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O futebol como reduto do liberalismo em Portugal

por Samuel de Paiva Pires, em 10.06.13

Alberto Gonçalves, "O refúgio do liberalismo em Portugal":

«Há muito tempo que não vejo jogos de futebol. Há pouco que comecei a ver com frequência debates televisivos sobre futebol, do Trio de Ataque ao Prolongamento, de O Dia Seguinte ao Mais Futebol. São, como se diz que Coimbra foi, uma lição. Desde logo, sobre a capacidade humana de repetir oito a doze vezes por minuto a palavra "estrutura" enquanto sinónimo de direcção, organização ou hierarquia. Porém, o vago marxismo lexical termina aí: os debates principalmente revelam hordas de liberais, "neo" ou "ultra", que, para nosso azar, não existem nas demais dimensões do país.


No mundo dos comentadores da bola, as ideias dominantes que determinaram a corrente e desgraçada situação pátria encontram-se viradas do avesso. Lá, ninguém hesita em defender que o treinador X ou o jogador Z acabem sumariamente demitidos por incompetência. Ninguém estranha que os salários, mesmo que desmesurados, sejam proporcionais ao mérito. Ninguém culpa os ricos. Ninguém despreza a necessidade de exigência. Ninguém deixa de louvar os clubes que se governam com orçamentos equilibrados e minúsculos. Ninguém apoia a irresponsabilidade. Ninguém se lembra de incentivar o recurso ao crédito para investimentos ruinosos. Ninguém percebe as equipas com plantéis excedentários. Ninguém propõe a imposição da igualdade em detrimento da liberdade. Ninguém atribui às vitórias da Alemanha as causas da penúria indígena. Ninguém legitima a promoção da violência dentro e fora do campo. Ninguém abomina a concorrência. Etc.


Para alguns, entre os quais me incluo, o futebol pode não passar de um aborrecimento de hora e meia (mais uns minutos no caso do Benfica). Já a conversa em redor do futebol, à primeira e segunda vistas um aborrecimento maior, é, quando esmiuçada com detalhe, não só uma lição, insisto, mas um refúgio e um consolo perante o socialismo que contamina o resto da sociedade. O futebol não é socialista. Se não me obrigar a vê-lo, que Deus o proteja.»

publicado às 22:00

"Navio ao fundo"

por Samuel de Paiva Pires, em 10.03.13

Alberto Gonçalves, Navio ao fundo:

 

«Não haja dúvidas. Sempre que um governante comete uma alusão à gesta dos descobrimentos, à epopeia marítima, às gentes que deram novos mundos ao mundo e aos sonhadores que viram para além do Bojador, é certo que o sujeito ficou sem argumentos ou nunca os teve logo de início. O recurso ao patriotismo, para cúmulo se "fundamentado" em proezas remotas, é um sinal manifesto de abdicação. Invocar Vasco da Gama para compensar as massas do saque fiscal é tão pertinente quanto isentar os gregos da loucura despesista mediante referências a Aristóteles. Trata-se de um logro e, pior, de um aviso: quando o habitualmente circunspecto dr. Gaspar adopta a veneração das glórias do passado é lícito recear que até ele percebeu a miséria do presente e desistiu de remendar o futuro.»


As histórias do Dr. Soares:


«Não sou monárquico, mas dado o gabarito dos nossos republicanos praticamente não sobra alternativa. (...)


Agora a sério, é rara a semana em que o dr. Soares não se esforce por provar que a sabedoria da idade é uma força de expressão e, com frequência, uma completa patranha. Nesta e noutras questões, a pergunta que se impõe é: o dr. Soares pretende enganar quem? E a resposta é: descontados três ou quatro fervorosos da Carbonária, provavelmente apenas a si próprio. Por mim, gosto que a imprensa corra a ouvi-lo a pretexto de diversos assuntos, e só lamento que não o faça a pretexto de todos.»

publicado às 13:04

A melhor definição deste governo

por Samuel de Paiva Pires, em 17.02.13

É difícil escolher o melhor parágrafo da crónica desta semana de Alberto Gonçalves, cuja leitura integral recomendo. Fica este, pois que culmina com o que me parece ser a melhor definição deste governo:

«Os resultados do nosso trabalho já são extorquidos em quantidade suficiente e segundo métodos impossíveis de contornar. É da mais elementar lucidez resistir, dentro do possível, a extorsões adicionais. Não vou ao ponto de, à semelhança de Francisco José Viegas, sugerir que se mande os empregados do fisco "tomar no cú". O Francisco exagera nos brasileirismos: os verbos "levar" ou "apanhar" chegam e sobram para um Governo com aura liberal, hábitos socialistas e processos napolitanos.»

publicado às 13:57

A ler na íntegra

por Samuel de Paiva Pires, em 03.02.13

Alberto Gonçalves é um dos melhores cronistas portugueses, e a sua coluna de Domingo é de leitura indispensável. Mas há semanas em que está particularmente inspirado, ainda mais que o habitual. Esta é uma delas. Ide ler, do princípio ao fim, que vale bem a pena. Aqui fica parte da crónica, "As casas dos imigrantes":

 

«É curioso que o mesmo Governo que exorta os indígenas a emigrarem para fora daqui tente convencer estrangeiros a imigrarem aqui para dentro. É engraçado que o mesmo Governo que tenta angariar uns trocos na receita à custa dos indígenas gaste 828 mil euros (alguns media falaram, impávidos, em 828 milhões) a vender imobiliário a estrangeiros. É hilariante que o mesmo Governo que esfola os indígenas através do fisco prometa a estrangeiros benesses fiscais e um IRS competitivo.

