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Parece que muita gente terá descoberto, com um espanto inusitado, após a final do Mundial de futebol, que em tempos a França foi um império colonial. Ora, boa parte do país da “liberdade, igualdade e fraternidade” cultiva a concepção subjectiva de nação, que tem raízes em Ernest Renan, para quem a nação não assentava em critérios como a raça, o território, a língua ou a religião, sendo, na realidade, “uma alma, um princípio espiritual,” no qual os indivíduos concretizam “o desejo de viver em conjunto, a vontade de continuar a fazer valer a herança que se recebeu indivisa.” Mas um certo nacionalismo assente na concepção objectiva, tributária de diversos autores franceses, alemães e britânicos e com especial relevo na cultura germânica, ignorando que a história humana difere da zoologia, parece assistir a uns quantos que se esquecem do que foi e do que ainda hoje é Portugal, cuja Selecção nacional de futebol tem jogadores originários de vários países da CPLP. Por mim, subscrevendo aquele Fernando Pessoa para quem a pátria era a língua portuguesa, preferia cumprir o abraço armilar no futebol e ter num Mundial uma equipa da lusofonia. Já que noutros domínios o triângulo estratégico Lisboa-Luanda-Brasília parece funcionar mal, talvez ajudasse a causa da lusofonia ter na mesma equipa Ronaldo e Neymar, Casemiro e William, Marcelo e Pepe, Gelson e Philippe Coutinho, Danilo e Fernandinho.
Passos Coelho deu uma boa entrevista a Martim Cabral e Nuno Rogeiro na Sic Notícias, especialmente em matéria de política externa, com um vincado relevo do vector atlântico. Quanto à opinião de que o facto de não existir um governo europeu é uma fragilidade, compreende-se que outra coisa não poderia dizer. Estando o estado português financeiramente dependente da troika, pouca margem de manobra tem o governo para discordar de Merkozy. Temos que nos submeter para sobreviver, infelizmente.
E quanto às afirmações relativas à emigração de professores, ao contrário do que muita gente por aí vai dizendo, creio que Passos Coelho mostrou, novamente, uma visão alargada em termos de política externa. A comunicação social e certos enviesamentos é que trataram de descontextualizar as afirmações do PM. Por mim, não me importaria de ir dar aulas para qualquer país da CPLP, cumprindo esse sonho do Portugal armilar e universalista. Quem não o entende, provavelmente está agrilhoado a uma visão paroquial do país e do mundo. Ou de como um Professor dizia há uns anos numa aula, talvez os portugueses corajosos tenham todos ido para o Brasil em 1807 com D. João VI. Faltam portugueses à solta. E fazem pouca falta as virgens ofendidas e chocadas com verdades lapalissianas.
Ademais, Portugal vem desde há alguns anos a esta parte promovendo programas de "exportação de indivíduos qualificados", através da AICEP, da União Europeia, da ONU e dos acordos e parcerias com os países da CPLP que têm permitido a muitos jovens licenciados, empresários e professores conhecer outras realidades e singrar nessa pátria armilar que é a língua portuguesa. Que certas virgens ofendidas, em particular alguns apoiantes de Sócrates, descontextualizem as normalíssimas afirmações de Passos Coelho, quando o primeiro promovia activamente o que o último afirmou, parece ser apenas o normal anormal da hemiplegia moral e dogmatismo de certa pretensa intelligentsia.
Por tudo isto, no dia de aniversário do Professor José Adelino Maltez, apetece-me relembrar aqui o abraço armilar que só quem estuda a fundo a sua pátria sabe colocar desta forma: «Não há dúvida que, de finisterra, nasceu Sagres, pelo Atlântico, a caminho do Sul. Que, outrora, partimos, ousando regressar ao ventre mátria, de nossa mãe distância, na senda daquele abraço armilar, daquele universalista quanto mais além, mais além ainda (Paul Claudel) que talvez constitua a principal significação partilhada das comunidades portuguesas, esse núcleo central da nossa memória e dos nossos valores, donde nos vem a identidade e a autonomia.»