De Lionheart a 14.09.2014 às 22:26
O historiador Niall Ferguson tem hoje um comentário muito interessante no "Sunday Times" sobre a independência da Escócia. Sendo natural da Escócia, diz que pedirá a cidadania americana se a Escócia sair do Reino Unido. Sabe-se que muitos escoceses não se identificam com a Escócia provinciana, pequena de espírito, egoísta e intolerante que Salmond personifica. Num país pequeno, que depende em muito do governo regional, a "independência" só iria agravar as dependências e consequentemente a falta de alternativas. Só será bom para o SNP e seus afiliados. Os outros ficarão mais pobres e isolados.
Por falar em identificação com os Estados, pouca gente saberá que James Joyce, hoje um símbolo da Irlanda, recusou ser cidadão da República após a independência da Irlanda católica, tendo morrido um súbdito do Reino Unido por não se identificar com o peso da Igreja Católica na política irlandesa. E muitos escoceses que vivem fora da Escócia irão de certeza preterir da nacionalidade escocesa por não gostarem da política do SNP, mas disso os nacionalistas não falam. É só "vantagens". Tudo o que de bom existe na Escócia irá permanecer (mentira) e depois só advirão vantagens com a independência (outra mentira).
Tenho uma profunda antipatia por esse partido nacionalista escocês, daí que não tenha simpatia alguma pela "causa" escocesa. Não gosto porque defendem o desarmamento nuclear numa altura em que potências revisionistas procuram o armamento nuclear. Não gosto porque descriminam outros cidadãos do Reino Unido enquanto dão o voto a gente que mal fala inglês só porque vivem na Escócia. Não gosto porque querem sol na eira e chuva no nabal, mais autonomia com a Inglaterra a pagar. A Escócia "independente" sob o SNP não faz falta NENHUMA à Europa, e se por acaso os escoceses votarem Sim, desejo que esperem sentados pela adesão à UE. Juntem-se aos peixes.
Caro Lionheart,
Grato pela ampliação das questões respeitantes a este processo. Oferece sempre novas dimensões ao debate.
Cordialmente,
John
Poderia ainda ser mais incisivo, mas aquilo que o Lionheart diz é o suficiente.
" It is hard to imagine a more reluctant hegemon, a vibrant democracy under the rule of law, defended by a first-rate court, with very strong antibodies against authoritarian mischief."
Também me parece, há muito tempo. Contudo, isto não quer dizer que pura e simplesmente se mantenham apáticos, deixando a situação resvalar para o que vemos à sua volta. O mais evidente será o facto de a Alemanha hoje não possuir um exército que nem de longe se possa comparar àqueles que apresentava nos tempos em que a Prússia foi hegemónica na Europa central. Assim, face a uma França e a um R.U.muito bem armados, intervencionistas e nucleares, cai por terra o habitual argumento do perigo alemão, permanecendo contudo o arrgumento económico. Mas como foi essa preponderância construída? Temos a tendência para detectar um gene qualquer teutónico, sempre pronto a despertar os nossos terrores.
Se passarmos uma vista de olhos nos dados referentes à situação existente na França, Alemanha e R.U. quando Thatcher se tornou 1º ministro, tudo se torna mais claro. A Alemanha beneficiou do desarmamento que lhe foi imposto e que mais tarde, apesar da necessidade ocidental de contenção na "frente de Fulda", não levou os alemães ao levantamento de dilatados efectivos. Beneficiou também do legado que vem da revolução industrial e que deu primazia à tecnologia, aliás bem patente a partir do ponto de viragem na II GM. O espectáculo oferecido pelos produtos saídos das linhas de montagem organizadas e geridas por Speer, anunciavam aquilo que a NATO - e o Pacto de Varsóvia - acumulariam ao longo de décadas. É inegável, foram mesmo eles e nem por acaso a NATO recorreu aos bons ofícios do marechal Von Manstein, aprendendo como a contenção de uma grande potência militar terrestre pode ser executada.
Mais ainda, no campo da organização do trabalho, os alemães conseguiram a estabilidade e aquele sentido da realidade que muito nos falta mais a ocidente. O sistema partidário também vem da tradição do pré-1914, nele pontificando os social-democratas - o maior partido do Reichstag dos tempos de Guilherme II -, logo seguido dos "negros" - antigo centro e direita do Império - e dos liberais.A isto acrescentemos o Estado Social, também uma tradição desde a 1º unificação de 1871. Nos anos 80 emergiu o "revolucionário" partido Verde, curiosamente imbuído do espírito conservacionista da natureza muito propalado durante os anos… 30! O sistema é estável, os comunistas foram recauchutados e não parecem nada próximos do exercício do poder, enquanto os nacional-socialistas apenas elegeram UM deputado ao P.E., não contando com representação no edifício do Reichstag.
