Saltar para: Post [1], Comentar [2], Pesquisa e Arquivos [3]




Porca miséria

por Samuel de Paiva Pires, em 17.06.14

Esta reportagem do Público tem provocado umas quantas reacções por aí. É um exercício que quase roça o caricatural e não deve ser confundido com o exercício sério de António Araújo. Mas quando leio a um dito liberal, em reacção à peça do Público, que "Um liberal, por tradição, deve rejeitar a tradição como argumento para o debate político, ou pelo menos relegar-lhe a importância que este merece: um estabilizador. A tradição não é necessariamente melhor ou pior. O seu único mérito foi sobreviver ao tempo, coisa que uma rocha também faz com especial primazia", percebo cada vez mais claramente a miséria intelectual que assola muitos dos liberais indígenas. Não se trata de mera opinião, mas de um erro clamoroso. Que se torna ainda mais grave quando, mais à frente, o mesmo autor refere que "Embora um liberal não partilhe do imaginário utilitarista de Stuart Mill ou não se identifique com Burke (...)."

 

Evidentemente, convinha averiguar o que liberais como Friedrich Hayek, Karl Popper, Edward Shils e Michael Polanyi pensavam sobre o conceito de tradição. Podem começar por aqui, ou por aqui, ou por aqui (o ensaio "Towards a Rational Theory of Tradition") ou ainda por aqui. E a respeito da não identificação do liberalismo com Burke, investigue-se o que pensava dele Adam Smith ou Hayek e as semelhanças entre este último e o parlamentar irlandês

 

Ademais, este recorrente exercício de "para um liberal é assim" e "para um liberal não pode ser assado", além de muito pouco liberal, já enjoa, e bastaria uma breve leitura de uma pequena obra de João Ricardo Catarino, O Liberalismo em Questão, para ficarem maravilhados com a pluralidade que caracteriza o liberalismo. Ou, para os que preferem estrangeiros, aquele também pequeno livro - é melhor recomendar obras pequenas e concisas - de John Gray, Liberalism. É que não há um liberalismo, mas vários. Conforme escreve José Adelino Maltez no tomo II da sua tese de doutoramento, Ensaio Sobre o Problema do Estado: 

 

"O liberalismo clássico desdobra-se em duas fundamentais vertentes: a do contrato social e a do conservadorismo evolucionista. O primeiro é radicalmente fundacionista, tende a ser utilitarista e cai na tentação da utopia; o segundo é consensualmente realista e marcadamente idealista. Ambos são normativistas e eticizantes, cada qual à sua maneira.

 

O problema talvez esteja no facto de haver um liberalismo que não sabe, nem quer saber, da economia, como o romantismo de Rousseau que, segundo Proudhon, «refere-se exclusivamente a direitos políticos: não reconhece os direitos económicos», ao passo que outros liberalismos, apenas pensam a economia, desdenhando da política."

 

Infelizmente, muitos liberais formados em economia continuam a protagonizar um certo analfabetismo intelectual. Os mesmos que, muitas vezes, clamam contra a ignorância sobre conceitos económicos básicos, pretendendo que quem não seja formado nessa magna ciência não emita opiniões sobre o funcionamento da economia. Também infelizmente, não aplicam um critério idêntico a eles próprios, pois que evitariam incorrer em disparates, acaso se coibissem de emitir opiniões sobre filosofia política, ciência política ou direito.

publicado às 12:54


Comentar:

Se preenchido, o e-mail é usado apenas para notificação de respostas.

Este blog tem comentários moderados.

Este blog optou por gravar os IPs de quem comenta os seus posts.







Arquivo

  1. 2024
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  14. 2023
  15. J
  16. F
  17. M
  18. A
  19. M
  20. J
  21. J
  22. A
  23. S
  24. O
  25. N
  26. D
  27. 2022
  28. J
  29. F
  30. M
  31. A
  32. M
  33. J
  34. J
  35. A
  36. S
  37. O
  38. N
  39. D
  40. 2021
  41. J
  42. F
  43. M
  44. A
  45. M
  46. J
  47. J
  48. A
  49. S
  50. O
  51. N
  52. D
  53. 2020
  54. J
  55. F
  56. M
  57. A
  58. M
  59. J
  60. J
  61. A
  62. S
  63. O
  64. N
  65. D
  66. 2019
  67. J
  68. F
  69. M
  70. A
  71. M
  72. J
  73. J
  74. A
  75. S
  76. O
  77. N
  78. D
  79. 2018
  80. J
  81. F
  82. M
  83. A
  84. M
  85. J
  86. J
  87. A
  88. S
  89. O
  90. N
  91. D
  92. 2017
  93. J
  94. F
  95. M
  96. A
  97. M
  98. J
  99. J
  100. A
  101. S
  102. O
  103. N
  104. D
  105. 2016
  106. J
  107. F
  108. M
  109. A
  110. M
  111. J
  112. J
  113. A
  114. S
  115. O
  116. N
  117. D
  118. 2015
  119. J
  120. F
  121. M
  122. A
  123. M
  124. J
  125. J
  126. A
  127. S
  128. O
  129. N
  130. D
  131. 2014
  132. J
  133. F
  134. M
  135. A
  136. M
  137. J
  138. J
  139. A
  140. S
  141. O
  142. N
  143. D
  144. 2013
  145. J
  146. F
  147. M
  148. A
  149. M
  150. J
  151. J
  152. A
  153. S
  154. O
  155. N
  156. D
  157. 2012
  158. J
  159. F
  160. M
  161. A
  162. M
  163. J
  164. J
  165. A
  166. S
  167. O
  168. N
  169. D
  170. 2011
  171. J
  172. F
  173. M
  174. A
  175. M
  176. J
  177. J
  178. A
  179. S
  180. O
  181. N
  182. D
  183. 2010
  184. J
  185. F
  186. M
  187. A
  188. M
  189. J
  190. J
  191. A
  192. S
  193. O
  194. N
  195. D
  196. 2009
  197. J
  198. F
  199. M
  200. A
  201. M
  202. J
  203. J
  204. A
  205. S
  206. O
  207. N
  208. D
  209. 2008
  210. J
  211. F
  212. M
  213. A
  214. M
  215. J
  216. J
  217. A
  218. S
  219. O
  220. N
  221. D
  222. 2007
  223. J
  224. F
  225. M
  226. A
  227. M
  228. J
  229. J
  230. A
  231. S
  232. O
  233. N
  234. D

Links

Estados protegidos

  •  
  • Estados amigos

  •  
  • Estados soberanos

  •  
  • Estados soberanos de outras línguas

  •  
  • Monarquia

  •  
  • Monarquia em outras línguas

  •  
  • Think tanks e organizações nacionais

  •  
  • Think tanks e organizações estrangeiros

  •  
  • Informação nacional

  •  
  • Informação internacional

  •  
  • Revistas


    subscrever feeds