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E aviões anteriores a 1996 podem continuar a infestar os céus de Lisboa com ruído e gases poluentes?
Para além de tudo o que é evidente, encarecer o transporte aéreo em Portugal significa não só prejudicar a economia nacional no que depende de ligações internacionais e internas (e prejudica de sobremaneira os Açores e a Madeira), como fazê-lo na actual situação económica e, ainda por cima nesta altura do ano em que os agentes turísticos ultimam os pacotes de férias de Verão a serem colocados à venda em breve, é dar uma autêntica machadada no turismo português, um sector cujo bom funcionamento - escusado será dizer - é vital para escaparmos à bancarrota.
Palavra de honra, mas esta gente endoideceu por completo?!
«Ana, grávida da nova Lisboa», por Daniel Deusdado no JN:
«Falemos de coisas concretas e consumadas: o casamento da ANA, uma historieta que tem tudo para sair muito cara. Passo a explicar: a ANA geria os aeroportos com lucros fabulosos para o seu pai, Estado, que, entretanto falido, leiloou a filha ao melhor pretendente. Um francês de apelido Vinci, especialista em autoestradas e mais recentemente em aeroportos, pediu a nossa ANA em casamento. E o Estado entregou-a pela melhor maquia (três mil milhões de euros), tornando lícita a exploração deste monopólio a partir de uma base fabulosa: 47% de margem de exploração (EBITDA).
O Governo rejubilou com o encaixe... Mas vejamos a coisa mais em pormenor. O grupo francês Vinci tem 37% da Lusoponte, uma PPP (parceria público-privada) constituída com a Mota-Engil e assente numa especialidade nacional: o monopólio (mais um) das travessias sobre o Tejo. Ora é por aqui que percebo por que consegue a Vinci pagar muito mais do que os concorrentes à ANA. As estimativas indicam que a mudança do aeroporto da Portela para Alcochete venha a gerar um tráfego de 50 mil veículos e camiões diários entre Lisboa e a nova cidade aeroportuária. É fazer as contas, como diria o outro...
Mas isto só será lucro quando houver um novo aeroporto. Sabemos que a construção de Alcochete depende da saturação da Portela. Para o fazer, a Vinci tem a faca e o queijo na mão. Para começar pode, por exemplo, abrir as portas à Ryanair. No dia em que isso acontecer, a low-cost irlandesa deixa de fazer do Porto a principal porta de entrada, gerando um desequilíbrio turístico ainda mais acentuado a favor da capital. A Ryanair não vai manter 37 destinos em direcção ao Porto se puder aterrar também em Lisboa.
Portanto, num primeiro momento os franceses podem apostar em baixar as taxas para as low-cost e os incautos aplaudirão. Todavia, a prazo, gerarão a necessidade de um novo aeroporto através do aumento de passageiros. Quando isso acontecer, a Vinci (certamente com os seus amigos da Mota-Engil) monta um apetecível sindicato de construção (a sua especialidade) e financiamento (com bancos parceiros). A obra do século em Portugal. Bingo! O Estado português será certamente chamado a dar avais e a negociar com a União Europeia fundos estruturais para a nova cidade aeroportuária de Alcochete. Bingo! A Portela ficará livre para os interesses imobiliários ligados ao Bloco Central que sempre existiram para o local. Bingo!
Mas isto não fica por aqui porque não se pode mudar um aeroporto para 50 quilómetros de distância da capital sem se levar o comboio até lá. Portanto, é preciso fazer-se uma ponte ferroviária para ligar Alcochete ao centro de Lisboa. E já agora, com tanto trânsito, outra para carros (ou em alternativa uma ponte apenas, rodoferroviária). Surge portanto e finalmente a prevista ponte Chelas-Barreiro (por onde, já agora, pode passar também o futuro TGV Lisboa-Madrid). Bingo! E, já agora: quem detém o monopólio e know-how das travessias do Tejo? Exactamente, a Lusoponte (Mota-Engil e Vinci). Que concorrerá à nova obra. Mas, mesmo que não ganhe, diz o contrato com o Estado, terá de ser indemnizada pela perda de receitas na Vasco da Gama e 25 de Abril por força da existência de uma nova ponte. Bingo!
