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O texto de um médico chamado Gustavo Carona, publicado no jornal Público circula nas redes sociais como uma espécie de grito de alerta contra «as campanhas de desinformação, conspiração e negação» em tempo de pandemia. O artigo, intitulado, «Resistam à estupidez» é uma espécie de puxão de orelhas a quem se atreva a questionar a gravidade da situação.
Em tom paternalista diz-nos que «quando a vontade é muita, somos capazes de acreditar nas coisas mais estúpidas e inverosímeis». Tem razão. E tem-na de tal forma que, no início de 2020 havia médicos como o Dr. Gustavo Carona que acreditavam em coisas estúpidas como o facto de um vírus já conhecido e potencialmente perigoso como o que fazia tremer a China, 1.º nunca chegaria à Europa, 2.º se chegasse seria inofensivo, 3.º tendo chegado, não seria preciso máscara, etc., etc, de coisa estúpida e inverosímil, em coisa estúpida e inverosímil até hoje!
O Dr. Gustavo Carona, que administra uma página de facebook intitulada Gustavo Carona - Humanitarian Doctor, onde promove abundantemente o seu humanitarismo, rebate em cinco pontos (1.“A ciência aos cientistas”, 2.“Morrem mais pessoas de cancro!” 2“Dinheiro e Felicidade” 3“Avante, Fátima, Futebol e 4. Discotecas” 5. “Numerologistas”) a trupe de estúpidos que circula pelas redes sociais, semeando discórdia e falsos rumores, coisa que parece dever-se única a exclusivamente a gente mal informada ou sem formação.
Qualquer dos pontos é difícil de rebater, mas é sobretudo difícil passar do primeiro, que inicia assim:
«Eu não imagino que alguém se levante do seu lugar num avião a passar por uma tempestade e tente tirar os pilotos do cockpit: “Sai daí! Eu é que sei aterrar este AirBus 380 no meio desta tempestade”. É isto que estamos a presenciar. Doutorados em patetices a dizer que sabem mais do que toda a comunidade científica.»
Suspeito que a maior parte dos cientistas também não saberá pilotar um avião nem, portanto, arrogar-se a isso em pleno voo. Mas duvido que a comunidade científica, à frente da qual fala o Dr. Carona, se pronuncie a uma só voz na questão da pandemia. E mantendo a alegoria do avião, pressinto que se a pandemia fosse um boeing 747 que exigisse uma aterragem segura, dependendo da tal comunidade científica a esta altura não só o avião já teria caído, como certamente teria destroçado uma cidade bastante populosa, causando o maior número de vítimas possível, tal a evolução da pandemia.
O avanço deste vírus trouxe ao de cima o melhor e o pior da humanidade face a uma situação destas: há os que, se não morrerem da doença, morrem de medo; os ignorantes para quem o perigo não existe; e os que pura e simplesmente tiram partido do momento.
Os primeiros persignam-se, barricam-se, sofrem os horrores dos números de mortos e infectados que a comunicação social, com um prazer diabólico, debita todos os dias.
Os segundos vociferam contra a Nova Ordem Mundial, o Club Bilderberg, os Illuminatti e outras quejandas parvoíces com que Hollywood os alimenta. Uns não acreditam, são os tais «negacionistas», outros acusam poderes invisíveis e outros, ainda, acham que é um plano maquiavélico e à vista de todos para controlar a humanidade pela vacina que virá.
Entre os terceiros há os que acham que o Mundo está a purificar-se, outros que o confinamento foi uma época deliciosa de leitura, música, artes e culinária e ainda outros que acreditam que vai ficar tudo bem.
Nesta ausência de serenidade e equilíbrio é muito difícil ser-se sério ou objectivo. É muito difícil comparar este vírus com outros, pesando o seu verdadeiro perigo para a saúde pública em geral; é muito difícil acreditar em mensagens fiáveis, seguras, definitivas quando tantas antes delas, transmitidas pela comunidade científica foram o seu oposto; é muito difícil contribuir para um discussão ampla, aberta e franca, quando há tanto ruído.
Estamos todos no mesmo barco, esta é uma verdade, médicos e não médicos, cientistas e não cientistas. Não há lugar para teorias da conspiração, que o bom senso desconstrói facilmente com a imagem de um mundo paralisado há vários meses – qualquer conspiração perderia o controlo sobre este cenário.
Mas se, felizmente, deixámos para trás um tempo em que a superstição, o misticismo, a idolatria e o pietismo controlavam as mentes, não podemos achar bem que os sacerdotes de outrora, guardadores dos mistérios da religião, sejam substituídos pelos cientistas e pelo cientificismo.
Tudo pode ser questionado. Tudo deve ser questionado e escrutinado. Mais ainda a Ciência a quem a Humanidade deve a sua sobrevivência e o seu progresso, preciosos bens que várias vezes alguns os mesmos cientistas lhe roubaram. O Dr. Gustavo Carona diz que a ciência é para os cientistas e eu fico, em parte satisfeito com este aviso, pois há anos que me vejo confrontado pela apropriação do meu campo científico de investigação – a História- por não cientistas ou até mesmo por colegas de profissão do Dr. Carona.
Mas a arrogância da expressão não contribui para acalmar o tempo de crispação que se vive. Nem isso, nem o bloqueio nas redes sociais método que alguns colegas do Dr. Carona usam amiúde para silenciar opiniões divergentes. Também não será a atribuir rótulos como “negacionista” ou “fascista” que alguém fará valer o seu ponto de vista. Pelo menos dignamente. E nem sequer é preciso invocar a ética ou deontologia que tem andado arredada da boca e da escrita de muitos médicos .
Sem tolerância ou paciência creio que a Ciência só produzirá ignorantes sábios.