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Acompanhado por oficiais britânicos, é o quarto militar a contar da direita para a esquerda, na segunda fila. Sempre lhe conheci aqueles bigodes à Kaiser
Aconteceu há um século, num tempo cada vez mais distante do qual a memória colectiva portuguesa, desde sempre bastante ténue, apenas retém aquilo que dentro de portas as lendas familiares garantem ou o que os livros dos sucessivos regimes fazem difundir como verdades. Na prática, a participação portuguesa quer-se resumida à necessidade de defender o Ultramar em várias frentes, nisto se notabilizando o soldado Milhais. Ponto final, acabou a história.
Não se duvidando minimamente do esforço e extremado sacrifício individual, a participação de Portugal na I Guerra Mundial ter-se-á devido a vários factores entre os quais surge esmagador e prepotente, o desejo de legitimização internacional da casta política que meia dúzia antes tomara o poder na Rotunda, transmitindo a nova ordem de coisas por telégrafo a todo o país, então do Minho a Timor.
Já estabelecido em Moçambique numa data tão incerta como o seu alegado nome, José Silva, por vezes vagamente referia as suas origens na zona da Anadia e se a conversa porfiasse, diria também que a família produzia vinhos. Tudo muito enigmaticamente vago, dir-se-ia ter vindo ao mundo na segunda década do século XX, quando nascera muito antes, por altura do Ultimatum. Isto foi durante décadas um motivo para todo o tipo de elucubrações, umas mais fantásticas do que outras, mas todas tendo algumas certezas quanto à sua participação nos acontecimentos que levaram à proclamação do novo regime.
Participou na guerra levado na massa da mobilização geral, fosse ela oriunda da Metrópole ou nas parcelas coloniais e logo deixou Lourenço Marques integrado numa das expedições que recentemente chegara com armas e bagagens com o fito de rapidamente fazer boa figura, tomando o considerado não muito difícil alvo que era o então Tanganica germânico, território este já desde 1914 isolado de reabastecimentos e contudo nunca completamente submetido pelas forças britânicas que se adentraram naquele vasto espaço africano. Tremenda desilusão, pois apesar de todos os esforços, o Tanganica estava muito longe de ser um cenário bélico idêntico ao europeu, tanto na amplitude do espaço como nas condições gerais que condenaram contingentes inteiros à morte por doenças, abandono em postos no mato recôndito ou a mais descabelada inépcia dos comandos militares onde o desinteresse rapidamente se seguiu às atoardas marteladas pelos agentes políticos que compunham as expedições, sendo o representante do regime, o bem resguardado e iracundo governador Álvaro de Castro o cabeça de fila que sem sair de Lourenço Marques ordenava acções completamente desfasadas da realidade no terreno. Saneados liminarmente os oficiais tidos como thalassas que conheciam a verdade acerca do que era possível ou não realizar em África, a confiança política sobrepôs-se à competência militar e em consequência o desastre foi total, absoluto, passando rapidamente os teres e haveres dos militares portugueses a abastecer regularmente o esforço de guerra alemão sob o comando do brilhante oficial que foi von Lettow-Vorbeck.
O monumento à Grande Guerra
O bisavô recusava-se a falar da campanha propriamente dita, rosnando entre dentes todo o tipo de palavras que contradiziam as versões oficiais acerca dos acontecimentos e com isto, vindo o Armistício, para sempre se desligou da sorte do regime, continuando os seus afazeres profissionais pontilhados por esta ou aquela tomada de posição, a réstia da sua fidelidade, como a colaboração no erguer do palácio maçónico erguido na Av. 24 de Julho, então o mais imponente edifício do género existente em qualquer um dos territórios sob soberania portuguesa. Preferiu então dedicar-se totalmente às suas funções na Agrimensura da Câmara Municipal de Lourenço Marques, a ele se devendo as medições para o risco ortogonal da parte alta da capital moçambicana. Ali casaria com a minha bisavó que já nascera em Lourenço Marques na derradeira década do século XIX, em 1896.
Vivo ou morto nunca mais voltou à parcela europeia, considerando Moçambique como a sua terra. Por vezes, sentado na sua varanda que dava para a Baía do Espírito Santo, deixava soltar alguns comentários acerca da Situação, sem que jamais com esta tivesse comprometido aquilo por ele julgado como o mais certo, logo acrescentando ..."enquanto forem vivos os da minha geração, Salazar pode considerar-se seguro, o que antes dele sucedeu foi terrível, inesquecível". Não gostava do que significava a 2ª república, mas resignava-se à compreensão das razões da sua já então longa vigência.
No início da década de sessenta
Um dia anunciei-lhe a minha entrada na Escola Industrial Mouzinho de Albuquerque, já há muito estabelecida naquele palácio maçónico que ajudara a construir. A sua reacção foi típica, dizendo com um desabafo, ..."afinal o mono sempre teve alguma utilidade prática". Mais satisfeito ficaria se soubesse que ainda hoje a escola vai funcionando, realizando após o regime das promessas ocas e daquele que lhe sucedendo realizara o pretendido seguimento material, um bastante intermitente trabalho na formação de quadros.
Quando se aposentou no final da década de quarenta, no terreno que como recompensa pelos seus serviços recebera da Câmara Municipal de Lourenço Marques, construiu a casa na artéria que estoicamente homenageava um conhecido vulto republicano que ali arribara num misto de recompensa e pontapé para o alto. Ainda existe, hoje ocupada por outra gente que por vezes em quentes tardes de ciclone se refrescando na mesma varanda, nem sequer sabe que o antigo proprietário imitava Homem Cristo, dizendo que habitava na Cabrito Macho. Dito isto, o bisavô levava o polegar e o indicador a pressionar as narinas, num gesto que poucos compreendiam como directamente relacionado com a imorredoura fama de um homem escassamente dado a banhos.
Uma ainda relativamente recente foto da sua casa erguida na então R. Brito Camacho, Lourenço Marques
Não quis regressar à terra natal e morreu já depois da independência em 1975, em Lourenço Marques. Qual seria o seu verdadeiro nome?