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Passos é definitivamente uma nulidade política. Ponto. Fazendo um exercício comparativo com o maior parlapatão da III República, José Sócrates, o talento comunicacional da equipa passista fica a léguas de distância do socratismo. Sócrates foi exímio na arte da mentira e soube dourar a pílula como poucos. Foi, no fundo, um Afonso Costa moderno, sem o talante político deste símbolo da terrorista I República. Passos é um aluno da pré-primária no que toca a estes arranjos marqueteiros. Anuncia e retira, clama e nega logo a seguir. A acção comunicacional deste Governo é má, péssima, horrível. Não há adjectivos que a qualifiquem. E, como eu mencionei na posta anterior, o letargo da cidadania não é eterno. Fiem-se na virgem e não corram.
Dois ex-cooperantes estratégicos
Claro que não tem a força daquele outro de tempos passados, nem sequer pode contar com selvagens à solta pelas ruas, vasculhando casas para espancar ou prender adversários. Tal como o sonhado precursor, também foi para Paris e de telemóvel em riste, faz a sua política e diz o que bem lhe apetece, pondo e dispondo do Partido que pelos vistos, ainda lhe pertence.
Imagine-se o que um telemóvel teria propiciado ao "parisiense" Afonso Costa...
Todos já perceberam perfeitamente, a razão pela qual a República é comemorada sob a única e exclusiva capa da sua numeral primeira, aquela que nasceu de uma pilha de ilegalidades, brutal prepotência, assassínio à rédea solta e outras inenarráveis vergonhas. É por isso mesmo que a comemoram, nela se encontrando aquele esteio fundamental que irmana gerações passadas a outras ainda bastante activas. Este texto de Nuno Rezende, transporta-nos, tal como máquina do tempo, para uma bem conhecida realidade.
"Claro está que no meio de governos maioritários, ditatoriais e não fiscalizados, no meio do clima de terror que Afonso Costa ajudara a criar e mantinha para sua segurança e a da própria República, os roubos não só eram frequentes, como absolutamente seguros (prova-o a “habilidade” de Alves dos Reis, em 1925). Nenhuma investigação sendo efectivamente aberta levaria a alguma condenação. Não deixa de ser curioso que as despesas e os roubos que os republicanos faziam questão de apontar antes de 1910 tornaram-se frequentíssimos durante os loucos anos da I República: armamento, fardas militares, promiscuidades várias com empresas estrangeiras, etc, etc.
Através da figura de Afonso Costa é fácil entender as actuais comemorações do Centenário e como, a meio deste ano de 2010, os seus mandatários resolveram assumir a celebração dos primeiros anos da República, evitando assim o Estado Novo e, na 3.ª República, fugir à inevitável glorificação de uma certa “oposição” não socialista. É que a Primeira República, intolerante e exclusiva como hoje alguns dos seus admiradores, é a melhor e talvez a única maneira de regressar às raízes e à autenticidade da República Portuguesa tal qual ela foi gizada."
Em sessão secreta do parlamento da 1ª República (1917), dizia o sr. Afonso Costa, fetiche da chamada Comissão Nacional para as Comemorações da República:
"Não nos deixaremos mover por idealismos nem esqueçamos os conceitos e impressão dos pretos perante respeitos humanitários que ele(s) considera(m) como fraqueza ou pusilanimidade".
Pergunta do dia: vão convidar os embaixadores da CPLP para as cerimónias do 5 de Outubro ?
in "Actas das sessões secretas da Câmara de Deputados e do Senado da República sobre a participação de Portugal na I Grande Guerra, Porto: ed. Afrontamento, 2002, pp.115 e 148-53
Uma das imagens do 5 de Outubro de 1910, consistiu na famosa foto do militante carbonário/PRP que de espingarda na mão, fazia a guarda ao banco. Olhava pelos valores da burguesia endinheirada que pontificava no seu partido e onde sobressaia gente de grossos cabedais como o sr. José Relvas, o Grandella e outros tantos abastados ou usurários negócios da praça lisboeta.
