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1 - Folgo em ver que, como o Miguel Botelho Moniz salientou, o Tiago Mota Saraiva parece já ter aprendido que comunismo e fascismo são duas faces da mesma moeda. Não perdeu, contudo, uma certa ignorância e/ou má-fé, na medida em que afirma que o liberalismo é igual ao fascismo. A isto, só se pode oferecer sugestões de leitura e uma grande dose de bom senso, coisa que não abunda entre comunistas. Talvez começar por um bom manual de Ciência Política e/ou História das Ideias Políticas seja uma boa ideia. Se depois quiser mais sugestões, o Tiago sabe onde me encontrar.
2 – Diz o Tiago que os meus posts (Patético; Patético (2); Patético (3); Patético (4)), não têm conteúdo. Referindo-me ao ponto anterior e ao título, mas que espécie de conteúdo é que pode ter algum texto destinado a debater com indivíduos irracionais que defendem a ideologia mais criminosa da História, que estes possam compreender e não deturpar e manipular como fazem a todo o momento? O meu tempo é demasiado precioso para me perder em debates espúrios, mas se o Tiago quiser, pode sempre começar por este meu texto, ou pelo que encontrará no fim deste post, da autoria de John Gray. Cada qual tem que procurar por si o conhecimento. Infelizmente, há quem não o procure, não exerça a dúvida, e se deixe apenas ficar pela doxa e pelo dogmatismo. Mas, novamente, se quiser sugestões de leitura, o Tiago sabe onde me encontrar.
3 – Já o João José Cardoso, à semelhança do Renato Teixeira, dispara completamente ao lado. Só realmente quem não me leia ou conheça (e obviamente ninguém tem obrigação de me ler – só se poupa a umas valentes secas se não o fizer), pode confundir-me com alguém de extrema-direita e/ou defensor de ditaduras. De resto, ler The Undiscovered Self, de Jung, talvez ajude a perceber porque ser comunista pode ser um sintoma de insanidade. A este respeito, num texto a que aludi no ponto anterior, classifiquei há cerca de 2 anos os comunistas em três grupos: estúpidos, ignorantes e tenebrosos. A vanguarda, que de estúpida ou ignorante costuma ter pouco, pautando-se mais pela má-fé e manipulação, recai no terceiro grupo: Por último, na primeira categoria, a das mentes tenebrosas, incluem-se todos aqueles para quem a verbosidade pseudo-científica do comunismo faz sentido, embora em parte possam ser ignorantes, caso desconheçam os postulados teóricos e práticos da ideologia que dizem defender; estúpidos, ao acreditarem que o comunismo faz sentido; ou então completamente tenebrosos e perigosos: sabem muito bem o que é o comunismo, conhecem os efeitos das suas várias experiências reais, e ao contrário dos da segunda categoria, acham que os fins justificam os meios, não hesitando em relativizar milhões de mortos, demonstrando um total desrespeito pela vida humana. São sanguinários em potência, que num sistema que lhes permitisse dar largas às suas crenças, não hesitariam em voltar a repetir e agravar o tipo de atitudes que caracterizaram a União Soviética ou o PREC. Consideram Cuba um país magnífico, têm Fidel Castro e Hugo Chávez como referências e chegam ao dislate de considerar a Coreia do Norte uma democracia. Não hesitariam em sacrificar milhões de pessoas para alcançar os supostos benefícios que o Apocalipse traria. Têm ainda por hábito as práticas do negacionismo e manipulação da História, tentando escamotear a realidade e moldá-la aos seus propósitos, tal como George Orwell ilustrou na famosa distopia intitulada 1984.