 

Se ainda não têm vontade de rir, eu explico: o Governo quer atrair em definitivo para dentro das fronteiras cidadãos que incompreensivelmente vivem além delas, sobretudo reformados do norte da Europa. O raciocínio do ministério da Economia é inatacável. Se muitos suecos, holandeses, alemães e, pelos vistos, russos torram as poupanças na aquisição de residências permanentes ou estivais em Espanha, França e Itália, nada impede que procedam de modo similar em Portugal, que possui sol, comida decente e, já agora, "6 mil a 10 mil" casas prontas a negociar no mercado de turismo residencial, das quais se espera comercializar 10%. O único contratempo era, como sempre, a escassa divulgação do país no exterior, apesar das recorrentes campanhas de divulgação do país no exterior. A solução? Uma campanha de divulgação do país no exterior.

 

Sou incapaz de prever o sucesso da iniciativa, mas afianço imediatamente um facto: o nosso Governo é decerto dos menos xenófobos que alguma vez existiram. A tendência histórica e contemporânea da maioria dos países é para repelir forasteiros. Enquanto repele os locais, o Executivo do dr. Passos Coelho optou pela hospitalidade da Holanda seiscentista ou da América dos inícios do séc. XX e desunha-se para aliciar quem vem de longe. Não sendo um apelo tão nobre quanto o "Dai-me os vossos fatigados, os vossos pobres" de Emma Lazarus, a descendente de judeus portugueses cujos versos foram gravados no pedestal da Estátua da Liberdade, o "Dai-me os vossos abastados escandinavos" também é digno de louvor. Caso corra bem, em breve estaremos ricos. Se, o que é pouco provável, estivermos cá.»

publicado às 11:52

Alberto Gonçalves, A carteira e a vida:

 

«As patrulhas não dormem. Uma campanha da Samsung filmou uma jovem ligada à moda a enumerar desejos para 2013. O principal desejo consistiu numa carteira Chanel, que a jovem sonha comprar logo que junte dinheiro para tal. A irrelevância do anúncio é tamanha que nenhuma criatura psicologicamente equilibrada repararia nele. Por sorte, o Facebook está repleto de criaturas à beira de um colapso nervoso e o filmezinho em questão transformou-se depressa no que agora se designa por fenómeno viral. Muitos milhares de pessoas decidiram considerar criminosa a ambição pela tal carteira e, com a indispensável valentia que define a raça, começaram um processo de enxovalhamento da jovem, de seu nome Filipa Xavier.

É ou não é bonito? É, sim senhor. Sobretudo num país em que todos os dias figuras públicas, semi-públicas e anónimas exprimem sem pudor nem consequências alucinados apetites. O dr. Mário Soares pode ansiar por guerras civis, europeias ou mundiais que o vulgo não arrisca um comentário menos abonatório. O inqualificável prof. Freitas e o sr. Carlos da CGTP reclamam a dissolução do Parlamento e o vulgo acha o pedido normalíssimo. Diversos capitães de Abril reivindicam golpes de Estado e o vulgo não dá um pio. Comentadores encartados e o sr. Baptista da Silva convocam a "solidariedade" europeia a patrocinar-nos os delírios e o vulgo aplaude. Jornalistas que perceberam mal a natureza da profissão adoptam a retórica demagógica em vigor e o vulgo aprecia a proeza. O próprio vulgo, ou parte dele, ciranda por manifestações e "telejornais" a exigir em simultâneo protecção social e isenção de impostos. E nada disto suscita uma fracção do escárnio inspirado pela carteira Chanel. Ou uma chamada aos estúdios da Sic.

Numa das páginas mais embaraçosas do jornalismo pátrio, Filipa Xavier viu-se entrevistada no noticiário por aquela senhora que, durante dez minutos, tentou uma carreira como correspondente de guerra. "Entrevistada" é força de expressão: Filipa Xavier foi alvo de um interrogatório paternalista, onde acabou forçada a fazer votos de pobreza pessoal e familiar, a mostrar-se aflitinha com a situação económica e, juro, a garantir que ajudaria os desvalidos a vestirem-se para concorrer a um emprego. Entretanto, a referida "jornalista" esqueceu--se de exibir o guarda-roupa ou de anunciar a partilha do salário, decerto superior aos confessos 700 euros de Filipa Xavier. E a Samsung suspendeu a campanha. A pior crise está nas cabeças, não na carteira.»

publicado às 16:47

É isto

por Samuel de Paiva Pires, em 30.12.12

Alberto Gonçalves, Os pontos do vigário:

 

«Os charlatães de nível internacional vestem fatos da Brooks Brothers e fazem por se infiltrar no jet set que paira em Saint-Tropez ou nos grupos de decisão que frequentam Washington, consoante os gostos. O charlatão indígena veste-se como Boaventura de Sousa Santos e sonha penetrar uns estúdios televisivos em Carnaxide. Ou, juro pela minha saudinha, pertencer à Academia do Bacalhau de Lisboa.
Ponto seis. No final de contas, o caso do sr. Baptista da Silva resume-se a uma vigarice sem especial gravidade, na qual um pobre diabo inventa os cursos e a carreira que nunca teve. Grave seria que um membro do Governo ou, imagine--se por absurdo, o chefe de um governo procedesse de igual modo. Felizmente, disso estamos livres.»

