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A Crise no Sudão do Sul I

por FR, em 19.12.13

À meia-noite de Domingo, ao som de rajadas de AK-47 e explosões de RPG, apareceram os primeiros sinais daquilo que quase todos no Sudão do Sul têm evitado admitir ser possível: um cenário de guerra civil.

 

Ainda há três semanas, em entrevista para a Antena1, eu referia com optimismo o facto de que uma gravíssima crise política que ocorrera dois meses antes, em que todos os ministérios do governo foram dissolvidos, não havia resultado numa escalada de violência no país, algo que muitos julgariam inevitável. Ontem à noite, ao telefone com o mesmo canal, tive de admitir que o entusiasmo de então se provara indesmentivelmente precoce.

 

Evitável ou não, foi precisamente um escalar de violência o que sucedeu, mas só três meses mais tarde. Domingo à noite, forças militares leais ao ex-Vice-Presidente Riek Machar, e essencialmente da tribo Nuer, apoderaram-se de dois depósitos de armas na capital do país, instalando o caos pela cidade. Quanto às motivações e intenções por detrás dos grupos armados muito se tem especulado, chegando até a colocar-se a possibilidade de esta situação ter-se gerado a partir de um mero, infeliz, mal-entendido. No entanto, a realidade é que a força de resistência ao governo está em marcha e, se a violência em Juba diminuiu substancialmente a partir de Quarta-feira, mais a Norte, na cidade de Bor, o exército leal ao Presidente Salva Kiir, de etnia Dinka, perdeu totalmente o controlo da situação.

 

Numa altura em que se receia que estes grupos possam marchar de Bor a Juba, invadindo e tomando a capital, está a concluir-se o processo de evacuação das embaixadas Americanas e Europeias, bem como de grande parte do pessoal civil residente em Juba. Juntando o útil ao agradável, muitos expatriados irão afinal ter a oportunidade de passar o Natal em casa, algo que decerto terá pesado nesse rápido processo de decisão para sair imediatamente do país.

 

Sendo que a Missão das Nações Unidas no Sudão do Sul não comunicou ainda qualquer intenção de evacuar sequer o seu pessoal não essencial, os próximos dias serão cruciais para poder perceber-se se esta situação irá transformar-se numa crise profunda, ou se o Presidente Salva Kiir terá a capacidade de gerir o problema, seja pela força ou pelo diálogo.

publicado às 11:37

Conferência de Berlim

por Nuno Castelo-Branco, em 23.09.13

Do nosso leitor José V., residente na Alemanha, um breve resumo deste documentário:

 

"No início dos anos 80 do século 19, o interesse europeu sobre África, um continente quase totalmente desconhecido até à altura, cresceu de forma acentuada. As novas ambições geopolíticas conduziram à chamada "Conferência da África Ocidental“, também conhecida por a Conferência do Congo que teve lugar no Palácio do Chanceler do Império em Berlim. Foi presidida pelo Chanceler Otto von Bismark e teve a presença de diplomatas, juízes e geógrafos de 14 países da Europa (oeste).


Durante três meses negoceiam o futuro de Africa, dividem o continente em zonas de influência e desenham/decidem “de maneira selvagem“(arbitrária?) as fronteiras. Isto tudo sem nunca estar um único africano presente na conferência que pudesse opinar ou tomar parte na discussão. A 26 de Fevereiro, depois de duras e difíceis negociações, deu-se a conferência por terminada. O documento final, conhecido por "Carta do Congo“, confirma (graças ao bom trabalho de lobby do Rei Belga Leopoldo II), a Independência do Congo (Congo Belga), sob o domínio da Bélgica. Para além disso, a bacia do Congo foi declarada neutral.


Esta carta/documento, (Carta do Congo), foi a base para a divisão de África em colónias e abriu assim um dos períodos mais "negros“ da História Mundial. As decisões tomadas na Conferência nunca foram jamais postas em causa e as fronteiras decididas na altura nunca foram mudadas até hoje. Não é por isso estranho que tanto antes como ainda hoje estas decisões sejam a razão de muitas guerras e conflitos na Nigéria, no Chade, Uganda ou Darfur no Sudão, na Costa do Marfim ou no Congo.


Não existem fotos da Conferência (nem filmes, simplesmente por que não existia cinema na época), mas somente alguns esboços feitos por pessoas da altura. Para o filme/documentação, foram encenadas as cenas/fases mais importantes da conferência. A encenação baseia-se/apoia-se em documentos originais de arquivos da época (não de domínio público) e das últimas descobertas de pesquisa colonial. Calmettes, o realizador deste filme, mostra com esta documentação uma imagem "negra/negativa/chocante do Poder" e interesses da história política e convida a pensar nos motivos dos "bastidores“ da colonização e das relações muito conflituosas entre a Europa ocidental (West Europa) e a África.

 

  Um abraço amigo,

 

  José"

publicado às 17:32

Da Terra dos Fur

por FR, em 08.09.13

Desde que comecei a abordar o tema do Sudão que tenho evitado falar na questão do Dar Fur, região alvo de quase tão grandes quanto justificadas repercussões mediáticas, especialmente a partir de meados da década de 90.

 

Hoje, numa altura em que a quota mediática para assuntos internacionais se quase esgota no tratamento de “The War Within”, parece-me urgente deixar aqui um breve comentário acerca do que se está a passar na terra dos Fur.