4 – Num comentário, diz o Renato que “O comunismo não é o que foram os regimes estalinistas. Essa confusão devia estar, há muito, esclarecida.” Este muito badalado argumento, além de banal é também inválido. O estalinismo é consequência directa do leninismo. E só quem não saiba o que Lenine ou Trotski pensaram ou fizeram pode esgrimir o argumento para enganar os mais desprevenidos de que “aquilo não foi comunismo.” Foi comunismo, sim, em todo o seu esplendor, com todas as consequências do utopismo do pensamento marxista, e levado a cabo por indivíduos que teorizaram e acreditavam na utilização do Terror para os fins do comunismo. Não é possível dirigir uma economia centralizada e um regime político anti-democrático sem utilizar a coerção, a força. Talvez se lessem Hayek, percebessem como funciona uma ordem de organização ou made order e por que é que, aplicado a um regime político, este tipo de ordem se torna totalitário e necessita da utilização da força e da violência para se manter. Para que não digam que vão daqui sem conteúdo, deixo umas passagens de A Morte da Utopia, de John Gray:
«O terror do tipo praticado por Lenine não pode ser explicado pelas tradições russas nem pelas condições que prevaleciam no tempo em que o regime bolchevista chegou ao poder. A guerra civil e a intervenção militar estrangeira criaram um ambiente em que a sobrevivência do novo regime estava ameaçada desde o início; mas o pior do terror que desencadeou foi dirigido contra a rebelião popular. O objectivo não era apenas ficar no poder. Era alterar e remodelar irreversivelmente a Rússia. A partir dos jacobinos, na França do fim do século XVIII, passando pela Comuna de Paris, o terror tem sido usado deste modo sempre que uma ditadura revolucionária se inclina para atingir metas utópicas. Os bolchevistas visavam tornar bem sucedido na Rússia um projecto iluminista que tinha falhado em França. Ao acreditarem que a Rússia tinha de ser construída segundo um modelo europeu, não eram originais. No que se distinguiam era na sua convicção de que tal exigia terror e nisso eram discípulos confessos dos jacobinos. Sejam quais forem os outros fins que possa ter servido – como a defesa do poder bolchevista contra a intervenção estrangeira e a rebelião popular -, o uso do terror por Lenine decorreu do seu empenho nesse projecto revolucionário.
Muitas razões há para que a escola realista continue a predominar na Teoria das Relações Internacionais. Talvez por ser a mais simples e, simultaneamente, a mais elegante, logo, com maior poder explicativo. Por estes dias, em que o mundo está expectante em relação ao que se seguirá no Egipto, reler A Morte da Utopia, de John Gray, é um exercício saudável e recomendável (Lisboa, Guerra e Paz, 2008):
«Precisa-se de um novo pensamento, mas este tem de renovar uma velha tradição. A prossecução da Utopia tem de ser substituída por uma tentativa de enfrentar a realidade. Não podemos voltar aos escritos dos pensadores realistas do passado com a esperança de que estes resolvam todos os nossos dilemas. A raiz do pensamento realista é a perspectiva de Marquiavel de que os governos existem e devem atingir todas as suas metas num mundo de conflito incessante que nunca esteja longe de um estado de guerra. Apesar da distância entre a Itália da Renascença e o presente, isto continua a ser verdade; mas as implicações da perspectiva de Maquiavel mudam de acordo com as circunstâncias e, mesmo no seu tempo, as teorias realistas de gerações recentes tinham graves defeitos. Todavia, é com o realismo, mais do que com qualquer outra escola, que podemos aprender a pensar acerca dos conflitos actuais.