publicado às 23:22

As redes sociais e o degradar da civilidade

por Samuel de Paiva Pires, em 09.12.12

Alberto Gonçalves, discorrendo sobre o fenómeno das SMS e apontando a sua gradual substituição pelo Facebook, escreve hoje algo que vai ao encontro de uma tendência no Facebook que me deixa cada vez mais exasperado. Eu não ando por aí nos murais de outras pessoas a fazer propaganda às minhas ideias políticas, nem me acho no direito de ir aos murais de quem discordo começar debates intermináveis, mas há quem ache que o meu espaço no Facebook pode servir para debitarem todo o tipo de disparates e propaganda. Às vezes ignoro, outras vezes respondo, mas cada vez vou tendo menos paciência, especialmente porque o tempo é precioso e não pode ser simplesmente desperdiçado em esforços inúteis. Escreve assim o colunista do DN: «Já não me lembrava, mas houve um tempo em que vivíamos descansados, sem o risco de que alguém suficientemente descarado para se julgar nosso amigalhaço e insuficientemente amigalhaço para ligar ou aparecer cá em casa perturbasse o nosso descanso com disparates.»

publicado às 15:59

Alberto Gonçalves, Branca de Neve procura emprego:

 

«É provável que uma hipotética saída da União Europeia agravasse ainda mais a nossa situação económica. Mas talvez melhorasse a nossa saúde mental. No meio de uma crise que coloca a sua própria existência em risco, o Parlamento Europeu dedica-se a demonstrar que não se perderia muito: não satisfeito por possuir uma absurda Comissão dos Direitos da Mulher e Igualdade dos Géneros, o PE permite que a dita comissão se alivie de palpites acerca de matérias que sempre os dispensaram.

 

Até agora, essa destravada fraternidade tentava interferir no mundo real e entretinha-se a propor quotas em empresas e delírios assim. Agora, soube por Helena Matos (blasfemias.net), a referida Comissão avança para o mundo da ficção e quer abolir das escolas ou no mínimo temperar a influência das obras literárias infanto-juvenis que atribuem papéis "tradicionais" aos elementos masculinos e femininos da família. Livrinho em que o pai saia para o trabalho e a mãe fique a cuidar da prole irá, se a coisa vingar, directamente rumo ao index dos eurodeputados.

 

O index será vasto. Não estou a ver nenhum clássico da literatura do género em que a personagem do marido passe os dias a mudar fraldas e a da esposa assuma um lugar de relevo na sociedade. Mesmo na "Branca de Neve", que está longe de representar um agregado familiar retrógrado (conheço pouquíssimas senhoras que coabitem em simultâneo com sete cavalheiros, para cúmulo de estatura alternativa), a verdade é que a heroína trata das arrumações caseiras enquanto os seus sete parceiros labutam nas minas. E quanto a Huckleberry Finn, criado na ausência da mãe e na presença de um pai alcoólico, erradica-se ou não? E os órfãos de Dickens? E, uns degraus abaixo, os pobres sobrinhos sem tia da Disney? Além disso, a Comissão dos Direitos da Mulher e Etc. é omissa no que toca às fábulas. Se, por exemplo, é indesmentível que, ao invés da cigarra, a formiga trabalha como uma desgraçada, nem Esopo nem La Fontaine sugerem que a dita seja fêmea e unida pelo matrimónio a um formigo que colabora nas tarefas do lar e respeita o "espaço" da companheira. Que obras, em suma, corresponderão aos requisitos de igualdade? Há uma imensidão de dúvidas.

 

Por sorte, há um PE recheado de certezas, que reivindica à Comissão Europeia legislação capaz de regulamentar (um verbo predilecto) o equilíbrio conjugal nas histórias para petizes - no papel e também no cinema, na televisão, na publicidade e onde calhar. O argumento (digamos) é o de que os "estereótipos negativos de género" minam a "confiança" e a "auto-estima" das jovens, limitando as suas "aspirações, escolhas e possibilidades para futuras possibilidades [a repetição não é gralha] de carreira". Quem fala assim não é gago: é semianalfabeto na medida em que escreve com os pés, arrogante na medida em que submete a liberdade criativa à engenharia social e um bocadinho maluco na medida em que confunde a fantasia com o quotidiano.

 

Não tenho opinião sobre os modelos imaginários que devem orientar as criancinhas. Em compensação, parecem-me evidentes os modelos palpáveis de que as criancinhas devem ser protegidas a todo o custo - a menos, claro, que os pais lhes desejem um emprego em Bruxelas, a incomodar o próximo para entreter o ócio e realizar uma vocação.»

publicado às 13:19

Alberto Gonçalves, Os mártires da banda larga:

 

«A propósito dos distúrbios de quarta-feira em São Bento, um dilema: que partido tomar nos confrontos entre a polícia e populares com pedras ou populares que se juntam a populares com pedras? É fácil: numa ditadura, branda que seja, deve-se defender os segundos; numa democracia, fraquinha que esteja, convém preferir a primeira. Embora não tenha nenhum fascínio pelas forças da ordem, lido pior com as forças da desordem, ou no caso os bandos de delinquentes que tentam contrariar pelo caos a escolha de milhões nas urnas. Numa sociedade apesar de tudo livre, cada indivíduo devotado à destruição de propriedade pública ou privada é uma homenagem à prepotência e, para usar um conceito recorrente por cá, um autêntico fascista. Se os fascistas que empunham calhaus (e os patetas que se lhes associam) querem impor arbitrariamente a vontade deles sobre a nossa, é natural considerarmos que uma derrota deles, ou uma bastonada na cabecinha, é uma vitória nossa.