 

Antes de mais, convém deixar claro que a crise em que o Darfur está mergulhado assume proporções catastróficas e, apesar de ter perdido muito do mediatismo de outros anos, essencialmente pela fadiga causada por uma crise que dura há já demasiado tempo, não deixa por isso de ser uma situação dinâmica, onde tanto podem observar-se períodos de moderado optimismo, como se vê pouco tempo depois a situação deteriorar-se gravemente. Bref, o Darfur ameaça atingir o ponto mais crítico da sua história num espaço de poucos meses, talvez semanas.

 

Uma das razões que está na origem do acentuar desta crise é a decisão do governo de Cartum de proceder à substituição das organizações humanitárias internacionais que actuam no Darfur – incluindo as agências da ONU – por organizações nacionais. Esta estratégia foi delineada já em 2010, e materializada num documento intitulado “Nova Estratégia para o Darfur”, onde se dá particular relevo à ideia de que o estado de emergência humanitária teria chegado ao fim. Evidentemente não é o caso. Esta falsa premissa, no entanto, cria as bases necessárias para que o governo do Sudão possa proceder à remoção das agências humanitárias internacionais do terreno, o que, por sua vez, irá abrir as portas para que grupos militares do regime ou a ele afectos possam desenvolver uma acção devastadora sobre a população de forma totalmente impune, e com cada vez menor visibilidade internacional.

 

Note-se agora que um representante do governo declarou publicamente, no passado dia 21 de Agosto, que um dos objectivos de Cartum passa pela remoção de todo o pessoal das agências humanitárias internacionais da região de Darfur. São assim claramente visíveis, por um lado, várias consequências desta decisão, e por outro, as acções tomadas neste sentido, das quais passarei a enumerar apenas uma pequena parte, podendo considerar-se que estes exemplos constituem apenas a fracção de uma acção concertada que tem vindo a tomar proporções catastróficas.

 

Comecemos pela UNAMID, a Missão da ONU/UA para o Darfur. Torna-se cada vez mais evidente que esta missão se encontra em estado de progressivo colapso, revelando-se incapaz não só de proteger a população civil, mas também a si mesma enquanto missão, como se pode verificar pelo clima de insegurança cada vez maior em que vivem os civis e militares onusianos na região. Os ataques às escoltas da ONU têm vindo a tornar-se cada vez mais frequentes, e o número de mortos entre os capacetes azuis tem aumentado de forma preocupante nas últimas semanas. Mais de 50 soldados perderam a vida em resultado de ataques à UNAMID desde o início do seu mandato em 2008, e entre as vítimas destes ataques, contam-se também 47 mortes de pessoal de agências humanitárias, 139 feridos e 71 raptos.

 

E no entanto esses números parecem quase irrelevantes face à situação em que vive a população local. Contam-se nos últimos 15 anos mais de 2,000 bombardeamentos aéreos a civis já confirmados, e digo isto sem sequer entrar em especulações quanto ao número real de tais ataques. Mais de 350,000 deslocados internos (IDP) recebem apoio directo da American Refugee Committee só na zona do Darfur do Sul. Imagens de satélite revelam a devastação que resultou de um só ataque numa cidade do Darfur Central, em Abril deste ano, onde mais de 2,800 edifícios foram destruídos, e pelo menos 42 civis perderam a vida. De um conflicto tribal no Darfur do Norte que começou no início deste ano, resultaram quase imediatamente 300,000 novos IDP, muitos dos quais eventualmente cruzaram a fronteira para o Chade onde o apoio a refugiados é praticamente inexistente, e as condições de sobrevivência são ainda mais frágeis do que no Darfur.

 

Considerando o Sudão em toda a extensão do seu território, estima-se que quase 4,5 milhões de pessoas necessitem de apoio humanitário urgente; 1,4 milhões vivam em campos de refugiados; 1,8 milhões de crianças não possam ir à escola; que os níveis de subnutrição atinjam já os 16% da população; que mais de 5 milhões de pessoas não tenham acesso aos níveis mínimos de higiene.

 

Números aterradores?

E no entanto aqui estou eu, a poucos quilómetros da fronteira com o Darfur, a beber chá e a fumar cigarros à sombra de uma acácia ressequida, a escrevinhar num pequeno bloco de notas negras previsões de que crise está prestes a entrar numa fase ainda mais devastadora.

 

E resisto, contrariado, a fazer comparações com a justificação dada pelos Estados Unidos para iniciar uma intervenção em território Sírio.

publicado às 10:29

Associação de Amizade e Negócios Nigéria Portugal

por Samuel de Paiva Pires, em 19.07.13

Fundada em Setembro de 2012 na Embaixada da Nigéria em Lisboa, a Associação de Amizade & Negócios Nigéria Portugal conta já com diversos sócios de renome, nomeadamente empresas portuguesas e nigerianas como a SIBS INTERNATIONAL, a Novabase, a NIBSS - Nigeria Inter-Bank Settlement System e o Union Bank, tendo ainda como sócios honorários a Embaixadora da Nigéria em Portugal, o Embaixador de Portugal na Nigéria e o Governador-adjunto do Banco Central da Nigéria.

