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Um indignado é aquele que demonstra indignação, isto é, um sentimento de fúria ou desprezo provocado por algo considerado ofensivo, injusto ou incorrecto. Ao indignado, segundo as correntes regras de vida, responderá sempre uma desculpa, um baixar de olhos, uma mão a bater no peito em sinal de arrependimento. E, logo de seguida, nova indignação.
Uma pesquisa rápida no Google por "indignação e redes sociais" indica-nos, só em língua portuguesa, 508.000 resultados, maioritariamente vindos de ligações de páginas de media ou similares, o que exclui desde logo toda a densa floresta que são as redes sociais. Tudo serve para a indignação transformada em desporto nacional. Da cadela de Maria João Bastos a casos de violação no Brasil; das afirmações de José Cid sobre trasmontanos numa entrevista de paródia aos escritos de Henrique Raposo sobre algarvios ou alentejanos; de José Rodrigues dos Santos à Marta Melro, que desconheço quem seja, mas que foi ontem alvo de uma "onda de indignação nas redes sociais" por ter chamado "anjinho" a um animal e que hoje já se veio mostrar "de luto pelos humanos".
A indignação, no mar de informação em que vivemos, não conhece distinções. A indignação contra a morte de um animal de estimação pode ser tão ou mais dura que a indignação causada por uma violação. Vargas Llosa tem razão quando diz que desapareceu uma instituição que, no passado, cumpria uma importante função na vida cultural e política: a crítica. Nas redes sociais, acarinhadas por um jornalismo preguiçoso, não há valoração de informação, não há uma distinção clara entre o essencial e o secundário.
A imprensa podia estar a desempenhar esse papel, mas, indolentemente, não está. Os jornais, instrumentos fundamentais ao exercício das liberdades, estão a alimentar uma sociedade onde impera a censura, já não pela mão do Estado, mas pela mão de cidadãos ávidos por um escândalo, desejosos de ter algo que defender com unhas e dentes, pouco tolerantes a opiniões diferentes. Pouco tolerantes, até, ao humor. Porque o humor ofende – e nós não temos capacidade para tolerar a ofensa – e a liberdade tem limites – e nós temos os nossos limites cada vez mais apertados.
Pavlov treinou cães para que estes salivassem sem comida por perto. Sempre que os cães eram alimentados, Pavlov tocava uma sineta. Com o tempo, os cães passaram a salivar só de ouvir a sineta, mesmo não tendo comida. Naturalmente, isto não significaria que os cães salivassem eternamente sempre que ouvissem uma sineta – o reflexo não é infinito. O que nós estamos a precisar, neste momento, é que parem de tocar a nossa sineta.