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Indecências fúnebres

por Nuno Castelo-Branco, em 09.12.13

 

O tema da semana reporta-nos às lutas de abutres ferozmente se debicando na disputa pelos despojos encontrados na savana. A morte física de Nelson Mandela trouxe um cortejo de indecências para todos os gostos, desde aqueles que apenas nele querem ver alguém que jamais tolerariam por significar um intransponível obstáculo aos seus delírios de exclusão, até a outros que apoucam o homem que centenas de milhar de portugueses gostariam de ter visto multiplicado pelo menos por cinco, cada um deles na respectiva parcela do luso Ultramar africano.

 

Para alguns dirigentes internacionais, a cerimónia fúnebre consistirá num longínquo mas obrigatório frete. Desembarcando numa África que apenas conhecem via Tintim no Congo, outros aproveitarão para os expectáveis encontros informais, estabelecendo contactos, gizando futuros negócios e quiçá delimitando novas frentes a ocupar pelos interesses. Não faltarão súbditos de Obama, oportunamente esquecidos dos ainda bem presentes anos sessenta, quando ao contrário da lei estabelecida em países como Angola e Moçambique, a situação no sul dos EUA não era assim tão distinta daquela que se vivia em Nelspruit, Komatipoort, Joanesburgo ou na Cidade do Cabo. Chegarão também delegações africanas, homenageando a memória de um homem que apesar de tudo o que se possa dizer dos seus companheiros que gizaram políticas de escondida mas nem por isso menos refinada nova segregação racial, representou o oposto daquilo a que se assiste desde as margens do Mediterrâneo até ao Cabo da Boa Esperança. Mugabe ousará apresentar-se nas exéquias, sentando-se lado a lado com representantes de países da U.E., dos EUA, da Índia que de Gandhi foi confiscada pela gente de Nehru? É provável. A China já exigiu a proibição da presença do Dalai Lama e isto sintetiza o demais, o acessório. Que relevância terá a presença ou a ausência do primeiro ministro checo, quando o homem do Tibete é excluído sem que a comunidade internacional ansiosa por aparecer na foto, saia em defesa do direito? Tudo isto é grotesco, ridículo. 

Em Portugal, a morte de Mandela não passa de um simples evento que bem serve a luta política, colocando-se a incendiada questão dos estaleiros numa prateleira onde se vão acumulando assuntos pendentes.

 

As relações internacionais jamais se resolveram com irados rebuços à roda de uma mesa onde se acumulam chávenas de café ou garrafas de cerveja. Pois é assim que alguns por cá as entendem, preferindo a retórica balofa, aos actos bem pensados que devem ditar o normal procedimento dos estados. No caso sul-africano e no que a Portugal dizia respeito, existiram múltiplos factores que aconselharam a adopção da prudência como única via para o lidar de uma situação sobre a qual não tínhamos o menor controlo. As guerras civis que imediatamente se seguiram ao catastrófico e apressado abandono dos dois mais importantes territórios ultramarinos nacionais, tiveram consequências terríveis para as populações vítimas de todo o tipo de reeducativos abusos perpetrados por iluminados pretensamente revolucionários. Imperaram as matanças indiscriminadas, a fome generalizou-se, volatilizaram-se os cuidados médicos básicos, a economia reduziu-se ao resíduo. Em suma, Angola e Moçambique caíram para os últimos lugares na lista de países com assento na AG da ONU. Pessimamente resolvido o Caso dos Retornados, a Portugal surgia então a hipótese do desencadear de um novo processo que tinha um potencial de violência incomensuravelmente superior. Ninguém desconhecia a presença de uma numerosa e influente comunidade portuguesa e luso-descendente na África ddo Sul e qualquer posição oficial do governo de Lisboa - fosse ele qual fosse - inevitavelmente teria em conta este dado incontornável. A verdade que os nossos escribas da gauche bem instalada não querem dizer, é que foi precisamente esse prático obstáculo à "luta armada" que possibilitou o advento do Mandela conciliador que conhecemos. Companhando os EUA e o Reino Unido, Portugal fez o que devia ser feito. A mensagem enviada pelo voto português na AG da ONU, foi antes do mais, um sinal aos nossos compatriotas que muito bem conheciam os ainda bem presentes desastres ocorridos em Angola e Moçambique. Devido à cegueira e preconceito dos seus carcereiros, Mandela cumprira um longo e penoso cativeiro e já nada poderia corrigir esse erro, essa prepotência. O que poderíamos então ter feito ou dito?