 

Tendo como principal propósito aproximar e desenvolver as relações entre os dois países, a associação tem como principais objectivos: a promoção do comércio e o apoio ao desenvolvimentos de relações comerciais, económicas, sociais e institucionais entre os dois países; o acompanhamento do processo de decisão dos poderes públicos no que concerne às relações entre os dois países; o desenvolvimento e promoção de projectos sociais, culturais e artísticos que promovam e disseminem os costumes e culturas de Portugal e da Nigéria; a promoção de redes de contactos entre os dois países; agir como mediador ou árbitro nos casos que lhe sejam submetidos.

 

Precisamente tendo em vista estes objectivos, realizou-se em Abril deste ano o Nigeria Day 2013, organizado em parceria com a Embaixada da Nigéria em Portugal e com a AICEP. Tratou-se de um evento onde estiveram presentes cerca de 15 empresas nigerianas e 60 portuguesas, constituído por um seminário que teve lugar na sede da AICEP e por reuniões bilaterais entre as diversas empresas. 

 

Poderão ficar a conhecer melhor a associação através do site em www.nigeriaportugal.org e contactar-nos para o e-mail samuel.pires@nigeriaportugal.org.

publicado às 11:55

A crise enquanto desígnio nacional

por Samuel de Paiva Pires, em 10.10.12

O Dragão, Naufrago, logo existo:

 

«No princípio dos anos oitenta, Portugal tinha acabado de fugir cobardemente de África e, após ensaios estonteantes de pardisíacos lestes, preparava a adesão desesperada à Eurapa. Resultado: bancarrota.
Trinta anos depois, amainada a cornucópia de fundos comunitários e várias orgias de crédito coalescente, Portugal está plenamente integrado na Europa... e novamente na bancarrota. 
Dir-se-ia, assim, que enquanto para os outros povos a bancarrota é uma calamidade, para os portugueses, em contrapartida, é uma mania. Pela via socialista, pela via capitalista, por outra via qualquer, inventada ou por inventar, hão-de lá ir sempre dar. Decorre alías, isto, dum facto muito evidente e fundamental: entre nós a crise não constitui precalço. Bem pelo contrário, constitui vício. Ou estamos nela ou a agenciar diligentemente pretextos para nela retouçarmos ou mergulharmos a pique. Tarda, pois, em se reconhecer o óbvio: ele há povos intrinsecamente masoquistas. Ou então é o que nos resta das Descobertas: a volúpia excitante do naufrágio. Como já não temos mais nada para descobrir, resta-nos naufragar a torto e a direito. Por tudo e mais alguma coisa.
Quiçá, aquilo que aos outros abate, a nós alimenta-nos.
PS: Mesmo a nossa já famosa e lambuzadíssima democracia, não se distingue a avantaja ela sobre todas as outras nesse primado  eloquente de ter por universal não o sufrágio, mas o naufrágio?...»

publicado às 21:43

Para que tenhas insónias

por Nuno Castelo-Branco, em 16.01.12

Atenção ao momento 1.10H, fala-se de Portugal e de uma certa África que bem conhecemos. Um filme de 1966 relatando aquilo que acontecia à época, sem sequer poderem os realizadores imaginar aqueles acontecimentos ainda mais esmagadores e sanguinolentos que no futuro ocorreriam na Etiópia, Somália, a escabrosa descolonização - e intermináveis guerras civis que se lhe seguiram - do antigo Ultramar português, o regime do sr. Mugabe, o calvário do Zaire-Congo, as matanças na antiga Costa da Guiné - Libéria, Costa do Marfim, Nigéria, os genocídios no Ruanda e no Sudão. Um sem fim de atrocidades bem caladas pela comunidade inetrnacional, presa na própria armadilha que há muito colocou no terreno. Este documentário é incómodo, quase indecente, apenas confirmando aquilo que todos sabemos: meio século de vergonha aceite como coisa natural.

publicado às 18:00

Uma volta pelo Congo

por FR, em 08.11.11

Em mês de eleições presidenciais na República Democrática do Congo, convido-os a uma pequena volta pelo país, olhando para algumas das notícias que marcaram a actualidade dos últimos dias. Uma síntese, tão ligeira quanto incompleta, que poderia retratar bem os últimos dias de qualquer dia, desde há incontáveis dias para este dia, de um país em guerra desde o princípio dos tempos, e que conta os seus mortos aos milhões.

 

FDLR – O grupo rebelde Hutu Ruandês FDLR (Forces Démocratiques pour la Libération du Rwanda) envolveu-se ontem em confrontos com as Forças Armadas Congolesas (FARDC), após um ataque dos primeiros a uma vila no Este do país. Destes confrontos, que duraram toda a noite de Sábado para Domingo, resultou a morte de pelo menos dois soldados Congoleses.

 

Promoções no Supremo – mais de 50 funcionários do Supremo Tribunal de Justiça receberam esta semana promoções de escalão para juízes, magistrados e conselheiros, respectivamente, por decrecto de Joseph Kabila, uma decisão que está a gerar alguma controvérsia dado o momento escolhido pelo Presidente, em plena campanha eleitoral.

 

RLTV – Depois de vários cortes pontuais nas últimas semanas, as transmissões da RLTV – estação de televisão ligada a um dos maiores partidos da opocição, o UDPS (Union pour la Démocratie et le Progrès Social) – foram novamente suspensas, após declarações do candidato às Presidenciais Etienne Tshisekedi.

