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Esta história dos ajustes directos, das contratações de artistas no panorama cultural nacional, faz parte da mesma patologia de prevaricação e promiscuidade que minou o sector da banca e a política. Deixemo-nos de ilusões. O tráfico de influências, os favores prestados enquanto divisa para futuras transacções, faz tanto parte da política como das artes e letras. A novela do Tordo deve servir para abrir a caixa de Pandora. Uma vez que o país está obrigado a pôr tudo em pratos limpos, uma auditoria total e irredutível é o que o cidadão português deve exigir. O contribuinte que anos a fio contribuiu para as extravagâncias decididas por autarcas, presidentes de institutos e ministros da cultura merece saber toda a verdade. O dinheiro dos contribuintes foi gerido de um modo equilibrado ou não? Houve favorecimentos? E foram prestadas contas? Os mesmos doutos e iluminados que agora se queixam do atraso cultural do país, acabam por morder a sua própria cauda. Ao declararem o seu estatuto de alegada elite confirmam que foram incapazes de servir a massa amorfa e inculta. Foram incompetentes na sua missão de partilha de cultura. Ou seja, o círculo iluminado de intelectuais é a cidade e o resto é paisagem. Que se avance com uma auditoria das contas da cultura nos últimos quarenta anos. Seria simpático saber que critérios intelectuais ou culturais foram usados. Que artistas beneficiaram do encosto de ombros ideológicos ou partidários. Parece pairar em Portugal uma certa noção de que os criadores artísticos devem ser poupadas porque é tudo tão subjectivo, é tudo tão volátil e relativo - é arte. Como se fossem intocáveis. Passemos então de Tordos a Represas, de Instituto Camões a Planos Nacionais de Leitura, de fundações disto e aquilo, de grémios a teatros, de criadores a marionetas, e, em nome da transparência, que afinal uma Democracia exige, façamos as contas dos dinheiros gastos e tiremos as devidas ilações. Não vejo razão para que o sector das artes e letras beneficie de um estatuto de imunidade ou impunidade. Já se sente no ar algum desconforto dos principais agentes culturais deste país. Começam a ripostar, a se tornar hostis à luz de um conceito de averiguação que lentamente começa a emergir e a implicá-los. Se é tudo tão límpido quanto aparentam, então que se apresentem sem medo - quem não deve não teme. Não é assim?