Sintomaticamente, temos hoje outro homem do conhecido "mundo dos negócios", um "banqueiro", muito interessado na preservação do legado de 1910. O sr. Artur Santos Silva (PSD, Banco Português de Investimento, vulgo BPI, Partex, Gulbenkian Jerónimo Martins, etc e etc)), é a cabeça visível da Comissão Oficial do centenário da república que hoje surgiu á hora do telejornal também oficial, o da RTP1 e N. São os grandes interesses em liça pela preservação do seu bastião e que encontram a mais perfeita consonância em Belém. De facto, a conquista da chefia do Estado é o marco final de uma luta pela totalitária apropriação do mesmo. Artur Santos Silva vem declarar que ..."a república representa a afirmação da liberdade e da cidadania, o combate à pobreza e a celebração do Estado de Direito". Uma frase que cristaliza toda a propaganda que oculta a mais descarada mentira, deturpação da História e todo o tipo de abusos que caracterizou o processo que conduziu à implantação de 1910, a sua tomada do poder em 1910-26 e final consolidação em 1926-74. Os acontecimentos dos últimos anos, em galopante processo de degradação do sistema, manifestam exactamente o oposto.
A república civicamente falhou quando decidiu declarar a guerra à Igreja, sendo exautorada em toda a Europa. Do estrangeiro apontaram-lhe as brutais ilegalidades, a insegurança e falta de liberdades civis, a liquidação da liberdade de imprensa e de expressão, o esmagamento do universo eleitoral - drasticamente reduzido àquele que existia antes de 1910 -, a fraude eleitoral, a violência policial, a tortura nas prisões, os assassínios políticos, a ruína económica, a paródia da Justiça, a emigração que em massa fugia de um país tornado insuportável. O falhanço material da escolarização a que durante anos se tinham proposto, o descrédito na política externa, a derrota na Grande Guerra de 1914-18, o banditismo a soldo dos facciosos de Afonso Costa - Formiga Branca, Camioneta Fantasma, a violenta cacicagem eleitoral na província, a Leva da Morte - e uma infinidade de exemplos de incompetência, nepotismo, tráfico de poder e de influências. Hoje, a manipulação da verdade vai ao ponto de evocar a emancipação feminina, como se tal tivesse acontecido com a 1ª república, colocando-se nos ecrãs dos televisores, uma ou outra senhora de serviço, completamente ignorante da verdade de uma história que desconhecem.
Já sabemos com o que contar. Ergue-se no horizonte uma estranha coligação de banqueiros, donos dos media e respectivos serviçais na política partidária e como sempre acontece, uns tantos crédulos que mesmo mantidos à distância, julgam manter-se "fiéis à memória do ideal" que jamais coisa alguma lhes deu e de tudo os despojou. São estes últimos - a maioria - as mais ostensivas vítimas de um sistema de extorsão que os relega para o esperado enquadramento popular, a garantia da segurança e arrogante desfaçatez dos senhores dos dourados salões da grande finança, agora completamente refastelados.
Esta Comissão é um escarro na face do povo português.
Anuncia agora o sr. Artur Santos Silva que o dia 5 de Outubro será vivido com centos de bandas filarmónicas a fazerem soar A Portuguesa. Muito bem, é a Marcha cuja partitura original a imagem deste post ilustra.
Uma das curiosidades consequentes de qualquer golpe de Estado, consiste sempre na apressada mudança dos nomes, sejam estes os das ruas, avenidas, praças e até cidades, ou noutros casos, a alarvice chega mesmo à pastelaria.
Pois bem, em Portugal somos peritos neste tipo de actividade e aqui deixo alguns exemplos:
1. A Av. Rainha Dª Amélia passou a chamar-se Av. Almirante Reis, o tal senhor que apenas se notabilizou por desfechar um tiro na própria cabeça. Fez bem, coitado. Como teria passado os anos a seguir à vitória da Rotunda? Aliás, esteja onde estiver, a rainha agradece. A Almirante Reis é frequentada por uma certa calibragem que não é passível de se coadunar com o vestido de cauda de uma rainha. É a ironia da justiça deste mundo.