 

Ruanda restitui 80T+ de minerais ao Congo – Mais de 80 toneladas de minerais preciosos foram esta semana devolvidos pelo Ruanda à RD Congo, tendo sido confiscados após terem atravessado a fronteira ilegalmente. Entre a mercadoria encontrava-se coltan, cassiterite e volframite, num valor de cerca de 10 milhões de dólares, numa estimativa minha. Agora ponha em perspectiva o facto de várias dezenas de camiões não atravessarem ilegalmente as fronteiras para o Ruanda e o Uganda todas as semanas carregados com minerais preciosos, e terá uma noção da importância que este tráfico que não existe assume no panorama político e bélico da região (e do mundo).

 

Cólera – Há vários meses que se instalou uma nova epidemia de cólera no país, sendo a região do Equador a zona mais preocupante, e onde, apenas nos últimos dias, se registaram mais 23 mortes devido a esta doença, propagada maioritariamente pela falta de higiéne e consumo de água contaminada.

 

Nyamuragira – Um dos vulcões mais activos do planeta, o Nyamuragira, perto de Goma – capital da província do Kivu Norte – entrou de novo em erupção no passado Domingo, estando o rio de lava a correr em direcção ao Parque Nacional de Virunga, um dos últimos santuários ainda existentes de gorilas ‘silverback’, e zona de vários conflictos tribais, nomeadamente envolvendo os refugiados hutus, cuja migração remonta ao período pós-guerra civil da vizinha Ruanda. As imagens do vulcão em erupção são impressionantes.

 

 

publicado às 18:53

Trágicas actualizações

por FR, em 08.07.11

Aparentemente pelas mesmas razões de há 3 meses, um avião da companhia Hewa Bora despenha-se na RD Congo. De acordo com a BBC, contam-se, até ao momento, pelo menos 40 vítimas mortais de um total de 112 tripulantes.

publicado às 17:47

Escola Industrial Mouzinho de Albuquerque

por Nuno Castelo-Branco, em 21.06.11

Era um grande edifício, impecavelmente mantido pelo Estado. Após finalizar a Escola Secundária na General Machado, inscrevi-me na Escola Industrial. Ali funcionava uma espécie de mini-sucursal da António Arroio e matriculei-me em Artes Decorativas. 

 

Tinha sido o Palácio Maçónico, mas após a queda do regime de 1910-26, foi-lhe atribuída uma função incomparavelmente mais útil, tornando-se numa casa aberta e dedicada à formação técnica dos jovens. Um edifício pintado de creme, com amplas salas de aula e que ocasionalmente sofria alguns percalços devido às fortes chuvadas que fustigavam Lourenço Marques. Assisti a várias inundações, por sinal bem frescas em dias de calor sufocante. Uma das minhas professoras seria a futura deputada do CDS Maria Tábita Soares, enquanto outra, um bocadinho autoritária e com cíclicas pulsões discriminatórias, era irmã do conhecido senhor Otelo S. de Carvalho. Nos tempos em que não apenas herdávamos os livros de estudo, também tive como professora de inglês, aquela que também dera aulas ao meu pai na época em que fora aluno no Liceu Salazar. Chamava-se Infância Vilares e foi uma velha e bondosa senhora de um patriotismo extremo, bem nos moldes oitocentistas que para sempre se foram. Para sempre também se perderam as belas arrufadas que ao lanche comia no café que se situava mesmo em frente, O Cortiço, na Avenida 24 de Julho.

 

Esta foto chegou hoje ao meu e-mail, enviada por um amigo que lá está em passeio. Tenho a estranha sensação de um certo abandono e quase garanto que esta deslavada  fachada não é pintada desde que pela última vez subi aquelas escadas em Junho de 1974. Mais acima, o frontão denuncia o "gato escondido de rabo de fora". O escudo português já picado, ainda mostra a marca do antigo proprietário. Nem se preocuparam em disfarçar. Antes assim.

publicado às 14:19

Casamento africano

por Nuno Castelo-Branco, em 16.05.11

Pedro Passos Coelho diz que se casou com África e que é o "mais africano de todos os candidatos". É claro que não é. Pois então, o que dizer de um que conheço demasiadamente bem e que não só nasceu em Moçambique, como também lá nasceram os pais - ambos -, a avó, a bisavó, todos os tios, tios-avós e primos?

 

Ainda há quem se recorde do Sr. Sá Carneiro dizer ao Comandante em Chefe das Forças Armadas Portuguesas em Moçambique, ..."o senhor é o comandante de tropas de ocupação de um território estrangeiro". 

 

As eleições não podem servir para tudo.

publicado às 00:19

Vou já reler o Tintim no Congo!

por Nuno Castelo-Branco, em 18.04.11

Atraso mental, estupidez, arrogância e provocação, é a reacção imediata que qualquer pessoa normal poderá ter perante este ridículo processo instaurado num Tribunal de Bruxelas. Na pretensa "capital da Europa", apela-se, ou melhor, exige-se a censura ou o proibir da exibição de Tintim no Congo nas prateleiras das livrarias. Nos anos 30, Hergé desenhou e escreveu a aventura africana  e noutros episódios - em Tintim na América, por exemplo, pululam gangsters e agiotas - gozou com aspectos que o europeu comum considerava então como caricatos.  Quem tenha lido todas as aventuras de Tintim, facilmente se aperceberá do apontar de todas as misérias humanas onde quer que elas se encontrem: o banqueiro pouco escrupuloso, o ditador patusco, o ladrãozinho de bairro, o burguês arrogante e preconceituoso, o doutor cheio de empáfia, o cavalheiro distinto, a cantora lírica e sumamente chata, o camponês explorado,o cigano marginalizado, o livre arbítrio colonial na Índia, o chinês condenado ao massacre e tantas, tantas outras personagens que faziam o mundo daquele tempo. Algumas delas ainda existem, estão entre nós e medram como nunca. O Sr. Mbutu acaba de se juntar ao rol.

