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Porque não voto

por Nuno Castelo-Branco, em 21.01.16

 

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..."quando essas molas, deslocadas, se cruzam, se combatem e se embaraçam é preciso uma força que as restitua ao seu lugar. Esta força não pode estar em nenhuma destas molas, porque lhe serviria para destruir as outras. É preciso que esteja fora delas, que seja dalgum modo neutral para que a sua acção se aplique onde for necessário aplicar-se, e para que seja preservadora e reparadora sem ser hostil".

Não se trata de escrita de um qualquer perigoso e passadista intelectual do tradicionalismo, nem jamais o poderia ser. É da autoria de Benjamin Constant e dado o regime em que vivemos, permanece tão actual como quando foi vertida em letra de imprensa. Assim sendo, temos então a perfeita resposta às alegações de imparcialidade que vão espumosamente pontilhando consulados eivados de descarado favoritismo desde o alvorecer da actual situação de trinta anos em que Portugal sobrevive. Ninguém imagina um Poder Moderador e perfeitamente limitado por um dado texto constitucional a participar em ágapes sectários, planeando conspiratas de péssima literatura de cordel, favorecendo e mal escolhendo as intimidades com escusas personagens. É o que infelizmente temos assistido ao longo de demasiadas décadas - desde os tempos dos nossos bisavós - e o elemento transversal aos três regimes que a imposta presente fórmula já encerra. 

Relendo a obra D. Carlos (de Rui Ramos, um historiador que melhor faria em abandonar o jornalismo a pronto), eis alguns excertos que no presente momento convém  lembrar, num puxar da vossa imaginação ou descuidada leitura da imprensa, avivando-nos a memória acerca daquilo com que agora quase comparativa e diariamente deparamos. Recordemos então o famoso "escândalo dos adiantamentos" que serviu para um punhado de sediciosos demolirem o regime.

O sublinhado é meu:

"A popularidade sempre foi cara. Ora D. Carlos não tinha dinheiro.  As suas principais fontes de rendimento eram o subsídio do Estado (chamado como em Inglaterra a Lista Civil e as propriedades da sua família, a  chamada "Casa de Bragança". Por carta de lei de 28 de Junho de 1890, D. Carlos passara a receber a mesma Lista Civil que fora atribuída ao seu bisavô* D. João VI, em 1821: 365 contos por ano, isto é, um conto de réis por dia, para cobrir todas as despesas da Casa Real, dos empregados à manutenção dos palácios, viagens, etc. (...) Se tomarmos a despesa pública  como um sinal da riqueza do país, D. Carlos recebia um valor equivalente a cerca de um quinto  do que tinha sido concedido ao seu bisavô* . Além disso, todos os reis, desde D. Maria II, tinham abdicado de parte da Lista Civil para participarem no esforço de equilíbrio das contas públicas. Em 1890, D. Carlos cedeu 40 contos  à Grande Subscrição Nacional, e a partir de 1892, 73 contos por ano a favor do Estado - cerca de 20% da sua Lista Civil. O dinheiro para a monarquia  foi sempre encolhendo ao longo do século XIX. (...) A comparação com outros monarcas estrangeiros era humilhante. (...) 
A principal razão para a modéstia da dotação do rei de Portugal não estava na pobreza dos recursos do país, mas na cobardia e manha política de sucessivos governos, que tinham preferido recorrer a truques em vez de proporem frontalmente o aumento da Lista Civil. Para evitar a bancarrota do rei, os ministros decidiram adiantar-lhe dinheiro às escondidas. D. Carlos não tinha alternativa. A Casa de Bragança, quando a herdou, encontrava-se completamente endividada. A amortização de dois empréstimos, contraídos antes de 1889, um ao banco parisiense Comptoir National d'Escompte e outro ao Crédito Predial Português, deixavam ao rei não mais de quatro contos e quinhentos mil réis por ano. Era este o dinheiro do "bolso particular do rei": apenas duas vezes o que ganhava um ministro. (...) Foi então que recorreu ao expediente de exigir rendas pelos prédios da Casa Real usados pelo Estado, segundo tinha sido previsto na carta de lei de 16 de Julho de 1855, mas que o Estado nunca pagara. (...) As suas aflições de dinheiro e as da família real eram motivo de chacota nos cafés de Lisboa. (...) Embora fossem feitos pelos ministros sem consulta do parlamento, não eram exactamente ilegais. Em parte, porque, como notaram vários juristas, a carta de lei de 28 de Junho de 1890  não estabelecia o dia  em que devia ser feito o pagamento da dotação: o adiantamento de rendimentos era assim possível sem ofensa à lei. Os pagamentos seguiam os trâmites normais. O dinheiro era entregue pelo Banco de Portugal por ordem da Direcção-Geral da Tesouraria , segundo instruções do ministro da Fazenda, contra recibo. Tudo pôde, depois, ser documentado com despachos, ordens, vales e recibos. Em 1907, a Direcção-Geral da Tesouraria apurou que tinham sido feitos adiantamentos a D. Carlos no valor de 771 contos de réis. Para os liquidar, a Casa Real desistiu então dos prédios e terrenos arrendados ao Estado, no valor de 465 contos, e do Iate Amélia a favor do ministério da Marinha, no valor de 306 contos.  O relatório, de 31 de Março de 1911, inventou cerca de 5000 contos de adiantamentos, dos quais 3246 contos teriam sido feitos ao rei (...) Além disso, ter-se-iam gasto mais 3000 contos em obras nos palácios reais. A família real teria custado ao país cerca de 1000 contos por ano, o dobro dos 525 contos inscritos no orçamento. Mas para chegar a estes números, a comissão de responsável pela sindicância recorreu a todos os truques: incluiu, por exemplo, os 6 contos das despesas da aclamação, os 4 contos do funeral do imperador do Brasil e os 224 contos da recepção dos reis da Inglaterra e Espanha, uma despesa que já tinha sido assumida  pelo Estado por lei de 24 de Novembro de 1904. A fraude era tão descarada que a própria comissão a admitiu, ao reconhecer que contara com "algumas quantias que devem ser consideradas despesas de legítima representação do país", mas que não tinha "elementos para destrinçar até onde chega essa legitimidade"

