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Há uma década, durante uns dias algo se disse acerca do estranho roubo de jóias pertencentes à Coroa portuguesa. Peças inestimáveis pelo valor histórico, artistico e gemológico, eram testemunhos escondidos de outros tempos e de uma outra forma de organização do Estado.
Foi pago o valor do seguro acordado, uns míseros seis milhões de Euro que provavelmente, nem sequer cobrem o valor das pedras surripiadas por profissionais contando com a conivência de gente responsável pelo museu holandês, onde por infelicidade foram expostas. Surgiram petições, consecutivos programas televisivos, entrevistas a cicrano e beltrano? Não. Deu-se o caso de qualquer demissão por parte de quem autorizou a saída das peças? Não. Alguém despoletou qualquer processo para a averiguação de responsabilidades? Não me lembro. Porventura foi aventada a urgência da exposição permanente daqueles símbolos da realeza, uma forma das peças poderem ser apreciadas e valorizadas por portugueses e estrangeiros? Nunca ouvi um murmúrio acerca dessa óbvia necessidade. Pelo contrário, sempre que alguns exemplares da colecção surgiram em exposições no estrangeiro, por lá se levantou a razoável interrogação acerca das razões pelas quais as peças não eram mostradas em Portugal. Aliás, esta sugestão apresenta desde logo alguns inconvenientes, desde logo aquela incómoda e remota possibilidade de despertar ideias que de todo agradam à gente do actual esquema vigente. Em suma, durante alguns dias choramingaram à maneira do crocodilo e logo de imediato viraram as atenções para um adenovírus qualquer.
Anda por aí um tremendo berreiro a respeito da colecção Miró. Compreendo a justa indignação. Pelo que se diz, o valor atribuído às peças rondará os quarenta milhões de Euro, uma mísera gota de água naquele oceano de institucional roubalheira terceiro-republicana que foi o BPN, um perfeito símbolo do Estado que temos e do estado a que a nação portuguesa chegou.
Bem vistos os números e os factos, qualquer jackpotista do Euromilhões, por muito maguérre que seja, poderá adquirir as obras e num estalar de dedos converter-se-á num émulo do Sr. Joe Berardo. Vender as peças em leilão, consiste num disparate que em primeiro lugar prejudica quem autoriza tal coisa. A opinião pública mainstream anda sempre à cata de indignações, vistam-se elas de que roupagens forem e neste caso, umas dúzias de telas são motivo de regozijo para a jogatina política e correspondente preenchimento de telejornal. Ao mesmo tempo do apresentar desta decisão como ..."mais um crime lesa-pátria!", há quem desde logo coce a rotundona barriga e a inevitável barbicha, vendo assim confirmada a narrativa da direita estúpida, inculta, boçal. O pior é que quanto a este assunto dou-lhes razão, embora suspeite que no caso da decisão ter sido outra, as mesmíssimas vozes poderiam ter gritado "continua a roubalheira BPN, em vez de venderem activos que cubram uma parte do buraco, conservam as telas e optam pelo roubo de pensões". Seria assim, alguém duvida?
Pouco ou nada entendo de arte e muito menos ainda de mercados, leilões, trendysmo, instalações de ferragens, canned shit, tampaxes decorativos, tijolos empilhados ou vidros partidos. Muito a sério, apenas me parece que esta colecção Miró deveria ser aproveitada para exibição permanente em Portugal. Saiu-nos caríssima, tem um valor ínfimo quando comparada com o buracão financeiro em que o Estado voluntariamente se atolou e pasme-se, decerto fará as delícias de muita gente ansiosa por passar a considerar o catalão como um já-quase português de gema. Imaginem a possibilidade dominical de uma dona Judite de Sousa, risonhamente comentando o artista como ... "o mais português pintor espanhol! Teremos mirosistas profissionais para todos os gostos, capazes de fazer escancarar as espantadas bocas de quem nunca ouviu a estória do rei que ia nu. Talvez o Sr. Sócrates tenha algo de filosofal a acrescentar daqui a uns dias, até porque para alguns, é o tudólogo do momento: ..."ahuéra, Miró és él más pórtuguês pintór espánhuél!"
No meio desta balbúrdia, apenas os ingleses parecem ter tino. Se é certo consistir numa asneira a concentração de todas as peças no museu do Chiado - que nesse caso deveria denominar-se Museu Miró & Outros - , não existe qualquer dúvida de poder ser a colecção incluída no agora recorrente rol de produtos de valor acrescentado, enfim, num chamariz de turistas. Com um bocadinho de sorte, a EDP que já anda a erguer um "Centro Cultural" mesmo diante do persistentemente vazio novo Museu dos Coches, poderia ser persuadida a albergar a mostra.