 

As Aventuras de Tintim fizeram - e ainda fazem - a felicidade de milhões de crianças, hoje bem atentas a alguns aspectos desfazados da nossa época e tão perceptíveis, que uma simples chamada de atenção é suficiente. Foi precisamente o que os meus pais fizeram, quando aos seis anos aprendi a ler. Por sinal, o primeiro livro foi uma Aventura de Tintim, "O Segredo do Licorne".

 

O senhor Bienvenu Mbutu, um congolês residente na tolerante Bélgica, devia pensar duas ou três vezes antes de se decidir pelo dislate. Se seguíssemos as pulsões do queixoso, ergueríamos fogueiras até aos céus, onde não escapariam Bíblias, Corões, as Crónicas de Fernão Lopes, Os Lusíadas, a Peregrinação, o "Panorama de Lisboa no ano de 1796"de j.B.F. Carrère e todos os outros livros de viagens de estrangeiros a Portugal - William Beckford, por exemplo -, muitas obras de Camilo ou Eça, nem sequer escapando páginas e páginas de textos de Marx eivados do mais puro preconceito em relação a "populações inferiores" e destinadas à aniquilação. As livrarias e bibliotecas,  abarrotam de "obras preconceituosas" e capazes de nos esclarecerem, página por página, a história da evolução das mentalidades e o erguer  ou desabar de civilizações. 

 

O Sr. Mbutu podia estar mais preocupado com a deplorável imagem que a África independente apresenta. No seu país, teve um quase homónimo Mobutu como dono absolutíssimo, incomparavelmente mais poderoso e impiedoso gatuno, que todos os colonialistas flamengos somados. Por lá vinga a lei tribal, a morte anunciada do vizinho, a extorsão pura e simples.

 

Na Europa de hoje em dia, há quem queira proibir o toque de sinos, a difusão pública de música sacra e as procissões. Por "ofensa" à sua forma de ver o mundo, esta nossa parte do mundo, há que afirmá-lo.

 

É por isso que o Sr. Mbutu ousa. Está na horrenda Europa, claro. 

publicado às 13:10

Estão a ver esta rua, esta árvore, esta casa?

por Nuno Castelo-Branco, em 13.04.11

Era o 1208 da rua princesa Patrícia, hoje Salvador Allende. Em Lourenço Marques, hoje Maputo. Esta foto foi enviada por um amigo que por lá recentemente passou e não pude deixar de verificar a enorme diferença na fachada da modesta casa de uma família de "milionários colonial-fascistas"e principalmente, no inacreditável desleixo que a Câmara Municipal vota aos passeios e higiene urbana. A "minha árvore" está quase desenraizada, parecendo também querer fugir de uma terra que já nem parece ser a sua. Compreendo-a muito bem. Pelas fotos que aqui poderão ver, o sítio é o mesmo, mas o tempo, esse tempo que parece tão longínquo, remete-nos para uma outra dimensão. 

Uma Rua Princesa Patrícia limpa, de passeios iimpecáveis. A "minha árvore", bem fixa e hirta no seu canteiro. Eu, montado na bicicleta do Luís Marques Pinto (1º miúdo, à esquerda).

A casa, toda engradada, como agora convém

 

 

 

publicado às 22:00

Referendo no Sudão

por FR, em 14.01.11

Tendo vindo a seguir com muito interesse o referendo que tem decorrido desde Domingo no Sudão, onde se decide a possível secessão do Sudão do Sul, parece-me importante analisar paralelamente as várias implicações que este terá no contexto regional e mesmo global.

 

Para começar, a fortíssima ligação entre o Sudão do Sul e o Uganda não é mera coincidência. Para além das evidentes afinidades culturais, religiosas e étnicas entre os dois povos, também as relações comerciais entre as duas partes têm crescido exponencialmente com o desenvolvimento das estradas entre os dois países, ligando Juba (capital do provável novo estado) com o resto do mundo. É importante referir que isto só se tornou possível a partir da gradual pacificação do território, muito graças aos esforços conjuntos de combate ao insano movimento rebelde LRA (Lord’s Resistance Army), desenvolvidos de forma inédita entre o Sudão, o Uganda e a RD Congo, com o apoio da ONU.

 

Não é esta, no entanto, a questão que a muitos interessa discutir. Um segredo bem guardado durante vários anos tornou-se agora por demais evidente: as reservas de petróleo por explorar entre o Uganda e o Sudão são imensas. Só em termos comparativos, estima-se que o Uganda possa tornar-se brevemente o quinto maior produtor de petróleo de África, isto quando ainda sobra uma área geográfica significativa a ser explorada.

 

A entrada em cena de investidores Britânicos e Irlandeses em nada agradou a Khartoum que, de resto, já amávelmente havia colocado os seus serviços de expertise ao dispôr do seu vizinho, mas um Sudão do Sul independente acabará por bloquear totalmente o acesso de Khartoum a qualquer fatia do bolo. Assim sendo, o óleoduto a ser construido desde o Uganda a Mombassa serve potencialmente como futura alternativa para a saída do petróleo Sudanês, e será para Juba, nas negociações com Khartoum pela disputa de direitos sobre o petróleo, uma moeda muito forte.