2. Uma localidade. Lembram-se de Poço de Boliqueime? Pois… Quando Sua Excelência o Senhor Professor Doutor Aníbal Cavaco Silva ascendeu a 1º ministro – já foi, já foi e não vale a pena “fazer de conta” que não -, o autarca lá do sítio logo mudou o nome à terra, promovendo-a a Fonte de Boliqueime. Mas, o problema é que o cavalheiro agora é o Supremo Magistrado, o Venerando Presidente da República! Então como é? Para o segundo mandato, há que adequar a vila à sua nova categoria, saltando de Fonte, para Termas de Boliqueime. No mínimo! Aqui fica a sugestão. 3. Agora vem um dos meus favoritos. Feliz Natal a todos os estadosentidenses e anexos! * Lá “saquei” o molar e assim, estou limitado aos gelados
Quando o Afonso Costa concluiu que a coisa já estava feita e que o Directório do PRP não corria riscos de ir parar à fronteira, lá saiu, mais os amigos, dos Banhos de S. Paulo, onde “faziam de conta”, despreocupadamente nuzinhos e de toalha enrolada à cintura. Não fosse a Guarda Municipal pensar que estavam envolvidos na tramóia. Enfim, começaram logo a mudar o nome às coisas, a começar pelas ruas, avenidas, praças e navios da Armada. Logo depois, pegaram na Portuguesa – o tal Hino que o Keil e o Mendonça dedicaram em 1891 a D. Carlos e a D. Miguel! – e impuseram-no como símbolo nacional. Tudo bem, é grandioso e bonito. Chegou a vez da Bandeira. Pronto, é difícil, medonha, mas podemos tentar compreender.
Mas…
Que coisa, chegarem ao ponto de decretar sobre o novo nome do Bolo de Natal?! Incrível? Não, é verdade.
Daquelas cabecinhas pensadoras, aventaram-se algumas hipóteses, entre as quais o nome Bolo da Família. Mas não, a coisa cheirava muito a clerical. Estão a ver, família, logo eflúvios a incenso papista. Não dava.
Tiveram então a brilhante ideia de honrar o dito Bolo com o nome do primeiro presidente – aliás, pouco tempo depois forçado a demitir-se, acusado de cesarismo – Manuel de Arriaga. O Bolo era oficialmente conhecido por Bolo Arriaga!
Pelos vistos não pegou, até porque nestas coisas do merchandising, uma coroa sempre é uma coroa. Comprariam alguma coisa cujo rótulo ostentasse o "ovo estrelado" com os dizeres Fornecedores da Casa Presidencial? Duvido muito. Por exemplo, imaginem vocências abrirem um negócio com o nome o Presidente das Meias, o Presidente dos Cachorros Quentes, ou o Presidente dos Frangos. Falência tão certinha, como a reconhecida perícia de Sua Excelência a Senhora Doutora Dona Maria Cavaco Silva em fritar sonhos para a Consoada.
Já sabem como é. A cada um, o seu bolo, seja ele Arriaga, Bernardino, Carmona, Craveiro, Tomás, Soares, Sampaio ou Cavaco & Esposa. Cá por mim, obscurantista de tintes medievalescos à inglesa, abarbato-me com o velho e prestigiado Bolo Rei. Sem fava e com muitas frutas cristalizadas*
E ainda dizem que somos exagerados e faltamos ao respeito a "grandes vultos"... da banditagem?!
Torna-se cada vez mais difícil continuar a ignomínia do alçamento das "excelsas virtudes" dos cahmados grandes vultos da república de 1910. Se este "aspecto comezinho" - no dizer ou possível opinião do dr. Mário Soares - não chega, acrescentem-se então ao palmarés de Afonso Costa, a cacetagem, o incentivo ao crime físico com a eliminação de adversários, a censura a priori à imprensa, a fraude eleitoral, o radical cerceamento dos cadernos de eleitores, o nepotismo descarado, o ataque cerrado ao partido Socialista de Azedo Gneco - acusado de conspiração com o rei -, a promoção dos antecessores da PIDE - a Formiga Branca - e um sem fim de iniquidades. O dr. Augusto dos Santos Silva parece querer patrocinar isto na Comissão do Centenário. Lendo as notícias deste nosso "habitual quotidiano", anotamos a coerência. Vê-se!
"Ill.mº Ex,mº Srº
(...) Affonso Costa recebia treze contos, a título d'umas tretas, por ... sustentar, como influente republicano, como dirigente republicano, como deputado republicano, o pleito da "Companhia dos Phosporos", n'um caso escuro, n'uma infame negociata em que iam envolvidos os interesses e a honra do paiz, n'uma vil judiaria. Uma grande vergonha. Porque evidentemente, a Companhia não foi procurar o Affonso Costa como advogado. Não precisava d'elle para nada. Já lá tinha advogados e advogados eminentes. Precisava d'elle mas era como deputado republicano, e deputado republicano por Lisboa.
