De FD a 26.03.2014 às 14:04
Existe um livro de um inglês residente em Portugal muito interessante. Chama-se "os portugueses". É um livro simples que nos leva a uma viagem sobre as nossas vitórias e desaires de uma perspectiva de quem nos conhece e vai conhecendo conforme o tempo vai passando. Nada do que está lá é novo, mas é uma boa forma de entender algumas coisas que aparentam óbvias, mas que juntando tudo nos dá uma ideia do que nos tornamos e de como não foi nenhum acaso o que nos aconteceu até agora. O autor curiosamente acaba por se "aportuguesar", mas isso já é uma opinião minha, o que tem o seu quê de ironia.
Isto para dizer que a falta de consciência e o messianismo do português comum está pouco saudavelmente de mãos dadas com o desenrascar, que na grande maioria dos casos faz por si e não pelo todo. Se o esquema, o favorzinho e a cunha são as únicas aparentes alternativas para o tal cidadão comum, é normal que as coisas raramente funcionem, pois são demasiados indivíduos contra a engrenagem que em qualquer outro país de sucesso estaria a funcionar na perfeição. Claro que a unica forma de se tentar controlar esta fuga constante à obrigação para consigo, com os outros e para com aqueles que este cidadão deve responsabilidades para depois exigir direitos, envolve regras, muitas regras, muitas leis, muita burocracia que depois terá efectivamente o efeito contrário ao pretendido. A solução? Mais esquemas e fugas, mais amigos no sitio certo, mas passar a perna aos impostos e ao Estado, aos cidadãos, a no fundo toda a sociedade que deveria esperar reciprocidade de todos para que funcione como um todo. Mas não o faz.
Num país onde isto está neste estado, é também normal que o produto-cidadão que daí advenha seja defeituoso, relutante, desconfiado, perante os cumprimentos, perante os outros, perante a "big picture" que é uma sociedade e a sua construção. O exemplo mais simples é o caso dos impostos, todos querem fugir mas espantam-se constantemente o porquê destes continuarem a aumentar. Não percebem que por cada acção sua há uma reacção oposta de quem (mesmo sendo seu par) tenta equilibrar uma equação à partida minada na fonte. Como se pode que a classe política esteja à altura dos desafios? Ou a empresarial? Ou (mais uma vez) o comum dos cidadãos na sua intereacção diária com os outros? Mais uma vez a falta de consciência impera. Para o cidadão "os outros" é que são ladrões, mafiosos, chico-espertos, não sequer equacionando que estes são o tal produto da "portugalidade" de que tanto se orgulham os portugueses, e que para estes mudarem de estilo tem de começar por algum lado, e não é com certeza lá em cima, pois outros virão para os substituir.