 

Arrisca-se, portanto, o Sudão a ver a sua posição enfraquecida ao perder importantes fontes de receita, mantendo no entanto o total da sua dívida externa. Sendo que o Presidente al-Bashir já declarou que pretende avançar com a alteração da Constituição visando a adopção em pleno da lei Sharia, fazem-se já ouvir os receios de um aumento do extremismo Islâmico, e a potencial exploração para fins perversos do descontentamento da população, um pouco à semelhança do que acontece na Somália.

 

Torna-se assim imperativo que subsista o bom senso nos eventuais acordos de separação, processo para o qual é fundamental haver uma inteligente mediação da comunidade internacional. Um acordo justo implica não só a não condenação, a priori, do novo estado à falência, mas ao mesmo tempo evitar rebaixar o Sudão a actor secundário deste processo. Finalmente, é necessário que todos compreendam que o futuro não se fará sem concessões, e aqui falo essencialmente do incontornável perdão de alguma da dívida externa do país.

 

Para os interessados, outras considerações aqui e aqui.

publicado às 14:54

O medo sem vergonha

por Nuno Castelo-Branco, em 10.01.11

Estranho. O até agora maior país africano, está a viver o momento da fragmentação e nem uma palavra encontramos em jornais como o Público*, Expresso ou Diário de Notícias. Duzentos mil assassinados cristãos, dois milhões de refugiados em países vizinhos. Nada, nem sequer uma manifestação de repúdio, por mais elementar que seja, de uma realidade longínqua e que os europeus não querem conhecer. Se compararmos o caso desta região e do Darfur com aquele outro bem próximo de nós, o do Kosovo, a situação torna-se ainda mais evidente.

 

As razões para tal silêncio, são ostensivas. O Ocidente vive coagido pelo preconceito imposto por uma pretensa vanguarda intelectual da esquerda colaboracionista e já submetida a todas as exigências de um "multiculturalismo" cada vez mais monoreligioso. O Ocidente está aterrado pelo claro falhanço dos ciclónicos "Ventos da História" que liquidaram a África e que hoje obrigam a um referendo justiceiro e libertador do sul do Sudão. Em Portugal, a situação de estrabismo é ainda mais notória, existindo uma permanente censura a tudo que possa colocar em causa, os idos de 1974-75 e as camarilhas do poder.

 

O Ocidente tem medo, pois os Estados da U.E. escancararam as suas portas, prodigamente apascentando os cavalos de Tróia que agora tão temidos são. O Ocidente tem medo de Ahmadinedjad, tem medo do genocida Bashir, de Bin Laden, de Assad, do Hamas, das tâmaras, dos sagrados cameleiros virgens do Alá e das barbaças do imã de Finsbury Park. O Ocidente receia o choque petrolífero de uma bomba, mesmo que seja de carnaval. Em suma, tem medo e este abjecto pavor, consiste sobretudo, numa rejeição daquilo que somos.

 

Com esta gente a comandar a Europa, o Ocidente morrerá. De medo.

 

* Adenda: o Público acabou por decidir noticiar. Tardou, mas aqui está a notícia, acompanhada por um resumo da situação.

publicado às 09:08

Em África é assim...

por Pedro Quartin Graça, em 15.12.10

publicado às 19:51

"Memórias de Moçambique" (1)

por Nuno Castelo-Branco, em 13.09.10

"Em Movimento"

Existem preconceitos enraizados contra a presença portuguesa em África. Os velhos mitos das Minas do rei Salomão, são acompanhados por uns isolados casos de uma romântica "África Minha" e geralmente, de estorietas acerca de chibatas, sanzalas cheias de tombazanas à disposição do colono, vorazes tubarões à beira-mar, ou megalomanias que cantam o mantra de machambas tão vastas como os dois Alentejos juntos e um pedacinho da Andaluzia, agregado para a caça de elefantes tão altos como qualquer girafa de zoológico.

 

Se a ignorância e o descansado desinteresse pela pesquisa são bem conhecidos, a desinformação grassa, porque torna-se conveniente à manutenção de uma certa moralidade de situação, impedindo o abordar de tópicos incómodos. Curiosamente ou talvez não, aqueles que hoje governam os novos países de expressão portuguesa, são mais abertos em relação aos temas de um passado muito recente e bastas vezes conseguem ultrapassar as vicissitudes de outros tempos. Na realidade, a abordagem de um passado colonial no qual participaram, acaba por legitimar e consolidar os novos Estados e assim, não causa estranheza, a insistência na tentativa do uso extensivo do português, como língua que de imediato identifica uma nação em consolidação. Querem saber mais e olhar com um desapaixonado sentido crítico, para um período que findou há quase duas gerações, mas do qual foram intervenientes.