 

Por muitos artifícios que apresentem, os loucos da revolução sem fim, decerto sonhariam com uma queda de Pretória à imagem da tomada de Saigão, pouco importando qualquer orgia canibal que se lhe seguisse. Se o extermínio também atingisse portugueses, paciência, era mais uma brisa da estória, cumprindo-se o figurino julgado como único, aquela justeza de uma história invariavelmente injusta. No caso do jornalismo nacional, apenas se marca o calendário julgado atempado para o atingir de objectivos políticos internos. Tudo o mais não passa da mais rasteira e asquerosa hipocrisia do conhecido politicamente correcto. 

 

Estamos novamente num daqueles momentos em que devemos proceder com uma cautela equiparável àquela que felizmente os governos portugueses tiveram na década de oitenta e início dos anos noventa. A situação interna sul-africana é má, parecendo rapidamente caminhar para péssima. Os indicadores são negativos, a incompetência governamental não escapa à mínima análise crítica, por muito condescendente que esta possa ser. A liderança do ANC é bem conhecida pela ganância devorista, pouco se interessando em passar além da cada vez mais exacerbada retórica. Sabemos que o caminho Mugabe é sempre uma hipótese a considerar, distribuindo fartamente o odioso do descalabro para a responsabilidade de quem hoje se encontra com poucos meios de defesa. Há uns meses, uma quase despercebida reportagem publicada pelo Expresso mostrava ao mundo uma África do Sul jamais suspeitada, a dos brancos miseráveis e sem futuro, sem destino de acolhimento. O Soweto das canções mobilizadoras já tem émulos dos quais não conhecemos o nome. Daquele mega-bairro da lata apenas se diferenciando pela etnia dos despojados, estes novos ghetos talvez também podem contar com a presença de alguns luso-descendentes.  

 

Tenham as nossas autoridades bem presente a ameaça de um cataclismo racial na África do Sul. Estando a situação completamente fora de qualquer tipo de intervenção nacional, podemos contudo prever algumas situações bem possíveis de ocorrerem. Não se trata de querer ou não querer, pois o nosso país não poderá alhear-se deste problema e de pouco valerão protestos, moções ou votos nas Nações Unidas. Sobretudo, há que não prestar demasiada atenção aos patetas oportunistas que debitam inanidades nas colunas dos jornais. 

publicado às 10:38

Processo "Retornados" II

por Nuno Castelo-Branco, em 08.09.13

Aquilo que John Wolf aqui manifesta a propósito de um possível apelo a potenciais imigrantes, poderá ter imprevistos desenvolvimentos. Portugal poderá até receber um insuspeitado e numeroso contingente de salvadores do défice demográfico, repetindo uma outra chegada que ocorreu há perto de quarenta anos.

 

A situação na África do Sul é bastante diferente daquele idílico panorama arco-íris que os media insistem em apresentar como exclusivo. A violência urbana é espantosa e os sectores radicais do partido no poder reclamam pelo fim daquilo a que sugestiva e sintomaticamente designam de transição. Por outras palavras, pretendem a liquidação do processo de reconciliação nacional, a feliz solução que Mandela terá patrocinado. Os catastróficos acontecimentos verificados em todos os países fronteiriços da África do Sul, aconselhou a uma prudente rejeição do modelo "tudo ou nada" implementado em Moçambique e em Angola e numa apressada segunda fase do processo pós-independência, no Zimbabué-Rodésia. O resultado foi aquele que se previa e não merecerá a pena apresentarmos números que confirmam o desastre de norte a sul e de este a oeste. Estados fracassados e onde imperam os mais despóticos e  ineptos regimes cleptocráticos, apenas sobrevivem mercê dos importantes recursos que a natureza propicia. A África do Sul durante anos beneficiou do fluxo migratório de muitos daqueles que tendo vivido perto das suas fronteiras, neste país encontraram o destino final da sua permanência no continente. 

 

Quantos portugueses e luso-descendentes vivem no extremo sul de África? Os números são díspares, mas sem dúvida importantes e potencialmente aterradores para o Estado português. A situação interna tem evoluído negativamente. Os centros urbanos, outrora razoavelmente seguros, são pasto da mais violenta criminalidade imaginável e nas zonas rurais, o exemplo rodesiano também parece ter alastrado para sul, ocorrendo todo o tipo de abusos e depredações exercidas sobre fazendeiros brancos e respectivas propriedades. 