 

É verdade, admito, que há quem hesite em chamar democrático ao regime vigente e livre à sociedade actual. Mas também não é difícil dissipar as dúvidas. Se os manifestantes detidos desaparecem sem deixar rasto e provavelmente para sempre, a coisa tende para o despotismo. Se, passadas três horas, os manifestantes reaparecem nas respectivas páginas da ditas redes sociais a exibir mazelas ligeiras e a choramingar o zelo securitário, a coisa tende obviamente para o lado bom. E cómico.

 

Aliás o Público, sem se rir, publicou uma reportagem hilariante acerca do assunto, ou da falta dele, sob o não menos hilariante título "Manifestantes abrigaram-se no Facebook para mostrar as feridas". A reportagem é uma sucessão de anedotas explícitas e implícitas, de que custa destacar uma. Talvez a distância que separa a repressão de que os agredidos se queixam do conforto do lar (com banda larga) e da liberdade de expressão de que beneficiam. Talvez a velocidade com que sujeitos fascinados pela violência passam a esconjurá-la quando esta se volta contra si. Talvez os inúmeros desabafos líricos despejados na internet e que o mencionado diário leva aparentemente a sério (um exemplo: "Não fugimos da justiça, em nome do rapaz em sangue que perguntava insistentemente 'porquê, porquê?'"). Talvez a citação do escritor Mário de Carvalho, que comparou o sucedido nos degraus do Parlamento às "ditaduras da América Latina".

 

À semelhança do rapaz em sangue, pergunto: porquê, porquê ficarmo-nos apenas pela referência às tiranias sul-americanas (já agora, quais: a cubana? A venezuelana? A utopia socialista de Jonestown? A argentina que na guerra das Falkland os comunistas apoiaram por oposição ao Reino Unido? Desconfio que será exclusivamente a chilena)? Com jeitinho, acaba-se a comparar a carga policial ao Holocausto ou ao genocídio do Ruanda, cujas vítimas só careciam de uma ligação à "rede" para sofrer tanto quanto os mártires de São Bento, caídos em combate às mãos da PSP. E levantados de imediato junto ao teclado e ao rato mais próximos. Ratos e homens, de facto.»

publicado às 18:36

Um país governado por provincianos mentais

por Samuel de Paiva Pires, em 08.07.12

Alberto Gonçalves, Doutores e engenheiros:

 

«Para chegar a José Sócrates, a Miguel Relvas apenas falta fingir que pratica jogging e estuda em Paris. No resto, as semelhanças arrepiam um céptico. O dr. Relvas manda no Governo. O dr. Relvas cuida das clientelas do principal partido do Governo. O dr. Relvas emite propaganda reformista enquanto manobra para que reforma alguma seja realizada. O dr. Relvas coloca frequentemente jornalistas na ordem e vale-se da honrada ERC e da apatia geral para escapar impune. O dr. Relvas vê o seu óptimo nome chamado a casos no mínimo pouco edificantes e no máximo criminosos. E o dr. Relvas dá-nos razões de sobra para acrescentarmos o título antes do nome por pura ironia.

 

À semelhança do eng. (se soubessem o gozo que esta abreviatura me dá) Sócrates, o dr. (idem) Relvas parece igualmente ter adquirido a licenciatura num vão de escada, ou pelo menos no topo de uma escada sem muitos degraus. Os pormenores do primeiro caso, incluindo o fax ao domingo, são já lendários. Os pormenores do segundo, agora divulgado, preparam-se para ingressar na lenda.

 

De acordo com a imprensa, o dr. Relvas frequentou, em 1984 e na prestigiada Universidade Livre, os cursos de História, de que concluiu uma disciplina (com dez valores), e de Direito, de que não concluiu nenhuma. Onze anos depois, inscreveu-se no curso de Relações Internacionais na Universidade Lusíada, sem sequer ter frequentado qualquer cadeira. Em 2006/2007, mudou-se para a Universidade Lusófona, que após uma aturada análise do percurso académico do dr. Relvas concedeu-lhe a equivalência num número indeterminado de disciplinas e a possibilidade de terminar o curso de Ciência Política e Relações Internacionais numa singela temporada. O dr. Relvas aproveitou a deixa, fez quatro disciplinas e, um belo dia de 2007, apareceu licenciado.

 

Espero ser redundante acrescentar que, por si, um diploma significa pouquinho. Só há duas atitudes mais saloias do que atribuir exagerada importância ao curso que se obteve legitimamente: pretender que se obteve um curso e "tirá-lo", visto que "tirar" é o termo, de forma ilegítima. Pelos vistos, o dr. Relvas escolheu a última hipótese, no que já começa a configurar uma tradição da nossa classe política e uma prova do respectivo, e ilimitado, provincianismo.