"Uma banja no mato"

 

Esta exposição serve para demonstrar o interesse que um tema tão esquecido, poderá ainda despertar . Num momento em que as autoridades de todos os governos da CPLP procuram reacender a chama da cooperação - desta vez sem favoritismos de anacronismos de Partido ou de regime -, urge demonstrar que da parte portuguesa, o interesse não se queda pelas transferências de dinheiro, tecnologia, bens de consumo e influência comercial. Para os africanos, sejam eles negros ou brancos, o desconhecimento da sua história, dos seus momentos de felicidade e de tristeza, dos seus costumes e da natureza que não se extingue em reportagens da National Geographic, consiste num problema que impede o seu acesso a um justo lugar no mundo. Não bastam as pedras do Vale do Nilo ou do Grande Zimbabué, para sintetizar em dois exemplos ao gosto euro-americano, aquilo que a África "devia ser". De facto, por ela estamos todos há muito fascinados e desde crianças temos os leões, elefantes, crocodilos ou antílopes, como referência daquilo que é o animal no seu estado selvagem, numa beleza inultrapassável pela fauna de outros continentes. É a África que os de longe imaginam, numa fronteira ténue entre o betão das cidades e a vida animal de uma savana sempre presente e que se imagina tentacular. Mas o que dizer então, daquela outra África que alguns retrataram microscopicamente através de grandes safaris fotográficos, entre os quais destacaria o maravilhoso contributo que Riefenstahl deixou com os seus nubas? Não serve afinal, para um certo aconchego das nossas mentes, sempre à procura do exótico mas refinado meio que uma comunidade pode despertar, sem que isso impeça o negligenciar de outras realidades, bem mais vastas e por isso mesmo comezinhas?

Alguém se lembra de actividades ancestrais como a pesca no Canal de Moçambique, onde um importante sector de actividade encontra a fonte de sustento num passado ancestral e pejado de conhecimentos que se perdem no desfiar do rosário de centúrias? De onde chegaram aqueles panos coloridos que de tão comuns, passam despercebidos, ou a elaborada joalharia de características únicas e que se vai perdendo com o passar do tempo, confinando-a à montra de uns tantos museus e coleccionadores privados? Não importará conhecer melhor aquela gente que bem distante está dos resorts do Bazaruto ou dos fins de semana na Gorongosa ou na Inhaca? O Portugal africano não foi também mais do que aquilo mostrado pelas velhas pedras imperiais da Ilha de Moçambique?

"O M'zingo sulcando o Zambeze"

Os barcos de pás que sulcando o grandioso Zambeze - nome mítico e que por si só, podia ter sido oferecido a um país - ligavam o interior de Moçambique à costa do Índico, ainda  existiam no tempo das nossas vidas. Onde estarão, o que lhes aconteceu? Há notícias da sua presença em alguns pontos de África e entre nós, alguns deles, ainda persistem em velhas fotos feitas por pais e avós, imortalizando-os em albuns de recordações.

"O Feiticeiro"

 

O que tem sido esquecido, é o incontornável factor humano, pois envolve emoções, onde a afectividade anda sempre irmanada pela injustiça, sacrifício, alegrias e tristezas. É disso mesmo que esta pequena exposição trata. Um olhar sobre um Moçambique que bem dentro de si, talvez ainda não tenha desaparecido. A imensa riqueza humana que se espalha em locais tão díspares como a Zambézia, Manica e Sofala ou o Sul do Save, onde as vestimentas, o som da música e a própria organização das gentes, não são "tudo a mesma coisa". Ninguém fala dessas comunidades e muito menos ainda, da sua convivência com a presença europeia naquilo que de positivo ou negativo possa ser apontado. São os eternos ignorados por quem apenas se ocupa da Cidade no seu sentido mais restrito.

"O Lobolo" (acordo nupcial)

 

Foi sem surpresa que verificámos uma genuína curiosidade, onde as dezenas de visitantes procuravam encontrar por si, as explicações para os quadros onde múltiplos aspectos da vida comunitária e familiar iam surgindo, numa sucessão que longe de mostrar exaustivamente uma realidade vivida pela autora - apenas 46 imagens, de uma colecção que quase roça as duas centenas -, oferece uma ideia daquilo que foi o derradeiro período da soberania portuguesa em Moçambique. Os portugueses estão preparados para conhecer o seu passado naquelas paragens, tão importante quanto foram os feitos dos grandes nomes imortalizados em estatuária heróica espalhada pelas nossas cidades. Se Debret deixou uma obra de divulgação do Brasil pré-independência, os portugueses e moçambicanos têm este "novo Debret", uma despretensiosa mulher que possui o profundo conhecimento da terra onde viveu e que para sempre amará. Os documentos não se guardam ou se deixam esquecidos para um futuro longínquo, ou pior ainda, à mercê dos acasos familiares. São um legado para Portugal.

Ana Maria e Tito Iglésias

 

Ana Maria e o neto Nuno Miguel

publicado às 12:16

O interesse nacional e os ditadores do momento.

por Nuno Castelo-Branco, em 28.07.08

Portugal parece ter despertado de uma longa e ruinosa letargia de mais de duas décadas e o governo tem recentemente mostrado um inusitado afã na promoção das empresas portuguesas no além-mar. Desde o fim do Império, o país habituou-se à miragem de uma Europa pródiga em dinheiros e possibilidades de enriquecimento fácil. A miragem era afinal nada mais que isso mesmo, esgotadas as ilusões de uma caminhada triunfal em direcção a um almejado Estado à imagem das "ominosas monarquias" do norte europeu, sempiterno modelo a seguir pelos iniciados nas coisas da política económico-social do defunto século XX.