 

É desejável que tudo ocorra normalmente, evitando-se confrontos e êxodos, mas a realidade parece perpectivar algo de muito diferente. A incógnita do marco do cada vez mais próximo desaparecimento físico de Mandela, não se prende com esta ou aquela alteração nas instituições que conformam a África do Sul pós-apartheid, colocando-se já como uma certeza, a indesejável possibilidade da formalização de um racismo revanchista como norma. O afastamento dos brancos dos cargos públicos, o cerceamento dos direitos de representatividade que até hoje têm sido constitucionalmente garantidos, a expropriação extensiva da propriedade e a impunidade da violência a que os tribunais não podem dar a devida resposta, surgem como declaradas e bem sonoras reivindicações dos sucessores da geração de Mbeki.  O fim do mandato de Zuma, cuja escandalosa impreparação é demasiadamente evidente, poderá significar o liquidar do ansiosamente esperado sucesso da ainda muito recente sociedade multirracial. A insegurança fez disparar os índices de pobreza -  muitas fazendas foram abandonadas, o comércio e a indústria definham - e aquilo que outrora era apontado ao governo da minoria, pode hoje ser atribuído como disfarçada cópia às autoridades formalmente responsáveis pela manutenção da ordem nas ruas e nos locais de trabalho. Muita gente tem saído do país num silencioso e discreto processo de abandono, na Austrália e América procurando refazer a sua vida. Os portugueses, rotineiramente atingidos pela vaga de crimes, não serão excepção. Na sua maioria pretenderão permanecer em África e decerto acalentarão a esperança de um inverter da espiral a que têm assistido. Portugal terá todo o interesse de manter uma presença, digamos, física, naquelas paragens, colmatando a perda de influência abruptamente interrompida em 1975.

 

Moçambique é um país vizinho e onde uma certa calma - muito diferente daquela que existiu até 1974 - ainda poderá acalentar algumas ilusões quanto a um fazer de novo, um recomeçar. Neste caso, muitos portugueses possuem bens e aptidões capazes de trazerem o desenvolvimento a muitos sectores que estiolaram após 25 de Junho de 1975, mas o problema político, aliás confirmado pelos círculos próximos do partido no poder, apontam para um certo anti-portuguesismo que não se verificando de forma grave junto da população negra, é evidente em alguns órgãos da informação, habituais correias de transmissão do regime. Os insucessos da situação presente são sempre apontadas como responsabilidade do passado, também se obliterando aquilo que já existiu e terá desaparecido pela falta de quadros - escorraçados pelo regime implantado por S. Machel - e total desinteresse pela manutenção de serviços outrora considerados essenciais. A verdade é que no afã de garantirem privilégios jamais sonhados, as cúpulas dos poderes vigentes em quase todos os Estados sub-saharianos, têm sido coerentes nos extensivos esquemas de apropriação dos recursos, para isso eternizando-se no exercício da autoridade: Os Congos, o Gabão, a Guiné Equatorial, a Tanzânia, o Uganda, Ruanda e Burundi, a Zâmbia, Quénia, Malawi e Tanzânia, somam-se aos já apontados exemplos surgidos na década de setenta. 

 

Portugal deverá estar preparado para qualquer eventualidade, gizando atempados programas de emergência. Para isso, deverá estabelecer os necessários contactos com grupos organizados de luso-descendentes, também dotando a nossa representação com quadros capazes de estudarem os problemas que se apresentam, encontrando soluções para os mesmos.

 

Está-nos totalmente vedado o enfrentar de outra ignomínia como aquela ocorrida durante o PREC.

 

O portugueses da África do Sul são industriosos, muitos deles possuem recursos próprios e capazes de trazer claros benefícios à nossa economia e tão importante como isto, poderão oferecer alguma segurança à solvência do Estado Social e ao sempre sibilinamente mencionado défice demográfico. Há que atrair os investimentos, facilitar procedimentos legais - burocracia, impostos, justiça -, oferecer perspectivas de actividades empresariais e garantias de segurança.

 

Serão inevitáveis algumas alterações no mapa político português, quanto a este aspecto não existirão quaisquer dúvidas. Será este um dos maiores problemas, dado o que se sabe sobre o pendor caciquista da nossa política e a apropriação da mesma por bem conhecidos círculos que dela reivindicam o exclusivo exercício. Os agentes políticos nacionais que estão conscientes da realidade da situação da nossa comunidade na África do Sul, disto poderão ter algum receio, adiando indefinidamente os planos de contingência que parecem estar a tornar-se cada vez mais urgentes. Este é um perigo que o normalizado laxismo oportunista que tanto pesa sobre a tomada de decisões, poderá desastrosamente implicar a repetição de uma nova desgraça, neste caso, um Processo "Retornados" II. 

