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Já toda a gente viu as notícias, dos protestos, do novo Secretário-Geral da NATO, da entrada da Croácia e Albânia na Aliança, do reforço do dispositivo militar no Afeganistão, da reentrada da França no Comando Militar, pelo que não tenho muito a contar. Tive a felicidade de poder estar a representar Portugal num evento extremamente bem organizado, a Young Atlanticist Summit, onde contactámos de perto com alguns dos policy e decision makers da NATO, bem como personalidades no mínimo controversas, como é o caso do extremamente arrogante e intolerante Bernard-Henry Lévi que, para alegado intelectual, deixa muito a desejar.
Quanto a Obama, estava lá no estádio, e de tão excitado que estava com a histeria colectiva dos presentes, adormeci pouco antes da chegada do homem mais poderoso do mundo. Mais parecia a campanha eleitoral, o que me causou uma certa confusão, especialmente aquando da sua entrada que arrancou efusivos gritos e aplausos. No entanto, há que reconhecer a brilhante retórica de Obama e a proximidade que consegue criar com as pessoas. Já está é porventura na altura de começar a concretizar materialmente o absurdo capital político que detém. Gabo-lhe a coragem que teve para colocar o dedo na ferida ao acusar os europeus de um certo anti-americanismo, algo que tem de facto que ser minorado se Europa e Estados Unidos querem continuar a ser os principais actores do sistema internacional. De notar ainda que o próprio reconheceu que não é porque Obama foi eleito que os problemas vão ser automaticamente resolvidos, talvez desta forma tentando incutir algum realismo naqueles que o julgam um novo Messias ou Super-homem.
Quanto aos protestos, não demos por nada. Fiquei inclusivé surpreso quando recebi mensagens a perguntar se estava tudo bem. É que com o enorme dispositivo de segurança montado seria completamente impossível sequer aproximarem-se dos locais da cimeira. Há qualquer coisa de muito estranho, no entanto, neste tipo de protestos. Durante a Guerra Fria a NATO não disparou um único tiro e foi sempre o bastião ocidental contra a ameaça comunista. Agora que a Aliança se tem transformado como forma de dar resposta às necessidades várias da comunidade internacional, em especial contra os novos tipos de ameaças, representando ainda, como já aqui foi escrito, o garante da paz na Europa, não deixa de ser estranho que apareçam este tipo de protestos e de propostas para acabar com a NATO. A NATO foi, é e sempre será uma aliança de defesa colectiva, não agressiva. Será que é assim tão díficil ter um mínimo de noção da realidade para ter a percepção que sem a NATO o mais provável é entrarmos em guerra na Europa?
Se a isto juntarmos o que Graham Allison explica, que as gerações que não passaram pelo flagelo da guerra mais facilmente a esta recorrem, parece-me bastante claro que há uma ameaça crescente à paz europeia e mundial. Feliz ou infelizmente, o público em geral toma a paz por garantida. Talvez esteja na altura de começarmos a pensar que a paz está tudo menos garantida, especialmente no contexto de crise que se não for contida pode rapidamente alastrar aos diversos sectores das sociedades e nações. Talvez esteja na altura de começarmos a fazer algo para que a paz não seja apenas fim aparente mas uma missão permanente.
(o que está em itálico foi adicionado posteriormente à publicação do post)
Vou a Estrasburgo e volto no Sábado, até lá não devo vir à net. Até já.
É ler na íntegra o que escreve Bernardo Pires de Lima no 31 da Armada (também publicado no blog oficial da Comissão Portuguesa do Atlântico / Associação da Juventude Portuguesa do Atlântico):
O século XX teve duas histórias para os europeus. Na primeira metade fizeram da guerra a sua política. Na segunda, ocuparam-se politicamente a fazer a paz. O velho continente passou de um extremo ao outro num curto espaço de tempo, reconstruiu cidades e famílias (se é que foi alguma vez possível fazê-lo), sossegou fronteiras e exércitos, reergueu economias e criou umas quantas outras. Pôs velhos inimigos à mesa e desenhou progressivamente os mecanismos económicos, financeiros e políticos necessários. Pedir mais era impossível. Andar mais depressa também.
Esta semana ficará marcada por um acto simbólico entre os grandes obreiros europeus da guerra e paz do século passado, França e Alemanha. No Sábado, dia 4, os líderes da NATO viajarão em conjunto pelo Reno, passarão a fronteira franco-alemã e chegarão a Estrasburgo onde Sarkozy cumprirá o papel de anfitrião no segundo dia da Cimeira. Exactamente 60 anos após a sua fundação, seis décadas depois da carnificina europeia, os velhos e novos aliados atravessarão a fronteira sem batalhões, violações de civis ou projectos de pureza social. Se a NATO serviu para algo foi, em primeiro lugar, não para normalizar as relações mas para quebrar com a tradição do conflito. Ao contrário do que seria suposto, a Aliança não disparou um tiro durante toda a Guerra Fria. Ao contrário do que muitos desejaram, não se evaporou com a queda do Muro. E, ao invés da polémica, soube com altos e baixos acomodar a zona europeia em erupção na última década e meia, os Balcãs.
A NATO pode e deve suscitar discussões sobre o seu papel no futuro, teatros onde pode operar ou que alargamentos deve privilegiar. Mas não nos deve inibir de reconhecer que foi fundamental para a segunda fase da história do século XX europeu, para a confiança entre estados e para os sucessivos alargamentos da UE. Um vazio criado por si seria pior do que qualquer outra solução. Só quem esteve alheado da história europeia do último século pode desejar o vazio e o caos ao conhecido e ao sucesso. Porque é de sucesso que falamos quando se avalia a Aliança Atlântica.