 

E se os provincianos com poder têm a desvantagem de atrasar uma sociedade, também têm a virtude de a transformar num divertimento para quem se dá ao luxo de contemplá-la à distância. Como o eng. Sócrates, o dr. Relvas diverte, quase tanto quanto o espectáculo dado pelos que se indignavam com a peculiar licenciatura do eng. Sócrates para hoje defenderem o direito do dr. Relvas à falcatrua e, em contrapartida, pelos que afiançavam a lisura curricular do eng. Sócrates para hoje exigirem a cabeça (simbólica, salvo seja) do dr. Relvas. É verdade que a direcção do PS preferiu o silêncio, à imagem da actual direcção do PSD aquando do "debate" sobre o "inglês técnico" do eng. Sócrates. Mas não se veja dignidade onde só existem interesses, privilégios e trapaças comuns. Estão bem uns para os outros, o "engenheiro", o "doutor", os séquitos de ambos, o ensino "superior" especializado em favores e, na medida em que toda a paródia resultará em nada, o país assim parodiado.»

publicado às 15:02

O humorista Boaventura Sousa Santos

por Samuel de Paiva Pires, em 24.06.12

Alberto Gonçalves, Rio para não chorar:

 

«Recentemente, Ricardo Araújo Pereira seguiu o remoto exemplo de Raúl Solnado e foi mostrar a comédia nacional aos brasileiros. Como o Ricardo é brilhante, é de presumir que a coisa tenha corrido bem. O pior é que, como tantas vezes sucede, o sucesso do bom abre as portas ao mau, ao péssimo, ao atroz e a Boaventura Sousa Santos, que enquanto comediante integra uma categoria à parte. Quer dizer, eu e a maioria das pessoas que conheço rimo-nos feito perdidos de cada intervenção do homem. Aliás, basta o homem aparecer para desatarmos às gargalhadas: ele é o sotaque de BSS, ele é o penteado de BSS, ele são os fatos de BSS para consumo ocidental, ele são as camisas exóticas de BSS para passeios no Hemisfério Sul. Para cúmulo, BSS fala.

 

No Brasil, durante os encontros de vozes "alternativas" que antecederam a Cimeira Rio+20, de resto duas notáveis oportunidades para o humor inadvertido, BSS falou. E explicou que a Europa precisa de aprender com os maravilhosos exemplos do Terceiro Mundo, experiência de que foi privada devido a séculos de colonialismo. Tradução: a menos que a Alemanha e a Inglaterra imitem os fraternais regimes da Bolívia ou da Venezuela, a Alemanha e a Inglaterra estão perdidas. A título de punch line, acrescentou ser necessário lutar contra a concentração de riqueza e o abismo entre ricos e pobres, eventualmente adoptando o modelo "bolivariano" e arruinando toda a gente.

 

É ou não é brilhante? O pior é que este estilo de comédia também é arriscado: muitos brasileiros não percebem o humor de BSS e tomam-no por um pensador de facto e não pela caricatura de uma sátira a uma paródia de um pensador. Ricardo Araújo Pereira apresenta-se como humorista e tem graça. A vastíssima maioria dos restantes humoristas indígenas apresenta-se como tal e não tem gracinha nenhuma. BSS apresenta-se como "cientista social" e suscita a estupefacção dos não iniciados, que hesitam entre levar aquilo à letra ou usufruir do seu potencial hilariante.

 

E o melhor de tudo passa pelo facto de não sabermos se o próprio BSS se leva igualmente a sério. A sério, só isto: sempre que se lamenta a fuga de cérebros do país, convém contrabalançá-la com a fuga de malucos. Infelizmente, estes regressam logo a seguir.»

publicado às 14:55

Estatismo à portuguesa

por Samuel de Paiva Pires, em 17.06.12

Alberto Gonçalves, Estado terminal:

 

«Na semana passada, a propósito da apreensão de automóveis em represália pelas dívidas ao fisco, brinquei aqui sobre a possibilidade de o Estado invadir habitações particulares para impor a sua lei. Afinal, não é brincadeira. Ao que parece, a Direcção-Geral da Saúde prepara-se para penetrar as casas das famílias com criancinhas a fim de "avaliar o risco" de acidentes domésticos e "sensibilizar" os pais. No papel, a coisa consiste em detectar os lugares onde se guardam medicamentos e detergentes, analisar o nível de protecção de janelas e varandas, inventariar as "medidas tomadas para evitar o risco de afogamento" e procurar papões debaixo da cama. Na prática, a coisa resume-se a um atestado de incompetência à população, decretada inimputável para cuidar de si e dos seus.

 

É verdade que a DGS, sigla adequada, promete que limitará as vistorias às famílias que as requisitarem. Porém, não sei se é pior tratar as pessoas como retardadas ou acreditar que as pessoas são retardadas a ponto de convocarem as autoridades para as iluminar. Em qualquer das hipóteses, o relevante é a educação, em Cuba, na Coreia do Norte e, aos poucos, nas democracias ocidentais, tornar-se um exclusivo do Estado, que agora aspira a orientar informalmente os petizes que há muito orienta de modo formal. Com óptimos resultados, acrescente-se.

 

Veja-se, a título de exemplo recentíssimo, os testes intermédios de Matemática. No 9.ºano, a média ficou-se pelos 31,1%. No 4.ºano, onde quase basta somar com os dedos, a média alcançou os 53,9%. Segundo Miguel Abreu, presidente da Sociedade Portuguesa de Matemática, 75% dos alunos que transitam para o antigo Ciclo Preparatório estão, talvez de forma irreparável, impreparados para aprender o que quer que seja. Entre os alunos que seguem para o Ensino Secundário, a percentagem de casos perdidos roça os 90%. Décadas de reformas, medidas, apostas, investimentos, desafios mais o lendário Magalhães terminaram nesta demonstração cabal da inépcia do Estado em ensinar os alunos a fazer contas. O que, dadas as contas do próprio Estado, não admira.

