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Meias brancas de pano turco

por Nuno Castelo-Branco, em 23.07.14

 

Apesar do nome, a  CPLP não é apenas uma comunidade liguística. 

 

Aqui estão mais uns tantos preciosismos próprios das entradas e saídas dos embaixadores do Grande Siècle. Sem perucas empoadas, sem moscas cuidadosamente colocadas pelo rosto, sem bengalas de retorcidos castões encomendados em Paris, mas com as mesmas meias brancas - desta vez de pano turco substituindo a seda -, carnicões no nariz, pelo a saltar para fora do pavilhão auricular e dentes amarelos de broa.

 

Apesar do nome, a  CPLP não é apenas uma comunidade liguística. 

 

Para único e exclusivo consumo interno, parece ser este o caso dos amuos, surpresinhas e melindres que os media veiculam para contentamento dos pacóvios do actual regime. Tudo isto serve para preencher uns minutos de "tempos de antena de opinião pública" e algumas vozitas dos barbichas das indignações do "hoje há caracóis". As besteiras saídas da reaparecida boca de José Carlos de Vasconcelos - "a CPLP é uma comunidade linguística", quer acreditar este pobre diabo dos anos setenta! - sintetizam as demais. Ouvirmos o confortado João Soares indignar-se com ditadores, conhecendo-se as efusões com que sempre acolheu sobas que mandaram e à farta massacraram no antigo Ultramar, apenas confirma a excentricidade de toda a panóplia de magarefes das notícias. 

 

Apesar do nome, a  CPLP não é apenas uma comunidade liguística. 

 

Agora, consumado o facto da adesão da Guiné Equatorial à CPLP, os gnomos que regem as nossas vidinhas fixam-se em questões menores, resumindo-se o diplomático chilique a uma foto "antes do tempo" e a uma boliqueimada grosseria protagonizada pelo senhor Cavaco Silva. Pelo que a SIC está a proclamar, o presunto cavalheiro não aplaudiu o ingresso daquele país africano, consagrado na cerimónia. Apenas o "Chefe" do Estado português se eximiu à mais elementar e inócua cortesia. Enfim, é o que temos, esta gente que se beijocou e quis aparecer em fotos com Kadafi, condecorou Ceausescu com a Ordem de Santigo e Espada, elogiou o Gauleiter vermelho Honnecker, emperna com os Castro em todas as Cimeiras Ibero-Americanas, permitiu todo o tipo de dislates ao Samora, a Neto e Luís Cabral, bajulou Brezhnev e tantos outros. Já alguém ouviu Cavaco Silva admoestar os EUA quanto à existência da Pena de Morte, roubalheiras e negócios sujos em África, no Médio Oriente, na América latina, uso e abuso do nosso espaço áreo e outros factos que todos conhecemos? O que terá o belenense comensal dito ao presidente chinês aquando da sua visita? Falou-lhe nas inacreditáveis execuções públicas perpetradas em estádios de futebol, ou a EDP bem vale umas tantas valas comuns? Alguma vez puxou as orelhas ao embaixador dos aiatolás, fazendo-lhe advertências quanto aos enforcamentos em guindastes, lapidações e fuzilamentos a eito? A propósito da aplicação da sharia, terá Cavaco Silva recomendado a Paulo Portas umas conversas com os anfitriões sauditas?

 

Não vale a pena tentarem disfarçar o que sucedeu. Na CPLP, as decisões são tomadas por unanimidade, daí o pouco interesse prático das carinhas contristadas. Fez-se o que tinha de ser feito. Quem tem achincalhado Portugal, é o próprio regime em todas as etapas já percorridas. Ou será necessário lembrarmos as cantorias e hossanas em torno de gente que por disparate metropolitano, foi colocada no poder na maioria dos países  africanos de "expressão portuguesa"? 

 

A Commonwealth britânica tem o seu Mugabe - por mero acaso há uns tempos recebido em Lisboa -, enquanto os franceses pouco se ralam com o espantoso desfilar de títeres espalhados por toda a África central. Títeres que subornaram Giscard, compraram Mitterrand, traficaram com Chirac e que sempre contaram com a zelosa assistência militar de Sarkozy e do pudinesco Hollande. Nós, portugueses, somos especiais e assim há que escorraçar Obiang, ou melhor, a população que ele governa. 

 

Apesar do nome, a  CPLP não é apenas uma comunidade liguística. 