Um destes dias acordaremos, portanto, perante o facto consumado: o imperativo da construção do novo grande aeroporto de Lisboa, em Alcochete, a indispensável terceira travessia sobre o Tejo, e a concentração de fundos europeus e financiamento neste colossal investimento na capital. O resto do país nada tem a ver com isto porque a decisão não é política, é privada, é o mercado... E far-se-á. Sem marcha-atrás porque o contrato agora assinado já o previa e todos gostamos muito de receber três mil milhões pela ANA, certo? O casamento resultará nisto: se correr bem, os franceses e grupos envolvidos ganham. Correndo mal, pagamos nós. Se ainda estivermos em Portugal, claro.»
A que eu acrescento:
1. Assim se vê porque é que a intenção do incómodo e detestado Álvaro Santos Pereira, de criar um aeroporto para as companhias low-cost que reforçasse a Portela, foi travada.
2. Cumpre-se a regra de que quando o governo é PSD, os grandes negócios do Estado vão para franceses, da mesma forma como quando o governo é PS, vão para alemães (mesmo que não seja quem acaba por assinar o contrato, como aconteceu no caso dos submarinos).
3. Um sector do qual depende o nosso turismo (estamos bem a falar do monopólio dos aeroportos) é entregue aos franceses, que são nossos concorrentes enquanto destino turístico. Sabendo-se do nacionalismo económico que vigora em França, e de como a coordenação entre Estado e privados é total quando o interesse nacional francês está em causa, convenhamos que foi uma coisa muito bem feita, de uma sensatez a toda a prova. Dos empresários do turismo, nem uma palavra: estão completamente a Leste do que está em causa.
4. Agradece-se encarecidamente a todas as boas almas que saem sempre em defesa das privatizações, quaisquer que sejam e por mais ruinosas que sejam as suas condições. Lindo serviço.
Do Correio Alentejo, 19.11.2012:
«Aeroporto de Beja pode receber projecto de desmantelamento de aviões
Era para complementar o Aeroporto de Faro, devido ao seu congestionamento. Era para complementar o Aeroporto de Lisboa, devido ao seu congestionamento. Era para servir o "hinterland" espanhol. Era para servir o porto de Sines. Era para servir o turismo no Algarve, no Alqueva, e no Litoral Alentejano. Era para servir de "hub" na rota entre a Europa e a América do Sul. Era para movimentar carga aérea na rota entre a Europa e a América do Sul. Era para escoar produtos derivados de pescado produzidos em Sines (a última fábrica de conservas em Sines fechou há cerca de vinte anos). Era para movimentar carga aérea do "hinterland" espanhol. Era para servir as companhias low-cost que voam para o congestionado Aeroporto de Lisboa. Era para servir de estacionamento temporário para os aviões das companhias que voam para os congestionados aeroportos de Lisboa e de Faro. Era para.. Era para...
E agora vai, finalmente, servir para alguma coisa: sucateiro de aviões. Afinal de contas, é uma infraestrutura perfeitamente capacitada para este tipo de projecto: é seco e ao sol.
De Bruxelas, que aprovou tudo isto e financiou a 70%, não se ouve uma palavra.
Ainda com dois posts por escrever, para completar o diário de viagem, cheguei cansado mas a dar bons-dias e a sorrir a toda a gente com quem interagi no aeroporto. Do outro lado só macambúzios e nem um 'bom dia' ou 'obrigado'. Esqueci-me que já não estou nos EUA. Depois desta decepção em vez de recepção à chegada a Lisboa, sendo presenteado por várias pessoas com a má educação/disposição característica de muitos portugueses (desde o tipo da alfândega ao dos câmbios, culminando com o taxista do qual não ouvi uma palavra e ainda tive que aturar os maus modos), cheguei a casa esta manhã, liguei a tv e ainda se falava do Pingo Doce. Dá vontade de ir já embora outra vez.