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Rentrée

por Fernando Melro dos Santos, em 19.09.16

Bom dia. 

 

O título em epígrafe é o nome que se dá, de uma forma geral, ao acto de reentrar. Mais particularmente, é também o período vagamente compreendido entre finais do mês de Agosto e as primeiras semanas de Setembro, término das "férias grandes" que nos países mediterrânicos correspondem por tradição ao aproveitamento do Estio.

 

Outrora, nos tempos de antanho em que eu, tenro petiz nascido em 1971, crescia num Portugal e numa Europa ainda viçosos de saúde industrial, cultural, e demográfica, era usual que com a rentrée se finasse concorrentemente a silly season, um intervalo de tempo grosso modo sobreposto às férias, e cujo espírito semelhante ao do Carnaval se pautava pela dedicação a frivolidades, notícias fúteis, e outras inconsequências normalmente circunscritas ao espaço mediático como o futebol, as nádegas de uma celebridade, os assaltos a vivendas vazias, presidentes da república a cavalo em tartarugas e toda uma pluralidade de festejos circenses com que as pessoas, alquebrantadas por meses de labor feroz, podiam desligar a mente antes do regresso à dura rotina.

 

Daquela parte ao tempo hodierno, porém, a silly season tornou-se perene; à dureza salutar dantes implícita no fim das férias, já é preciso olhar como se contempla outros arcaísmos lusos, a saber famílias com filhos, jovens sem animais de estimação, mercearias abertas, pessoas alfabetizadas, etc. numa lista infindável de saudosismos, certamente apodáveis de salazarentos pela estéril, mas progressista, cidadania do século XXI.

 

Rentrée descreve ainda, se traduzida à letra, a transição em que um objecto voador - a exemplo, uma cápsula espacial onde o escriba, qual alienígena ungido pela boa fortuna, possa ter passado meses fora desta aldeia mátria - vindo do cosmos, reingressa nas calotes amnióticas da atmosfera que envolve a nossa amada Terra. 

 

O que vê o escriba logo quando se depara com a atmosfera? Bom, não vê nada porque está tudo coberto de fumo, oriundo de florestas que ardem. Bombeiros voluntários, na sua maioria pessoas abnegadas e sem posses a quem é fornecido algum equipamento vetusto, defeituoso, incompleto e a principesca quantia de €1.88/h para que deixem as suas famílias rumo à contenção da desgraça, combatem as chamas ano após ano, morte após morte, ministra após bronzeada ministra e orçamento após sindicalizado orçamento. Vistas do reino uraniano, portanto, as coisas parecem continuar como sempre foram, o que para um alienígena indica que os autóctones devem estar contentes uma vez que estas duas vontades, a de ter um país que não arde e a de retribuir aos bombeiros o seu sacrifício, não parecem ocupar lugar cimeiro na sua lista de preocupações.

 

Seguindo o bólide na sua trajectória descendente, crianças e jovens, dos 5 aos 55 anos, reingressam também no ciclo lectivo. Manuais novos são editados em substituição dos anteriores, que estão frescos e pouco ou nada folheados mas cuja função escolarizante foi ditada obsoleta pelo planeador central em estrita colaboração com as editoras e sindicatos que compõem a manta social onde se realiza o eterno, feliz, ligeiro, fácil e moderno piquenique no qual se tornou o ensino, ferramenta essencial à contínua produção de iletrados, incapazes de ler uma notícia até ao fim e com espírito crítico, que por seu turno amadurecerão para se tornarem ferramentas cruciais à manutenção da apatia.

 

É de certa forma poético que o país tenha por Primeiro-Ministro um descendente de hindus, pois é kármica a situação tenebrosa que hoje formata, quotidianamente e minuto após maníaco-depressivo minuto, a cabeça dos estudantes portugueses. Senão vejamos: quem foi o obreiro mestre (não é o mesmo que mestre-de-obras) da degradação implacável que se abateu sobre a Escola? A quem devemos a profusão de professores ignaros, deprimidos e reduzidos a escriturários; de instalações sem dinheiro para tinteiros, mas construídas por empresas amigas do ambiente (e do ministro) por verdadeiros resgates de Creso; os curricula estupidificantes e ideologicamente anacrónicos? Ora, que vulto, que outra nova fantasia épico-molhada dos portuguesinhos, uma vez conquistada a baliza aos trinetos de Napoleão (nota-se muito que somos um povo anquilosado no ontem que foi e no amanhã que canta?) poderia ter feito eclodir a desintegração irreversível do saber e da sabedoria num país inteiro? Nenhum outro que o delicodoce, e absolutamente inútil, António Guterres, ora candidato ao assento cimeiro nas Nações Unidas. Se Guterres aparvalhou uns milhões de putos a partir de São Bento, imaginem o que não fará com a batuta da ONU. 