 

Há que estarmos preparados para o que poderá acontecer. A morte de Mandela será apenas uma simbólica abertura formal de uma potencial escalada mugabizante da política sul-africana. Os boer - hoje muito empobrecidos, marginalizados e alvos de uma violência como ainda há poucos anos jamais poderíamos prever -, encontram-se numa situação infinitamente mais perigosa que aquela reservada aos nossos concidadãos a quem Portugal não poderá deixar de prestar, no seu próprio interesse, uma total e competente assistência. 

 

O tempo urge. Não se trata de generosidade, mas sim de uma obrigação nacional. 

publicado às 09:29

No Cabo das Tormentas

por Nuno Castelo-Branco, em 19.06.13

 

Os brancos sul-africanos, nomeadamente os boers, durante décadas tiveram um comportamento absolutamente miserável para com a população "coloured" do país. Lembro-me que a pouco mais de um mês do 25 de Abril, regressando com os meus pais e irmãos de uma viagem a Joanesburgo, parámos em Nelspruit para reabastecer a viatura. Um enorme zulu de serviço à bomba, comentou, apontando para matrícula: "in Mozambique we are free". Foi este o tema para mais uma lição do nosso pai, fazendo-nos notar ser a África do Sul um país independente, enquanto Moçambique era um território sob a soberania de uma potência europeia. Os paradoxos não se ficavam por aí, estendendo-se os exemplos ao absurdo do Apartheid e aos seus mais visíveis e escandalosos aspectos: bancos, cinemas, restaurantes, casas de banho, transportes públicos, escolas e hospitais, enfim, um mundo que para nós era totalmente desconhecido, abjecto.

 

Sabemos no que tudo aquilo deu. Os sul-africanos foram recompensados com um príncipe em todos os sentidos que o termo encerra. Mandela sempre foi e ainda é, uma figura que paira sobre um mundo onde a reles vulgaridade impera despudoradamente. Foi ele, o doce castigo ministrado aos mais radicais boers: o perdão, a reconciliação, o estender do ramo de oliveira.

 

Pelo contrário e apesar de todos os discursos do Portugal multirracial e pluricontinental, dos textos escolares acerca dos casamentos mistos que fizeram a lenda de Albuquerque  e da infalível construção de outros Brasís - apesar de já não termos um D. João VI que nos valesse -, o que nos sucedeu? Por obra e graça da Capitulação de Lusaca, em vez de um tenuemente esboçado Mandela, tivemos um Moisés de águas turvas, de seu nome Samora. O resultado está à vista, aquém e além mar. O desastre económico, a brutal ditadura de todas as "reeducações", uma liminar limpeza étnica e um milhão de mortos em menos de vinte anos. 

 

Dito isto, o que se torna evidente nesta hora de ocaso de uma vida ímpar, é tudo aquilo que se tem passado desde que Mandela chegou, com todo o mérito - e esplendorosa sorte de milhões de sul-africanos - à presidência do país. A sua ex-mulher Winnie e a filharada, logo começaram a esvoaçar em círculos sobre a mesa do banquete, não dando meças à cupidez e a casos de polícia. Escândalos atrás de escândalos, crimes de sangue, o amealhar de milhões provenientes da chantagem, roubo e expropriação, o ataque aos donativos para "causas" e toda uma panóplia de atitudes difíceis de qualificar, tornaram-se no apanágio do novo poder instituído. O sr. Julius Malema, pequeno ditador da juventude do ANC - uma criatura brutal, bronca, execravelmente racista e de um devorismo sem limites -, apenas tem sido um dos frutos podres do imenso pomar de todo o tipo de ilegalidades, abusos, assassinatos em série e mentiras instituídas às custas do legado do Madiba. O pândego sr. Zuma, o actual Chefe do Estado, é um daqueles típicos exemplos a que aquela parte do mundo nos habituou, em nada fugindo ao padrão que em Mobutu encontra  um fácil e oportuno nome que o caracteriza, não esquecendo as variantes conhecidas por Idi Amin, Bokassa, Touré, Mugabe, Nguessu, etc. A lista é longa, imensa.

