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Hoje, um domingo em 2014, fui ao cinema ver um bom filme, interessante e provocador mas acessível q.b. para que num dia saudável a sala tivesse, pelo menos, recebido 1/3 da sua capacidade. Estava assim, como a foto ilustra.
E Portugal é isto, um país em quimioterapia constante, à espera da remissão com a cabeça na areia indeciso entre puxar das gónadas e morrer do mal, ou persistir em ficcionar um argumentário infantil - porque sem religião ("somos laicos") nem ética (abortamos de punho erguido) e quando os novos senhores que passámos a idolatrar - o Estado, a Instituição, o Ninho de Especialistas, a Incubadora de Salvações - nos abandonam, é isto que sobra: o Outro sozinho três filas mais adiante.
De regresso a casa, passei por muitas esplanadas, que nem estavam cheias, nem vazias. Em todas, porém, havia gente que ria, e outros que não riam. De entre os que não riam, percebia-se a ruína completa das suas faculdades anímicas. Pois se está um tempo tão bom, como não rir?
E nos que sorviam com a largesse que apenas os que muito e os que nada sabem podem exibir, havia um cisma. Porque alguns riam no timbre estugado de quem pretende chegar depressa ao copo cujo ordinal marca o fim do orçamento pré-estipulado, para poderem dali fugir e na reclusão carpir a diferença entre esta tarde e as de há tempos; e outros riam do próprio riso, numa espécie de acto bacteriano onde a vida de cada interveniente se mede em períodos tão curtos que só a colónia aparenta permanecer coesa à lupa do bom cientista.
Que estranhos dias, uma pessoa sair de casa e aperceber-se de que os conceitos de diversão, saúde e até de Vida ficaram reduzidos às patranhas - que ingenuamente, em moço, sempre pensei que não iludissem um cego, ai, um invisual - impingidas por socialistas de esquerda, centro, direita e nenhures, e que a resposta das massas é afinal a pergunta que não serve para nada: ó doutor, mas eu trato-me e fico curado?
Fica, fica. Esteja descansado. Vá para casa e faça a sua vida normal, como todos os dias.
Adenda às 17:10
Este poderia ser um post sobre amizades perdidas, que é como dizer, sobre a ligeireza com que as pessoas mudam. Por vezes por crerem que da mudança virá o alento, ou a paz, ou que mudando a luz do Sol deixará de ferir com tanta inclemência os olhos por detrás do vidro de marca.
Um post sobre quem deixa de procurar respostas no espelho, no silêncio e nas trevas, por medo ou por birra, e vai no seu encalço para a praia da moda, para dentro da turba néscia, para o copo mais caro no cubículo onde se é mais visto, et caetera ad nauseam.
Mas é um post sobre uma sala de cinema vazia, que é outra forma de ter pena, e raiva, que são dois lados da mesma moeda, pelo sentimento de repulsa que me causa pensar numa expressão outrora querida, e hoje esvaziada: ama o teu semelhante.
Cada vez há menos dos semelhantes que importam.