Na crise a leste, os alemães permanecem alinhados com a NATO, ou melhor, com os EUA, mas sem aquela excitação que vemos nos polacos, baltas e outros outrora pertencentes aos despojos pelo ocidente permitidos à URSS em 1944-45. Pode ser esta moderação criticável? Pode, habituados como estamos aos cheques em branco passados a quem porta o nosso necessário guarda-chuva. O problema é agora outro, pois desde Maastricht os europeus foram acordando para a realidade de um mundo que passou a existir anos antes, quando o Muro caiu. Para cúmulo, estamos muito melhor informados, sendo difíceis campanhas de intoxicação. Tornámos os europeus gente mais desconfiada e pouco disposta ao tudo ou nada.
Existe sempre alguma irritação quando por vezes ouso criticar o maximalismo desintegrador aplicado à Rússia pós-soviética. A verdade é que a cooperação ocidental foi escassa, não aproveitámos o que podia e devia ter sido feito no campo da aproximação económica após a "nossa vitória" sobre o sovietismo. Pior ainda, logo fomos - quando digo fomos, refiro-me à NATO - atingidos pela febre expansionista, até ultrapassando as fronteiras saídas do fim da aventura Trostky-Lenine aquando da guerra russo-polaca. Começámos a instalação de forte presença política e militar no Cáucaso e na Ásia central, ajudando a propaganda dos saudosos do regime caído e daqueles que a ele também tendo pertencido, agora voltavam-se para as jamais cortadas raízes da ortodoxia e pelo que se vê, dos tempos do czarismo. Aí estão.
Conheces perfeitamente todo o caminho feito pelos "liberais russos" dos tempos de Ieltsin, sendo também impossível teres esquecido a sobranceria - para não dizer total desprezo - com que foram "por nós" tratados. A Rússia jamais foi chamada a opinar acerca do caso Kuwait, Saddam, etc. Jamais, nem que fosse por mero pro forma.
De facto, a psicologia também faz parte do exercício da política, especialmente quando se trata de grandes potências. Estamos perante duas, a Alemanha e a Rússia. A primeira, sendo poderosa no espectro europeu que vai de Lisboa à fronteira russo polaca - a Bielorússia é coisa a prazo, histórica e logicamente - , não possui "massa crítica" que lhe permita ensejos mundiais. De facto, entre os quatro regimes que passaram pela Alemanha do século XX, o do Kaiser era o melhor colocado para este desígnio, apenas surgindo o contratempo da guerra quando nem ele próprio o desejava.
Se quiseres, continuaremos a falar nisto, mas noto no texto acima indicado, um claro aviso aos leitores acerca de factos que foram fundamentais para o mundo que agora temos: Versalhes, St. Germain e Triano. Não foram "Tratados", aí esteve o problema. Não, não, não, não foram. Qualquer comparação com aquilo que sucedeu após 1945, é impossível, pois os erros permaneceram a montante, uma geração antes.
Claro que alguém mais credível dizrá precisamente o mesmo, também acompanhado pela generalidade de historiadores não comprometidos pelo desenhar da história ao regalo desta ou daquela potência. Foi o que foi, o que se sabe e aquilo que a experiência dos nossos dias indica. Não há forma de remediá-la e aí está o problema primeiro. A U.E. quis ser a solução para isto? Quis e previsivelmente não conseguiu.
* A propósito, convinha mesmo que os decisores da política ocidental fossem avisando os nossos aliados polacos acerca da conveniência da manutenção de uma certa circunspecção. Se eles pensam que Szeczin, Kolobrzeg, Wroclaw (etc) para sempre deixaram de ser Stettin, Kolberg, ou Breslau, estão enganados. Resta-lhes zelar pela conveniência da estabilidade. Neste caso, convém-lhes uma certa proximidade a Berlim.
** A separação da Escócia ainda não é um dado adquirido. Lembro-me da enorme gritaria nos media ocidentais - desculpa-me, mas americanos acima de todos - quando do famoso referendo de regime na Austrália. Tranquilamente foram derrotados. Oxalá o mesmo se passe na escócia e por razões que muito nos interessam, na Catalunha.
Caro Nuno,
Nem preciso de agradecer o que é óbvio da sua parte - to dig deep into different considerations.
Um abraço,
John
De JPT a 15.09.2014 às 17:12
O Reino da Escócia é um estado há 1171 anos (Portugal, "apenas" há 871). Destes (e tirando dois curtos interregnos), passou os últimos 300 numa União voluntária com o Reino da Inglaterra. Sendo, segundo me parece, o princípio da auto-determinação inerente ao princípio democrático (salvo, bem entendido, se a auto-determinação for usada para violar esse princípio, como, por exemplo, a separação de 6 dos 32 condados da Irlanda para criar um Estado, previamente inexistente, onde a minoria protestante e anglófila pudesse ser maioritária), não percebo a hesitação em aceitar a expressão da vontade da população do Estado Escocês (que nunca deixou de existir) sobre a manutenção da União. Parece-me algo de profundamente evidente para um britânico e, que, a acontecer, será, no futuro, tão natural e pacífica como a existência separada da Irlanda.
Caro JPT,
Obrigado pelo seu comentário. Existe uma força irresistível humana que determina os moldes da sua configuração existencial. Se a Escócia "escolher" o seu caminho, o mesmo deverá ser respeitado.
Cordialmente,
John
De umBhalane a 18.09.2014 às 10:31
Assino por baixo.