 

Como ontem muito bem disse o embaixador Martins da Cruz (TVI24, pelas 11 da noite), estamos entregues a paroquialismos. Nada que não se resolva com umas concessões de exploração de petróleo, compra de dívida pública, salvação de um ou dois bancos, venda de resorts turísticos e de condomínios de duvidoso luxo pladurado e iluminado a LED, contratos com as betoneiras do regime e outras habilidades cá do burgo. Como se lá fora - e cá dentro - não fosse bem conhecida a única e obsessiva natureza da república portuguesa...

 

Apesar do nome, a  CPLP não é apenas uma comunidade liguística. 

publicado às 11:26


5 comentários

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De Carlos a 24.07.2014 às 06:16

Por mim, como português, vejo no incrível caso da Guiné equatorial mais um sintoma da perda de prestígio de Portugal, ao sabor das negociatas dos aventaleiros. 


Quanto ao autor do post, parece defender a coerência na sordidez e o valor do mau exemplo: "Se todos roubam ou matam, porque não roubo ou mato  também?".  Parece que a resposta óbvia ( porque é imoral, porque é desonesto, porque é criminoso) não é a desejada. 
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De Nuno Castelo-Branco a 24.07.2014 às 08:56

A nossa história recente está pejada de casos incríveis e ainda hoje é impossível alguém responsável pela condução dos negócios públicos, dizer seja o que for acerca do tipo de regimes e de dirigentes que passaram a comandar em cada um dos países do antigo Ultramar. O Carlos tem a menor dúvida acerca do que se tem passado nos últimos 40 anos na Guiné-Bissau, Angola e Moçambique? 


Como acima dizia, se atendermos aos critérios de seriedade que aponta …"porque é imoral, porque é desonesto, porque é criminoso", nesse caso, a CPLP limitar-se-ia a Portugal, ao Brasil e a Cabo Verde. Se formos ainda mais exigentes, então seria preferível nada se ter feito, pois quanto à lisura de procedimentos na governação, nem mesmo Portugal e o Brasil podem gabar-se. 


A CPLP é uma oportunidade histórica, mais uma que nos é concedida, ou para agradar a muita gente, devida. 
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De Carlos a 24.07.2014 às 14:51

A cp"lp" não é oportunidade nenhuma. A oportunidade, como lhe chama, consiste, como é natural, na nossa história comum, em laços seculares, que não precisam de cplp's para nada - a não ser para alimentar alguns burocratas em roda livre.
Quanto ao resto, se o elemento agregador é a língua - e, inevitavelmente,  a exposição à cultura - portuguesas o que há a fazer é melhorar as condições dos países que o possuem e não considerar que se há coisas más, se lhes pode acrescentar outras piores. 



Tudo o mais - incluindo alguns insultos gratuitos, que, Portugal, apesar de tudo, não merece - é sintoma do triste estado em que nos encontramos, e de um triste ramalhete de políticos especialmente medíocres e de uma ignorância pouco comum - de Sócrates a Cavaco (que nem sabia quantos cantos tinha os Lusíadas)  e deste a Passos,  presas fácil para organizações discretas que entre grandes arquitectos e treslidas trovas do Bandarra estão a devastar o país e a porem-nos de cócoras perante interesses de potências estrangeiras.


Fazia-nos falta uma coisa muito velhinha, e em desuso, que se chamava vergonha na cara. 








 
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De Nuno Castelo-Branco a 25.07.2014 às 00:21

Caro Carlos, maior vergonha aconteceu-nos no dia em que se atreveram a "aderir" à então CEE em pleno Mosteiro dos Jerónimos. Aderiram a uma organização económica - que nos arruinou o país e enriqueceu uns tantos  sátrapas - e não atenderam ao que isso significaria para a nossa… economia. Atenderam apenas à segurança política do regime, ou seja, deles. Vendo bem as coisas, a CPLP é algo que já existia na mente de muita gente, pois nos anos sessenta e setenta sonhava-se com uma futura "Commonwelth" lusíada. O desejolá estava, não é um erro. Errado é sujeitar Portugal à inépcia da gente do regime. 
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De Carlos a 25.07.2014 às 01:14

Não misture assuntos. Afinal, a CEE existia antes de nós, coisa que com  a cp"lp" não podia acontecer: é, em grande parte uma criação nossa. 
Também convirá não confundir a cp"lp" com os fumos de fim de império do marcelismo e com reacendidos sebastianismos ( mas se querem uma commonwealth que a façam - a original nada tem a ver com a língua).  
Portugal foi gravemente  humilhado naquela agremiação. Se não percebe isso, se não sentiu que o que se passou foi e é intolerável, também não sou eu quem lho pode explicar numa caixa de comentários. 
Se se limita a querer fazer gestão de danos - do que para a esmagadora maioria dos portugueses foi uma desconsideração do seu Pais, lastimo-lhe a vocação. 

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