 

Mandela merecia melhor. Gente que apenas lhe é qualquer coisa devido a um comprovativo ditado pelo ADN, ameaça destruir muito de uma imagem que o mundo aprendeu a olhar como exemplo máximo da decência. 

publicado às 00:46

Uma deliciosa nota de rodapé

por Samuel de Paiva Pires, em 09.02.13

George Steiner, A Ideia de Europa:

 

«A minha mulher e eu tivemos o privilégio de sermos convidados por Nadine Gordimer para a sua bela casa na Cidade do Cabo durante os maus momentos, os momentos que antecederam a libertação. Ela convidou os chefes do ANC, do Movimento de Resistência Nacional, incluindo os chefes militares, para jantar. Os carros da Polícia estavam estacionados à porta e anotavam os nomes de todos os convidados, mas não tocaram em Nadine. Estava-se completamente seguro. Anotavam simplesmente quem chegava para o jantar. Em toda a minha vida, o meu dom principal tem sido uma falta de tacto assinalável – confesso-me culpado. Assim, perguntei finalmente àqueles três grandes chefes: «Ouçam, a ocupação pelas Waffen SS foi muito má: eles eram muito bons a ocupar. Mas, de tempos a tempos, matava-se um dos sacanas. Vocês não tocaram num homem branco. Nem um. Em Joanesburgo, os números são de treze para um. Na rua, basta fechar os braços para sufocar uma pessoa branca. Nem sequer é preciso ter armas. Treze para um. Que diabo se passa?» Um dos chefes do ANC disse: «Eu posso responder. Os cristãos têm os evangelhos, vocês, judeus, têm o Talmude, o Antigo Testamento, o Mishnah, os meus camaradas comunistas a esta mesa têm Das Kapital. Nós, negros, não temos nenhum livro.»

 

Foi um momento tremendo, para mim. A herança de Atenas a Jerusalém, de que temos um livro, de que temos vários livros. Aquela foi uma resposta avassaladoramente triste e persuasiva: «Não temos nenhum livro.»

publicado às 13:52

O desvanecimento do mito dos BRICS

por Samuel de Paiva Pires, em 02.11.12

Nos últimos anos, sempre que alguém me falou nos BRICS com entusiasmo, em particular no Brasil, que é aquele sobre o qual tenho mais conhecimento de causa, respondi que não tardaria muito para assistirmos ao desvanecimento do mito. Sobre o Brasil, basta estudar a História do país e da sua Política Externa para perceber que andam desde a Independência a correr atrás do mito de serem uma super-potência, quando nem mesmo regionalmente a sua liderança política pode ser considerada um facto incontestável. A isto, junte-se-lhe ainda um certo wishful thinking em torno do mito do declínio dos EUA. De resto, a teoria dos ciclos económicos também ajuda a perceber o que se tem passado e o que se passará. Este artigo dá conta do desvanecimento do mito dos BRICS e por isso mesmo recomenda-se a sua leitura.

publicado às 18:59



De todo o longo processo que o PRP desenvolveu no sentido da subversão do regime da Monarquia Constitucional, a questão da Aliança Luso-Britânica foi sempre um dos principais polos de virulenta propaganda. Mesmo antes dos acontecimentos decorrentes do Ultimato de 1890, os feros ataques ao predomínio da Inglaterra em Portugal, consistiram no eixo primordial da acção política, onde  um nacionalismo de laivos retintamente demagógicos, visava antes de tudo, mobilizar uma parte da facilmente excitável e ociosa população das duas principais cidades portuguesas.

 

Num período onde a expansão colonial atingiu o climax e ameaçou a Europa com a eclosão de uma guerra generalizada, Portugal conseguiu preservar  um relevante património colonial, objecto da cobiça dos novéis actores da cena internacional, como a Bélgica de Leopoldo II - a questão do Congo - e logo após a unificação de 1871, o II Reich do Kaiser Guilherme I e do chanceler Otto von Bismack.  A arbitragem a que Mac-Mahon foi chamado para decidir (1875) a posse do valioso território banhado pela baía do Espírito Santo (Lourenço Marques), deveria ter representado para a opinião pública nacional, num claro sinal demonstrativo da necessidade da manutenção de um firme apoio britânico à posse portuguesa dos estratégicos e potencialmente ricos territórios em África. De facto, Lourenço Marques era o porto natural do hinterland sul-africano e num ponto de partida da mão de obra destinada às minas do Rand. O desencadear da segunda Guerra Boer (1899-1902), valorizaria enormemente a área geográfica que os britânicos displicentemente designaram até à década de 30 do século XX, como Delagoa Bay.