 

À medida que a cápsula desce, a contaminação do ar é notória: já não se consegue pensar com elevação sobre sacrifícios, abnegação, ensino e floresta. A atenção é avassalada por eflúvios cada vez mais nauseabundos. Mais abaixo, quase rente ao chão onde só há gente morta, detritos e vermes, um jornal outrora sério onde agora pontificam lunáticos militantes do PCP e histriónicas com falhas na medicação, dedica-se de edição inteira a aproveitar o facto de mais alguém, neste caso um Saraiva, ter escrito um livro sem valor para arrastar na lama, como se de um reality show inane e boçal ou de uma claque de futebol se tratasse, a imagem de um dos únicos políticos portugueses minimamente competentes, Pedro Passos Coelho - o outro é Adolfo Mesquita Nunes, mas essa história fica para depois.

O mesmo jornal, pela pena de uma das histriónicas, louvara em 2010 o lançamento de um livro de semelhante teor, levado à lombada por uma São José. O mesmo jornal publica diariamente com atraso, pela rama e pejadas de erros factuais, notícias que até poderiam ser importantes. O mesmo jornal, em 2009, não deixou de perpetrar sabe-se lá por que meios uma vendetta sobre um seu ex-director, Fernando Lima (corrido de lá por protesto da redacção, e depois feito assessor de comunicação do PR Cavaco Silva) conduzindo a um proto-golpe de Estado em que se falou de escutas ilegais, conluio entre polícias, urdiduras promíscuas na umbra do então Governo  e como se não bastasse, debitando ainda hoje, em 2016, novamente a propósito do lançamento de um livro redigido por Lima, artigos atrás de artigos na mesma senda agitadora à boa maneira comunista.

Talvez os únicos livros bons em Portugal sejam então, além do Testamento do Presidente Ho Chi Minh e das revelações escritas por lésbicas de esquerda, os manuais escolares aprovados pelo ministro sombra, dirigente da FenProf, e seus sequazes enquistados nas direcções regionais de educação e nas editoras. Tudo o resto é para conotar com a psicopatia, Salazar, o analfabetismo retrógrado e Satanás.

 

Disse há dias a uns amigos que o esquerdismo é o cancro da mente. Não pude escolher outra metáfora, por não ser uma doença estática, dado que evolui para refinamentos cada vez mais céleres - veja-se o caso de Camilo Mortágua, que roubava à laia de salteador, e da filha Mariana, que no espaço de uma geração sofisticou a coisa e pretende roubar por via institucional com o beneplácito e aplauso salivante das matilhas rendistas, ou seja, dos 70% da população que se alimentam do trabalho alheio.

É o ciclo de Kubler-Ross: o eleitorado está em negação, a Mortágua na fase da raiva, o PS em negociação e nós todos em depressão. Falta ver por quanto tempo a aceitação perdurará. 

 

A carta já vai longa e tenho bastante mais o que fazer. Obrigado pela atenção dispensada e Deus nos guarde que os maluquinhos tomaram, de vez, conta do asilo. Ainda virão o Orçamento, os refugiados, a chuva que não permite usar chinelos, o Trump, o serviço militar obrigatório e outra miríade de iterações do eterno retorno às chatices da vidinha, como se Portugal fosse uma versão curta e muda d'O Dia da Marmota onde nada nunca altera o estado das coisas. Mas para já era só. 

 

Bem hajam e cuidadinho lá fora. Leitura recomendada para acordar: esta entrevista maravilhosa de Arturo Pérez-Reverte.

 

publicado às 05:53


1 comentário

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De Ricardo a 19.09.2016 às 18:35

Entretanto em Nova Iorque juntou-se a elite política cá do burgo,mas qual “pântano” lusitano qual quê(os tugas que esperem sentados para os ditos representantes eleitos resolverem seus problemas),eles querem é “mamar” na “teta” internacionalista(é só fazer as contas).Aquihttp://expresso.sapo.pt/politica/2016-09-19-Marcelo-Sampaio-e-Guterres.-Um-trio-em-NY-a-procura-da-eleicao (http://expresso.sapo.pt/politica/2016-09-19-Marcelo-Sampaio-e-Guterres.-Um-trio-em-NY-a-procura-da-eleicao)

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