Ver mais no Centenário da República
Portugal é um país onde se "vive habitualmente".
Hoje, em 27 de Abril, alguns republicanos, reflectindo o geral
descontentamento pela marcha dos negócios públicos, tentam uma
rebelião que foi sufocada como a do 28 de Janeiro [...] Entre uma
e outra situação há apenas uma diferença. Enquanto o odioso e odiado
João Franco publicava o Decreto de 31 de Janeiro autorizando-se
abertamente a deportar os presos, o democrático e popular presidente
do actual Ministério, sem publicar nenhum decreto, prestidigitando
com os vadios, enviou para os Açores os presos políticos, com o
espanto e surpresa de toda a gente49. Efectivamente, os implicados na intentona do 27 de Abril foram rapidamente deportados para Angra do Heroísmo: o capitão Lima Dias, o general Fausto Guedes, o capitão-tenente Fontes Pereira de Melo e diversos revolucionários do quartel de infantaria 5, na Graça, foram conduzidos para o Arsenal de Marinha e dali para o cruzador República. Outros implicados seguiriam idêntico destino: o capitão Viana de Andrade, o capitão-de-mar-e-guerra Soares Andreia, Lomelino de Freitas, capitão-tenente Serejo Júnior, tenente Ernesto José dos Santos —estes últimos heróis do 5 de Outubro —, Júdice Bifcer, o editor Gomes de Carvalho, etc. Transportados para os Açores, ficaram os abrilistas sob a jurisdição do coronel Ribeiro da Fonseca, sob cuja alçada correram os processos movidos aos revolucionários. Os oficiais presos (Lima Dias, Lobo Pimentel, Fausto Guedes, etc.) ficaram em Angra, nas casas do castelo de Angra, no mesmo lugar onde outrora estivera preso Afonso VI.(«Hoje como ontem! /Outra vez João Franco», in Terra Livre, n.° 13, p. 1.)
Texto aproveitado de um comentário de Dorean Paxoreales num esgrimir de opiniões na Esquerda Republicana.
Quando da ocorrência do golpe de Estado de 1910, a Europa vivia os derradeiros momentos da Belle Époque, sem suspeitar que poucos anos depois, todo um mundo desapareceria, vítima da voragem da Grande Guerra. Até ao verão de 1914, as notícias divulgavam o carnet mondain parisiense, as visitas de Estado dos monarcas europeus, o escândalo Calmette-Caillaux e inevitavelmente, a desastrosa situação social, política e económica em Portugal. As correrias nas ruas de Lisboa, as bombas, assassínios e as consecutivas quedas de governos, ofereciam aos leitores interessados, a imagem de toda uma sociedade em conturbada crise identitária, onde uma república fora imposta violentamente pela vontade de associações secretas e de um partido considerado minoritário no arco constitucional português. Com as prisões abarrotando de presos políticos, à Europa chegavam informações de tortura, atropelo aos direitos, ilegalidades e arbitrariedades das autoridades que coagiam uma justiça, que condicionada por grupos de rufiões a soldo dos caciques políticos, desprestigiava os tribunais.
Num cenário de catastrófica anarquia, a imagem que os europeus tinham de Portugal, era negativa, pois ainda estava presente no espírito de muitos, o regicídio de 1908, onde a autoria moral e material dos republicanos, não oferecia dúvidas a ninguém. Curiosamente, a imprensa francesa era uma das mais críticas e virulentas na análise da situação portuguesa, surpreendendo desagradavelmente os incondicionais francófilos do prp que na França viam o modelo a copiar pelo regime instaurado a tiro na Rotunda.