Em suma, os bens privados da Casa de Bragança teriam servido para sustentar o próprio Estado da Monarquia Constitucional. Actualmente, se excluirmos alguns casos belenenses que têm discretamente surgido na imprensa especializada em teres e haveres, e imposto o silêncio que acicata ainda mais um certo deixa andar. 

 Feita a compilação da infestada mercearia que presentemente é aquilo mais interessa à esmagadora maioria assoberbada com casos arautados pela televisão - desde os Emáudio e Macau, às operações que envolvem nomes próximos de ciclones e titulares de outros tempos, até a acções obtidas fora de Bolsa - talvez guardadas em casos cujo registo alegadamente não consta nos gabinetes estatatais - e casos de pavilhões à beira Tejo passados para a posse de sociedades em que densíssimos genros surgem como que por encanto, ou à inacreditável chusma de ass(c)essores, gabinetes de apoio, enxames de moleques de toda a ordem que vampirescamente se contam às centenas -, façamos então a comparação com as estapafúrdias manigâncias políticas que Belém e os seus têm prodigalizado, tudo inventando para o esconder  de casos que se somam a outros tantos, numa voraz usura política por parte da cúspide do Estado e dando o péssimo exemplo às restantes instituições representativas. Soares, Sampaio e Cavaco talvez ficarão para memória futura, não por feitos que os sempre pressurosos áulicos aferram às suas excelsas personalidades, mas senão pelas tais contas de ábaco que debitam inimagináveis e bem escondidos ajustes directos, viagens com infindáveis comitivas ao Extremo Oriente - onde pululavam amigos de festa e quase nenhuns desculpabilizadores empresários desejosos de mostrar o que se fabrica em Portugal -, frotas de futura sucata de derradeiro berro num país em semi-ruína, uso e abuso de bastante pueris e escabrosos conúbios de fundo de salão atirados como pedrada política de intervenção junto do poder Executivo, total desprezo pelas atribuições do Legislativo com incompreensíveis dissoluções parlamentares como tempero da mistela, manipulação descarada do Judicial através de criteriosa escolha da magistratura e como epílogo, o facciosismo de casta como genérica pecha que resume aquilo que a presidência sempre foi e será.  

Numa bem presente entremeada de cavaleiros e cavaleiras da fortuna, alguns deles risíveis e babosos prestidigitadores sucedâneos dos PBX de outros tempos, escanções em provas de leite, treinadores de treinadores de treinadores de futebóis e outros casos facilmente olvidáveis, eis o lote de criaturas que nem sequer significam um decálogo a reter a curto prazo. São sem excepção, a mais cabal demonstração da completa desadequação de uma instituição a um Portugal que em vez de meia dúzia de gerações ou uns séculos contabilizáveis pelos dedos de uma mão, tem o miraculoso privilégio de ombrear com os mais antigos países da Terra.

A abstenção não ditada pelo desinteresse, é, num âmbito de um esquema capciosa e flagrantemente desenvolvido para não permitir a sua remoção pela vontade popular - que jamais foi consultada para aquilo que verdadeiramente interessa, desde a república de 1910 às golpadas anticlericais da 1ª república, da retorcida provocação e rapina naval que levou a Alemanha a declarar-nos guerra em 1916, ao 28 de Maio e instauração pelas espadas da 2ª república, até à adesão à OTAN e à pseudo-descolonização, do salvífico ingresso na CEE e logo a assinatura de cruz do Tratado de Maastricht, à hoje reconhecidamente desastrosa entrada para o Euro e patética assinatura de Schengen e do Tratado de Lisboa -, um acto perfeitamente legítimo para contornar a estúpida e prepotente  existência dos chamados Limites Materiais. Este articulado  constante no texto constitucional, nada mais significa senão um auto-reconhecimento da imposição do papel dirigente da vanguarda de uma minoria de iluminados pela luz eléctrica. Não estou para isso e consequentemente, creio que o melhor a fazer é retirar-lhes o máximo daquilo com que se empanturram: o voto.

Não voto, dedicarei o domingo a outros imprevistos afazeres.  


*D. João VI não era bisavô de D. Carlos I, foi um dos seus trisavós. 

publicado às 18:30


2 comentários

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De Anónimo a 21.01.2016 às 19:15

Acho que faz muito bem. Eu também não voto.


Repare-se na pouca vergonha dos candidatos dos partidos da "coligação", completamente sectários e colados a um governo que ficará na memória pelas piores razões. E depois há os candidatos "anti-sistema", mas que na prática são apoiados pelo PS debaixo da mesa. Um deles nem tem vergonha de dizer que trata o Costa por tu! Tão "anti-sistema" que ele é...
E finalmente, temos o candidato da "direita", um sonso que quer ser tudo para toda a gente, para ver se ganha legitimidade. 
É miserável! Bem o espelho deste regime decadente e corrupto.
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De XPoo a 23.01.2016 às 21:48

Ó Branco, pinte-se de preto

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