 

O que, num certo sentido, é admirável são as pretensões pedagógicas por parte dos poderes públicos. Sob todos os pontos de vista, o Estado é irresponsável, calão, desonesto, ignorante e - à atenção da DGS - prejudicial à saúde, física ou mental. Mesmo assim, semelhante evidência não lhe modera a vocação correctiva, um apetite por regulamentar tudo o que se mexe e, no que respeita aos detergentes e às varandas, tudo o que não se mexe também. A vontade do Estado em ensinar é directamente proporcional à incapacidade do Estado para aprender, e não há dúvidas de que precisa de uma lição. Os cidadãos é que não precisam das lições do Estado, e aqueles que acham o contrário merecem-nas.»

publicado às 14:52

Os jogadores de futebol são um exemplo para os jovens?!

por Samuel de Paiva Pires, em 10.06.12

Alberto Gonçalves, Oito factos sobre a selecção de futebol:

 

«Facto n.º 2: os jogadores da selecção são um exemplo para os jovens. Sem dúvida. Qualquer sujeito que não estudou, confiou na habilidade para os pontapés, conseguiu um emprego raro e fartamente remunerado no Real Madrid ou no Chelsea, aplica os rendimentos em automóveis de luxo, é incapaz de produzir uma frase em português corrente e enfeita o físico com jóias, tatuagens e penteados belíssimos constitui o modelo que os pais conscienciosos devem impor à descendência. De resto, a alternativa passa pelas Novas Oportunidades ou, erradicadas estas, pelo Impulso Jovem, que também promete.»

publicado às 14:19

Alberto Gonçalves, Cinzas:

 

«Interditar o fumo nos restaurantes (e aparentados) significa condenar de vez um sector que, só no primeiro trimestre do ano e sem a ajuda do Governo, despediu 15 900 funcionários e registou uma queda de 30% no negócio.

 

Por espantoso que pareça, se ainda nos espantarmos com alguma coisa, é isto o que um obscuro secretário de Estado da Saúde, um tal Leal da Costa, anunciou todo contentinho: até 2020, será proibido fumar em todos os "espaços públicos". Razoável? Com certeza, se os protótipos de governantes não considerassem públicos os espaços privados que o Estado assalta materialmente e, pelos vistos, agora orienta espiritualmente.

De resto, a restauração é apenas um exemplo dos alvos da "lei de restrição de não fumo" (é verdade, o sr. da Costa não subiu na carreira graças ao domínio da língua). Outro exemplo são os carros particulares, perdão, os carros públicos que os cidadãos compraram com o seu dinheiro e pelos quais pagam abusivas fortunas ao fisco no momento da compra e em incontáveis momentos posteriores.

 

Pois bem: se os carros transportarem crianças, não haverá cigarro para ninguém. O sr. da Costa explica: "Está demonstrado que a concentração de fumo na parte de trás do veículo é muito grande, além de que os plásticos ficam embebidos por material carcinogénico que vai sendo lentamente libertado" (o homem não aprendeu português, mas é versado em análises minuciosas a habitáculos).

 

Por acaso, também está demonstrado que a concentração de poder nas mãos de nulidades estimula a arrogância e é prejudicial ao sossego alheio. Por mim, frequento poucos restaurantes, raramente vou a cafés, não fumo no carro e nunca, nem sob ameaça de arma, conduziria na companhia de uma criança. Mas mesmo quando a opressão não nos atinge, a opressão incomoda. Mais do que o tabaco, o qual, aliás, possui a virtude de abreviar a partilha de um mundo absurdo com incontáveis srs. da Costa. Um já sobra. Ou sobramos nós.»

publicado às 12:52

Alberto Gonçalves, "O meu caso com o caso Relvas" (negrito meu):

 

«Os comentários às eventuais ameaças de Miguel Relvas a uma jornalista do Público são um perfeito retrato do país. Na semana passada, escrevi aqui que o papel, a ambição, o estilo e o respeito pelas regras democráticas do sr. Relvas lembram demasiado o eng. Sócrates. Num ápice, Estrela Serrano correu a acusar-me de "falácia", "desespero" e "desejo de proteger quem praticou a ameaça". Como de costume, Estrela Serrano não podia estar mais enganada.

 

Em primeiro lugar, porque as "provas" da comparativa inocência do eng. Sócrates que Estrela Serrano exibiu no seu blogue (vaievem.wordpress.com) constituem evidências bastante razoáveis da respectiva culpa. Em segundo lugar, porque ao contrário de Estrela Serrano nunca aceitei cargos de nomeação política e nem sequer convivo com políticos (uma tentação recorrente em jornalistas com aspas), pelo que não me desespero com eventuais abalos nas carreiras deles. Em terceiro lugar, porque atribuir-me instintos protectores face ao sr. Relvas, cuja relevância no actual governo desde o início me pareceu uma afronta à credibilidade do mesmo, é, no mínimo, um indício da distância que separa Estrela Serrano do discernimento.