João Chagas é um homem típico da sua época. Medianamente culto, seguidor dos princípios do politicamente correcto do quotidiano, enfastiava-se facilmente quando era obrigado a prescindir dos círculos aristocráticos ou da alta burguesia parisiense que assiduamente frequentava. Os seus diários são eloquentes quanto ao turbilhão social em que mergulhou durante a sua estadia na capital francesa. Festas, bailes, chás, jogos de sociedade, beija mãos a condessas e princesas, ou tráfico de influências junto ao poder político e da imprensa. Pouco nos diz acerca da sua visão - segundo um programa criteriosamente estabelecido - de um Portugal que pretende inserir-se no século XX das maravilhas técnicas, do progresso social e da liberdade. Não. Entre 1914 e 1921, escreve centenas de entradas que relatam a sua preocupação pelas aparências, as suas dogmáticas e sebastianistas certezas na etérea visão de uma república que é república formalmente e apenas isso. Espanta-se pela revolta latente em Portugal, indigna-se pela pressão das hostes monárquicas e corrobora na necessidade de perseguição às vozes discordantes da situação. Parece que se esquecera dos trinta anos que antecederam o 5 de Outubro, durante os quais o seu partido de tudo se serviu para destruir o regime constitucional - um dos mais livres da época - legalmente estabelecido.
O que se torna paradoxal nesta obra, consiste na falta de um projecto, na perfeita inconsciência da realidade, negativa para todos, em que Portugal se encontrava. A sua exclusiva preocupação, resumia-se a uma indisfarçável vanglória, na ânsia de se ver equiparado aos seus colegas diplomatas das potências europeias e, claro está, numa furiosa e constante diatribe contra os seus correligionários do regime, neles vendo a causa do insucesso da sua mirífica ilusão de uma república restauradora de glórias passadas. O resto do texto, é um longo rol de preconceitos, dichotes, intrigas, boatos e campanhas difamatórias - onde uma vez mais a rainha D. Amélia se torna um alvo apetecível - e, finalmente uma exaustiva e interessante informação acerca das casas da alta sociedade parisiense, onde a gastronomia, o luxo e a trivialidade dos fait-divers senhoriais o impressionaram fortemente.
A opinião que tem do regime dos seus, é má, pois "...a República...dá-me a impressão de uma desordem que cada vez mais se agrava, em que já há facadas, em que já corre o sangue, e a que eu assisto de longe, com o coração aos pulos, mas de braços cruzados". Entre um jantar de gala onde brilhavam senhoras altas, bem vestidas e ostentando portentosos decotes e uma amena charutada com homens públicos, Chagas encontra palavras de incontornável desprezo relativo aos representantes de nações extra-europeias "... à minha direita uma grande mulata que não sabe uma palavra de francês, mulher do ministro de San Domingos... a pobre mulher acha muito boa la comida del palacio e bebe todos os vinhos que o criado lhe serve". Tudo o mais consiste na enumeração dos convivas para os habituais ágapes, onde pontificavam príncipes, condes, duques e alguns homens do Estado francês, zelando de forma obsessiva a sua aparência, onde o bem vestir era, segundo facilmente se depreende, uma condição incontornável para se ser considerado.
Chagas sente um nítido desdém pela qualidade intelectual e moral dos seus pares e acalentou ódios que duraram até ao fim dos seus dias. António José de Almeida, Brito Camacho, Bernardino Machado, entre muitos outros - afinal o essencial do regime republicano -, são crismados com epítetos que fazem empalidecer aqueles outrora outorgados à classe política da monarquia. De resto, a imprensa francesa não lhe dá tréguas, relatando detalhadamente as greves, levas de presos, perseguições e abusos de poder em Portugal, o que perturbava a sua ronda pelos bailes do Eliseu, as visitas ao fotógrafo Nadar, as idas ao teatro ou furtivas espreitadelas aos roliços colos das damas do corpo diplomático. Facto espantoso, é a sua surpresa perante o estilhaçar do serviço diplomático português, queixando-se amargamente da falta de contacto com o Ministério dos Negócios Estrangeiros em Lisboa, do qual raramente recebia notícias ou directivas, dependendo totalmente da imprensa internacional. De facto, o novo regime não podia prescindir dos quadros oriundos do seu predecessor, pois a imensa maioria dos membros do prp, não era gente capaz ou idónea para preencher os requisitos para a normal gestão do Estado, nem se encontrava inserida na vital rede de contactos e relações pessoais da diplomacia internacional. Os jornais estrangeiros são a constante