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Tenho de pedir autorização especial à Direcção-Geral de Censura do Facebook e arredores para tecer algumas considerações sobre o fenómeno Salvador? Venho a medo para este espaço de expressão. Quando um país inteiro fica enfeitiçado pelas qualidades hipnóticas de uma receita, o melhor é ficar calado e submeter-me ao silêncio. Nada de mais errado. Tenho todo o direito de analisar a questão. Aliás, apetece-me cantar. Assistimos nos últimos tempos à diluição gasosa do conceito artístico. Nem sequer ouso referir o termo cultura para não ser remetido ao proselitismo sobranceiro. Quando no espaço de curtas semanas somos assaltados pelo terço gulliveriano de Joana Vasconcelos, os espelhos agigantados de José Pedro Croft e as qualidades híper-estetizadas do cantautor Sobral, no âmbito do seu sucesso semi-acabado no Festival Eurovisão da Canção, devemos ficar preocupados com a hierarquia de valores. A epidemia das artes revela traços agudos da era do vazio. Sem se dar conta, o eleitorado musical rende-se à forma pitoresca e à escala refugiada de um estilo que, mui francamente, já foi declamado vezes sem conta por precursores líricos. Existe um posicionamento ideológico assinalável no boneco gerado. Por um lado, no contexto da supressão do homem caído em desgraça material, Sobral aparece enquanto pastor dessa prece económica. Essa humildade vocal em conluio com a pequena poesia existencial remete o homem para a sua condição misericordiosa. Digo isto como analista cru e implacável, desprovido de sentimentos e noções oníricas - sou desumano. A imagem e o áudio geram empatia, compaixão, quiçá misericórdia. No entanto, devem ressalvar algumas das medidas de interpretação que partilho com semelhante equidistância em relação a outros virtuosos. Portugal tem talento para dar e vender, mas não sei se estes exemplos elevam ou honram a casa lusitana. Paira no ar um certo mistério de vendetta, como se houvesse necessidade de vingar humilhações anteriores. Para todos os efeitos práticos, a Eurovisão, é uma espécie de Comissão Europeia dos cambalachos musicais. Mete muita política, alguma melodia, mas raramente acrescenta valor às nações. Enquanto outros nomes portugueses conquistam salas de Ópera por esse mundo fora, os peregrinos rendem-se à sugestão de uma sombra de Brel, ou como alguém disse - e passo a distorcer -, à magia de um Tim Burton em forma de Salvador, voz de ternuras. Se isto enche por completo as medidas de um povo, significa que os milagres e as aparições continuam válidos, eternos. Não tenho razão. Mas tenho direito a desafinar.
Durante imensos anos fui quase um "cadeira residente" dos espectáculos do S. Carlos e tal como aconteceu a muitíssima gente, deixei de frequentar essa sala, um luxo há muito perdido noutra dimensão. Esta tarde lá estive para assistir a um concerto. Digo concerto, pois parece-me que a correcta designação da Gioconda que ali se apresentou, corresponde mais a este modelo. Sem o fausto próprio da ópera, valeram as interpretações dos cabeças de cartaz, do coro e da magnífica orquestra.
Que maravilhosa casa é o São Carlos. Ouros de outros tempos, uma patine irrepetível de eras de bom gosto e onde as instituições zelavam pela sua imagem e legado aos vindouros. Este é um sector onde por razões óbvias, não deveria existir margem para cortes. O ouro jamais embacia.
Recondita armonia
Di belleze diverse.
«Tosca » - Puccini
Maria Callas ( 2 Dezembro 1923-16 Setembro 1977 )
Casta Diva- Norma; Bellini
Madame Butterfly-Giacomo Puccini