 

A decepção avoluma-se há mais de uma década. O país não assistiu ao verdadeiro arranque dos prometidos "Silicon Valley" do extremo oeste peninsular. Portugal debalde esperou pela terminal-central de contentores que veria desembarcar as riquezas da infrene indústria de consumo chinesa. Fecharam fábricas de automóveis e de químicos. Liquidaram-se empresas vidreiras da época do despotismo esclarecido do josefismo-pombalino. O comércio com o antigo Ultramar estiolou numa exasperante inércia e as delegações do ICEP confirmaram aquilo o que delas sempre pensaram os portugueses interessados, isto é, a existência pela necessidade da presença meramente formal.

 

O regime encontrou uma fugaz válvula de escape no mercado espanhol, hipotecando a solvência do país à esperada constante do crescimento económico e financeiro do reino vizinho. Portugal encontra-se hoje mais dependente de uma só nação estrangeira, como jamais se verificou na sua história secular, nem mesmo quando dos piores momentos de ligação à Grã-Bretanha. É a verdade, simples, dura, implacável. 

 

Sócrates parece ter finalmente compreendido o dilema que desde sempre se colocou à simples existência de Portugal como Estado soberano, mesmo que essa soberania tenha que ser hoje encarada de uma forma distinta daquela a que a História nos habituou. A verdade é que a Europa existe por causa da visível sobrevivência das suas nações e dos seus Estados. É uma realidade indesmentivel e que tenderá - ao contrário daquilo que os arautos do federalismo procuraram fazer atroar de leste para oeste e de norte para sul - a vincar-se ao longo dos próximos anos. Os interesses são díspares e não é inimaginável concluir a divergência de interesses entre os componentes do chamado núcleo duro de "grandes potências" do tacitamente aceite Directório da UE.

 

As visitas governamentais e empresariais ao Brasil, Venezuela e Angola, incluem-se nessa frenética procura de salvação daquilo que realmente importa. Os investimentos em Espanha ou noutros países parceiros da União são decerto importantes, mas irrelevantes, se comparados com as economias em constante crescimento e potencialmente riquíssimas em termos de fornecimento de matérias primas e possibilidades de fixação de produtos portugueses. Os argumentos de índole meramente política e sentimental e ao sabor dos media de ocasião - os ditadores, a plutocracia reinante na China ou Angola, por exemplo -, são pertinentes, mas completamente irrelevantes em termos de solubilidade dessas próprias questões. Portugal, nada pode fazer, no que que respeita a uma intervenção nos assuntos internos daqueles Estados que surgem como potenciais clientes-fornecedores . Nada pode, nem deve procurar esse quimérico e perigoso poder de interferência. 

 

A oposição procura agitar a evidente acalmia política dos tempos de banhos de verão, apontando folclores exibicionistas e claras ligações perigosas. Contudo, chegou o tempo das oposições se conformarem a ser aquilo que a política lhes destina, isto é, a servirem de gabinetes de estudo e constante procura de soluções benéficas ao interesse de todos, do país. Durante décadas Portugal manteve relações normais com terríveis ditaduras como a russa, chinesa, norte-coreana, iraniana, de todo o antigo bloco-leste, o reino árabe saudita, iraquiana, líbia etc. Neste rol podemos também incluir a generalidade dos Estados saídos das independências de 1975. Nunca ninguém colocou objecções de consciência a tal tipo de tráfico diplomático, político e económico. Estranho é, agora num mundo em evolução acelerada e imprevisível, encontrar escolhos a colocar diante de oportunidades únicas. O relacionamento de Portugal, país democrático e com um regime relativamente estável, com outros Estados que não cumprem cabalmente aquilo que se considera ser apanágio da moderna civilização  ocidental, confirma a praxis normal de todos os parceiros da União Europeia, disso não tenhamos qualquer tipo de ilusões.

 

Sou um português não-europeu e isso evidencia-se por cem anos de permanência familiar em África. A Europa como realidade política continental, nada me diz, nem me interessa. A Europa serve-nos de enquadramento de uma história quase milenar e vejo-a em termos meramente funcionais. Enquanto valer, serve e apenas isso. O sacro egoísmo do interesse nacional deve manifestar-se como na generalidade dos países que connosco partilham a existência da UE. Disso não tenho qualquer tipo de dúvidas ou de hesitações meramente sentimentais. Portugal não reivindica qualquer tipo de aventuras territoriais no continente europeu e a sua história secular confirma-o. Sempre desprezámos e olhámos com mal disfarçado espanto, as constantes lutas de outrém, para a posse de uma "fronteira natural" no Reno, no Vístula, no Niémen ou do Dniéster. Com espanto e até com uma certa mofa, pois o Amazonas, o Congo ou o Zambeze, fazem empalidecer resquícios medievais e feudalizantes de territórios que pouco acrescentaram à garantia de preservação da existência dos contendores dessas insignificâncias.  O simples e bem evidente crescimento da lusofonia, prova a justeza de uma política secular de não comprometimento com as questiúnculas intestinas europeias. E assim deverá ser.

 

Portugal deve voltar aos seu ambiente histórico tradicional, isto é, a África, à América e à Ásia. A Europa é um mero complemento de status internacional,  de segurança e de enquadramento de um desejável modelo político e social, nada mais que isso. Parece que Sócrates compreendeu a insofismável realidade. No interesse de todos, no interesse de Portugal. E se no caminho tropeçarmos num ou outro déspota de momento, paciência. Vamos em frente.

publicado às 19:15






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