rosa Araújo, por ex., está transformada em montra-laboratório de pós-modernices, na qual alguns dos arquitectos de hoje se estão nas tintas (é esse o termo, desculpem) para os colegas de ontem, cedendo à tentação fácil do momento. Escândalos há como a destruição feita a prédio magnífico de Bigaglia; a destruição em marcha noutros dois prédios para mais um hotel; e as destruições anunciadas de uma moradia (Ventura Terra) e do melhor dos seus prédios, esquina com a Castilho.

E se foi assim com o bairro, a coisa replicou-se inexoravelmente nas Avenidas Novas. Não tarda muito a que se replique por Alvalade e arredores."

 

*Fundador do Fórum Cidadania Lx

 

publicado às 10:34







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