preocupação de Chagas que por todos os meios tenta mitigar a opinião desfavorável que tinham da república, pois o relato das constantes ocorrências em Portugal, destruíam a imagem ideal e propagandeada de um país renovado e aberto ao futuro. Estava em causa, afinal, a sua própria reputação em Paris. No entanto, como o autor expressamente declara, a maioria das publicações trazem "...artigos tremendos contra a República. Em appoio das suas affirmações esses jornaes reproduzem opiniões de republicanos portugueses". A imprensa lisboeta vai divulgando as "tumultuosas e escandalosas sessões na Camara. O senador João de Freitas disse ao Alexandre Braga: v. Exa. é um miserável apache. O Braga não se mostrou sensível à affronta. O João de Menezes pegou-se ao socco com o presidente da Camara. Foi preciso separá-los. Um horror". Estes episódios eram recorrentes e assim, Chagas vai reproduzindo aquilo que a imprensa publica, como os escândalos de corrupção "...a crise (...) provocada pela questão da concessão das águas do Rodam, feita em favor de António Maria da Silva, deputado (...) que chamou canalha a um deputado. Este por sua vez chamou-lhe tolerado (...) as galerias intervieram na contenda e deram morras a Affonso Costa. Nos Passos Perdidos houve bofetões. Toda a gente andava armada" (17 de Junho de 1914). Um mês depois, a 15 de Julho, Chagas escrevia que "...em Portugal novos acontecimentos anormaes de que a imprensa de Paris esta manhã se occupa. Os amigos de António José d'Almeida, reunidos aos anarchistas, promoveram em Lisboa um comício durante o qual se comparou o Affonso Costa ao Diogo Alves e ao José do Telhado. À noite desordens no Rocio. O Café da Brazileira foi assaltado por um grupo (...) aos gritos de - Abaixo a formiga branca! Dispararam-se muitos tiros de revólver. Parte do café ficou em estilhas". Os pequenos compadrios e situações de nepotismo, mereceram inúmeras referências "...o António Bandeira (...) vai (...) occupar finalmente o seu logar de ministro em Berne, que conquistou sem grande esforço. Apenas o trabalho de ser primo do Bernardino Machado". Na necessidade premente de encontrar quadros afectos ao novo regime "... fui eu o primeiro homem que em Portugal lembrou este Teixeira Gomes (...) um pouco poseur (...) e que não se arranjava mal (...) Bernardino Machado (...) não gostou d'elle, por lhe parecer impertinente, ou desrespeitoso. O amor próprio de B. Machado não suporta aparencias altivas (...) como sempre, porém, fez uma tolice e em vez de o collocar em Madrid, onde elle não estaria muito fora do seu logar, no meio um pouco cigano da Hespanha, colocou-o em Londres, onde está inteiramente deplacé. Teixeira Gomes é uma especie de Oscar Wilde, com alguns vícios d'este e sem o seu talento (...) não é feio homem, mas falta-lhe nobreza (...) parece um clown enfarinhado". Brito Camacho é outro dos ódios pessoais de Chagas, chamando-lhe "...estúpido até à torpeza".
Os relatos do seu diário dos primeiros sete meses de 1914, focam genericamente os mesmos temas: a imprensa estrangeira, bastante cáustica em relação ao desvario político, económico e social imposto pelo novo regime em Portugal; a imprensa portuguesa, uma preciosa fonte de informação - e de aflição -, para um diplomata que carecia das mais elementares directivas para a prossecução da defesa dos interesses nacionais em Paris; e uma infinidade de almoços, jantares, visitas a teatros, clubes privados, casas da nobreza, ao palácio presidencial, além de uma vertiginosa agenda de festas bailes, soirées lúdicas e apreciação da moda feminina. A profunda antipatia para com os menos bafejados pela fortuna denota o seu carácter, preocupado em alcandroar-se a um lugar cimeiro, de onde julgava impiedosamente o valor de outrém, disso dependendo a sua apresentação física, os seus gostos, modos e maneira de vestir. João Chagas era um impenitente dandy, mais impressionado pelos roçagantes fru-frús das sedas e rendas das merveilleuses da época, que com aquilo que verdadeiramente interessava: a procura de um rumo e de um projecto para Portugal. Tal como o regime implantado com o tiroteio na Rotunda, dava mais relevo ao acessório, porque de facto, o essencial desvanecera-se na meramente virtual demagogia dos seus pares. Nunca compreendeu que era parte integrante de um sistema e de uma forma despreocupada e irresponsável de conduzir os destinos de um país. Portugal pagaria bem caro esta incompetência e neste centenário da república, urge desvendar factos que ao longo das décadas foram sendo esquecidos ou habilidosamente adulterados pela propaganda oficial.
(continua).