 

Não censuro a senhora, que se limita a presumir em mim os hábitos dela e da pátria em geral. No fundo, o amor à liberdade de expressão que Estrela Serrano descobriu agora é aquele que lhe faltava quando os antecessores do sr. Relvas procuravam, e às vezes conseguiam, silenciar jornalistas. À época, acrescento entre parêntesis, Estrela Serrano pontificava na Entidade Reguladora da Comunicação Social (ERC), agremiação que, vá lá perceber-se, jamais encontrou vestígio de ilicitude na relação do governo de então com os media.

 

Estrela Serrano é muito portuguesa, e Portugal é um lugar onde as convicções derivam de simpatias partidárias, compadrio e arranjinhos à mesa do restaurante. De tão infantil, só a descrição da paisagem deprime: os que negavam os abusos do PS são os que hoje se indignam com os abusos do PSD; os que se indignavam com os abusos do PS são os que hoje negam os abusos do PSD. Contra toda a evidência e a favor de todo o compromisso, os apoiantes de uns perdoam-lhes o que condenavam noutros e os apoiantes dos outros indignam-se face ao que lhes era indiferente. Os primeiros perdem a razão que tinham. Os segundos não ganham razão nenhuma.

 

Gostaria, insisto, que Estrela Serrano não me julgasse pelos critérios que a orientam. Se digo que o presumível desvario do sr. Relvas não é inédito não pretendo dizer que o desvario é desculpável, mas que o indesculpável clima que o propiciou já vem de trás. O sr. Relvas faz o que quer na medida em que os seus parceiros de ofício sempre fizeram o que queriam. E o sr. Relvas sairá provavelmente impune na medida em que a impunidade tácita do ofício é regra da casa.

 

Se acontecer assim, é pena. Acho que, menos pelo episódio do Público do que pelo rústico enredo de espionagem que originou o episódio, o sr. Relvas não devia permanecer no governo. Acho que a direcção do diário em causa não devia ser selectiva na escolha das pressões que valentemente denuncia ou que estrategicamente esconde. Acho que o jornalismo que dorme com políticos não devia estranhar que os leitores fujam da promiscuidade. Acho que quem aguarda a sentença da absurda ERC devia esperar sentado. Acho que, em vez de alucinações, Estrela Serrano devia ter vergonha.»

publicado às 15:08

O normalíssimo François Hollande

por Samuel de Paiva Pires, em 13.05.12

Alberto Gonçalves, "Liberdade, igualdade, normalidade":

 

«Enquanto obedece à tradição local e enche a boca de fanfarra nacionalista para falar de "la France", François Hollande gosta de se proclamar "um homem normal". A imprensa, por lá e por cá, gostou do auto-retrato e, decerto para evitar canseiras, desatou a usá-lo com abundância nas manchetes da vitória: "uma presidência 'normal'"; "um senhor 'normal' no Eliseu"; "a vitória de um homem 'normal'", etc. O adjectivo define menos o sr. Hol- lande do que a concepção que o sr. Hollande e, pelos vistos, boa parte dos jornalistas têm da normalidade.

 

Basta espreitar o currículo do sujeito. Em 1974, ainda estudante universitário, o sr. Hollande voluntariou-se para a campanha de François Mitterrand. Mal se licenciou, conseguiu emprego numa comissão governamental. Aos 25 anos, inscreveu-se no Partido Socialista. Aos 27, concorreu ao Parlamento nacional. Não ganhou, mas viu o esforço recompensado com um cargo de conselheiro do então recém-eleito Mitterrand. Em 1983 foi vereador de uma cidadezinha do interior e, em 1988, chegou enfim a deputado, posto que perdeu em 1993 e recuperou em 1997. Pelo meio, divertiu-se em tricas partidárias e Lionel Jospin escolheu-o para porta-voz do PS. Nem de propósito, em 1997 tornou-se líder do PS, honra que lhe caberia por mais de uma década. Em 2001, pairou pela autarquia de Tulle. Desde 2008, o sr. Hollande prosseguiu o tirocínio numa presidência regional. Agora, é presidente da República.

 

Um homem normal? Normalíssimo, se a palavra definir as criaturas que passam a vida inteira sem, digamos, trabalhar. Esta linha de pensamento olha de viés os que algum dia arriscaram colocar o pé fora da política e experimentaram uma profissão a sério. O sector privado é coisa de excêntricos e, convenhamos, de excêntricos pouco confiáveis. Na França e aqui, o Estado é a norma.

 

As ideias do sr. Hollande também são normais. Naquilo que nos toca, conheço-lhe uma: a austeridade é má. E não custa nada encontrar gente, igualmente normal, que partilha a opinião. Só em Portugal, Francisco Louçã reclama o fim da austeridade, Mário Soares jura que a austeridade não faz sentido e António José Seguro, que naturalmente tomou o triunfo do sr. Hollande a título pessoal, acha a austeridade excessiva e dispõe-se a sair à rua em protesto.

 

É inacreditável como é que ninguém se lembrou disto antes. Afinal, a solução não passa por apertos que nos atormentam a bolsa e a existência: passa, obviamente, pelo crescimento, definição lata para a estratégia que consiste em gastar acima das possibilidades, viver de prometidos mundos e fundos, contemplar a descida das promessas à Terra, acumular dívida, rebentar com estrondo e atribuir a culpa de tudo às agências de rating, à sra. Merkel e, grosso modo, ao capitalismo selvagem.