O realismo é o único modo de pensar sobre questões de tirania e liberdade, de guerra e paz que pode afirmar verdadeiramente não se basear na fé e, apesar da sua reputação de amoralidade, o único que é eticamente sério. Esta é, sem dúvida, a razão pela qual é visto com suspeita. O realismo exige uma disciplina de pensamento que pode ser demasiado austera para uma cultura que preza o conforto psicológico acima de tudo, e é razoável perguntar se as sociedades liberais ocidentais são capazes do esforço moral que envolve pôr de lado as esperanças de transformação do mundo. As culturas que não foram moldadas pelo cristianismo e pelos seus substitutos seculares albergaram sempre uma tradição de pensamento realista, que, provavelmente, será tão forte no futuro como foi no passado. Na China, a Arte da Guerra, de Sun Tsu, é uma bíblia de estratégia realista e as filosofias taoísta e legalista contêm fortes correntes de pensamento realista, enquanto, na Índia, os escritos de Kautilya acerca da guerra e da diplomacia ocupam um lugar semelhante. Os escritos de Maquiavel foram um escândalo porque subverteram as reivindicações da moralidade cristã. Não tiveram a mesma força explosiva em culturas não cristãs, onde o pensamento realista ocorre mais facilmente. Nas democracias liberais pós-cristãs, foram as elites políticas e intelectuais, mais do que a maioria dos eleitores, que defenderam a guerra como instrumento para melhorar o mundo; mas a opinião pública ainda acha o pensamento realista desagradável. Poderá a tarefa de prevenir males perenes satisfazer uma geração desacostumada de sonhos irrealizáveis? Talvez esta prefira o romance de uma busca sem significado a enfrentar dificuldades que poderão acabar por nunca ser vencidas. Mas nem sempre foi assim e, tão-só há um par de gerações, o pensamento realista permitiu que os governos ocidentais prevalecessem em conflitos de longe mais perigosos do que qualquer dos que já tenham tido de enfrentar no século actual.» (pp. 256-257)
(...)
«Os realistas não aceitam que as relações internacionais consistam mais em problemas solúveis do que a vida humana em geral. Há situações em que, seja o que for que se faça, a acção contém erros - por exemplo, a situação que foi criada pela intervenção norte-americana no Iraque. Certamente, pode evitar-se a multiplicação dessas situações: podemos ter de provocar mortes em massa para derrotar Hitler, mas não precisamos de persistir na democratização do mundo pelo sangue. O realismo é uma «navalha de Occam» que funciona para minimizar escolhas radicais entre males. Não nos pode permitir fugir a essas escolhas, pois são próprias dos seres humanos.» (p. 258)
(...)
«Os realistas têm como adquiridos vários factos acerca do modo como o mundo funciona. Porém, por mais conversa fiada que possa haver acerca do fim da era westfaliana, os estados soberanos continuam a ser os actores centrais nos assuntos mundiais. Instituições transnacionais como a ONU são dispositivos de moderação das rivalidades entre potências soberanas e não formas embrionárias de governação global. Neste sentido, o mundo dos estados é um reino de anarquia e assim continuará. Claro que os estados aceitam muitas restrições, incluindo as que são impostas pelos tratados internacionais, como a Convenção de Genebra, que estabelecem normas de comportamento civilizado, e, em certa medida, o comércio mutuamente benéfico e as tradições sociais podem substituir o conflito destrutivo pela concorrência e a cooperação. Mas essas convenções e práticas são frágeis e, a longo prazo, a guerra é tão vulgar como a paz.
Os realistas deviam rejeitar visões teleológicas da história. A crença de que a humanidade está a caminhar para uma situação em que já não haverá conflito sobre a natureza do governo é não só ilusória mas também perigosa. Basear políticas no pressuposto de que um processo misterioso de evolução está a levar a humanidade para uma terra prometida conduz a um estado mental que não está preparado para o conflito intratável.» (pp. 259-260)
E apesar de ter em casa imensos livros por ler, andava à procura de algo do género do recentemente lido "O Mundo Pós-Americano" de Fareed Zakaria, algo recente e que me despertasse a curiosidade, quando encontrei "A Morte da Utopia" (em inglês, Black Mass) do reputado professor da LSE, John Gray.
Na contracapa: «A história do século passado não é um conto de progresso secular, como os bem-pensantes da direita e da esquerda gostam de pensar. As tomadas de poder pelos bolcheviques e pelos nazis foram tanto levantamentos baseados na fé como a insurreição teocrática do aiatola Khomeini no Irão. A própria ideia de revolução como acontecimento transformador na história deve-se à religião. Os movimentos revolucionários modernos são uma continuação da religião por outros meios»
Ah e é verdade, bem Cristina, compreendo os argumentos mas, não posso deixar de ter a mesma percepção ou senso comum sobre a solidariedade entre as mulheres, e parece-me que pelo menos o Mike também concorda :p)