 

Hoje é tema incontroverso, o acerto da reacção portuguesa perante o fait-acompli imposto por Londres com a nota diplomática de 1890, assim como a clara relevância da prudência dos conselhos proferidos pelo então recentemente aclamado rei D. Carlos I. Apenas o radicalismo publicista e a tonitruância oratória em S. Bento, impediram Portugal de assinar um primeiro Tratado que delimitava de forma definitiva e vantajosa, os territórios pertencentes às duas coroas e que de forma quase inesperada, reconhecia a livre navegação do Zambeze desde Angola - na sua nascente - até Moçambique, onde o caudaloso rio desagua no Índico. A agitação na rua e o furor nacionalista acicatado pelos chefes do muito minoritário mas activo PRP, ditaram o insucesso da rápida resolução da crise e consequentemente, o Tratado final conservou a posse portuguesa dos territórios que hoje conformam Angola e Moçambique, embora fizesse definitivamente desvanecer-se, a sonhada ligação do Atlântico à contra costa.

 

A política interna portuguesa continuou no caminho almejado pelas ambições das chefias partidárias e os dois grandes protagonistas do sistema do chamado Rotativismo, os Partidos Regenerador e Progressista, não hesitaram em servir-se dos republicanos como artifício de recurso para a luta  que acabou por minar a própria confiança num sistema que até há pouco parecia normalizado e intuído pela maioria da opinião, como consentâneo com aquilo que a civilizada Europa ocidental do ocaso do século XIX impunha.

 

Quando após a sua coroação,  Eduardo VII inicia a sua primeira visita ao exterior e escolhe Portugal como destino inaugural de um périplo que o levaria a Paris - no processo diplomático que conduziu à Entente Cordiale -, os chefes do PRP terão concluído acerca da urgência em modificar os postulados - que tradicionalmente sofriam uma influência fortemente federalista no sentido ibérico - do partido. O Reino Unido tornava-se uma vez mais, no árbitro decisivo da política europeia e no ordenamento das grandes alianças que firmariam os campos opostos num futuro, mas ainda longínquo conflito geral.  A chegada do inepto mas ambicioso Bernardino Machado às hostes republicanas, ofereceu uma oportunidade de aproximação aos interesses ingleses que antes de tudo, pretendiam a manutenção do status quo nacional no âmbito da Aliança Luso-Britânica que era essencial sob o ponto de vista de Londres, para a manutenção de vastos territórios ultramarinos, na órbita da sua esfera de interesses.  A própria posição de Portugal e dos arquipélagos atlânticos, confirmava a necessidade da prossecução desse estatuto de aliado preferencial, garantindo o porto de Lisboa e os pontos de apoio à navegação no Atlântico Norte. Simultaneamente, mitigava ímpetos germânicos e franceses, enquanto dentro do Império Britânico, consistia num travão aos sectores mais radicais da África do Sul - Ian Smuts seria um conhecido partidário da anexação do sul de Moçambique -, ainda recentemente saída da derrota diante dos casacas vermelhas da rainha Vitória.

 

O Crime do 1º de Fevereiro de 1908, não foi em si mesmo, o ponto decisivo para a viragem inglesa no que respeita às potencialidades oferecidas por um PRP que possivelmente tomaria o poder em Lisboa. O que se tornou evidente aos olhos do Foreign Office e do Palácio de Buckingham, foi a catastrófica cedência que significou a forçada demissão do forte governo reformista de João Franco, sinal irrefutável de rendição diante da subversão da legalidade constitucional. Decisão dramática e cega das consequências que implicava, para mais agravada pela ausência de um preparado e firme detentor da coroa portuguesa. O simultâneo desaparecimento do rei D. Carlos e do príncipe Luís Filipe, privou as Forças Armadas Portuguesas dos essenciais esteios capazes de concitar as necessárias fidelidades castrenses que mantivessem a legalidade e uma sempre esperada, mas relativa paz social que infundisse a confiança para o pleno funcionamento do Estado e das instituições que o conformavam.

 

O processo difícil, moroso - e por vezes humilhante pelas delongas  consecutivamente impostas por Londres - do reconhecimento da República Portuguesa, foi  o tema de um interessante e elucidativo estudo da autoria de Samuel de Paiva Pires que pela proximidade do Centenário, convém consultar. Este render do PRP e do seu regime à inevitabilidade da durante tantos anos odiada Aliança Luso-Britânica, conduziria a uma política da qual Portugal apenas conseguiria afastar-se nos anos 30. Mas então, o quadro internacional era muito diferente.

 

Nota: visite o site do Centenário da República e o dossier adstrito ao mesmo.

publicado às 18:16






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