 

Para surpresa de uns poucos (muito poucos), a solução dos problemas implica o regresso ao estilo descontraído que alimentou os problemas. E se a solução talvez não seja o sr. Hollande, entretanto já empenhado em desmentir os delírios de campanha e prevenir os franceses para as maçadas que os esperam, é garantido que a solução virá, no mínimo espiritualmente, de França. Chama-se José Sócrates e é, para sermos educados, outro homem normal.»

publicado às 14:23

Alberto Gonçalves, É proibido permitir:

 

«Após festejar um golo do Benfica durante um programa de comentário desportivo em que participava regularmente há anos, João Gobern foi despedido da RTP. Argumentando que "a liberdade de cada um de nós termina quando conflitua com a de alguém" e que "houve quebra na confiança com o espectador", o responsável pela informação da estação, Nuno Santos, decidiu, nas suas palavras, "cortar a direito". Embora eu guarde de João Gobern boas recordações (do tempo em que foi meu director nos primórdios da revista Sábado), acho que, perante a extrema gravidade do gesto, nem Nuno Santos tinha alternativa nem Nuno Santos tem prestado a devida atenção aos restantes conflitos de liberdade e quebras na confiança com o espectador recorrentes na televisão pública.

 

Dado que Nuno Santos aparentemente desconhece, aproveito para informá-lo de que os canais que dirige estão repletos de parlatório futebolístico no qual, mais do que a comemoração de golos, os intervenientes contratados afirmam-se sem pudor adeptos de um clube e defendem esse clube acima de toda a racionalidade. Também denuncio a Nuno Santos os relatadores, comentadores e repórteres que exibem às claras a preferência por equipas portuguesas (mesmo sem portugueses) em detrimento de equipas estrangeiras (mesmo com portugueses), os péssimos profissionais que falam no Real Madrid "de" José Mourinho e os falsos profissionais que em directo "torcem" pela selecção nacional contra selecções de países que podem merecer a simpatia de qualquer cidadão.

 

E não é só na bola que se conflituam liberdades e quebram confianças. Nuno Santos obviamente nunca viu, mas a sua empresa transmite com frequência debates sobre a actualidade política que opõem militantes ou dirigentes partidários sem vestígio de isenção. Ou "telejornais" que dão por adquirida a veracidade de mitos da estirpe do "aquecimento global" e da bondade da "rua árabe". Ou noticiários regionais que se limitam a reproduzir propaganda autárquica. Etc.

 

Acima de tudo, se Nuno Santos não sabia, fica a saber que, entre a qualidade e o lixo, a RTP opta, com raras excepções, pelo segundo, o que compromete fatalmente a desejada neutralidade. Aliás, a própria existência da RTP, por contraposição ao seu fecho sumário, representa uma tomada de posição que, além de estilhaçar a confiança dos espectadores sem liberdade de escolha, abalroa-lhes as finanças. O que, se Nuno Santos me permite a opinião (em podendo, não permite e faz muito bem), ainda é pior.»

publicado às 14:14

Ainda a greve não tão geral quanto isso

por Samuel de Paiva Pires, em 25.03.12

Alberto Gonçalves, A greve deles:

 

«O pior da greve geral? Por incrível que pareça, não foi a própria greve, pensada para recuperar a economia e o emprego através da destruição abreviada da economia e do emprego. Durante o PREC, Arménio Carlos, vestígio arqueológico que constitui o novo rosto da Intersindical, combateria as paralisações e apelaria aos dias de trabalho em prol da Nação. Sem uma ditadura que o motive ou sombra de juízo, o sr. Carlos luta pelos propósitos inversos sob argumentos idênticos.

 

E não, o pior da greve geral não foram os "piquetes", embora a respectiva contemplação (pelo televisor, salvo seja) me provoque uma reacção semelhante à dos programas do National Geographic sobre animais bizarros. Como classificar criaturas que não só abdicam do direito ao trabalho em circunstâncias socialmente difíceis e individualmente frágeis, mas vão ao ponto de usar uma opção que tomaram em liberdade para limitar a liberdade dos restantes e, a bem ou a mal, impedi-los de trabalhar? Os integrantes dos "piquetes" de greve não são apenas um insulto ou um assalto explícito aos cidadãos que pretendem cumprir o seu dever e que, graças à intervenção de milícias, não o conseguem: são um insulto e um assalto à democracia.

 

O pior da greve geral também não foi a quadrilha autodesignada 15, 17 ou 23 de Outubro, ainda que, ao invés dos sindicatos que usurpam a representação de uns poucos para tentar prejudicar a maioria, a quadrilha não represente ninguém. O trabalho da CGTP é a política: a política do Não Sei Quantos de Outubro não apresenta qualquer nexo com o trabalho. Na impossibilidade técnica de fazerem greve ao que nunca possuíram ou desejaram, os sócios do Não Sei Quantos de Outubro fazem asneiras. Os dias de protesto são os únicos em que semelhante rapaziada pratica alguma tarefa aparentada com o esforço, se por esforço entendermos o lançamento de pedregulhos e o ataque a propriedade alheia.

 

Por fim, o pior da greve geral nem sequer foram as forças policiais, por muito que consentissem os pequenos e médios crimes dos "piquetes" e do Não Sei Quantos de Outubro e se dedicassem, mediante bastonadas preventivas, a orientar a actividade dos repórteres de serviço.

 

O pior da greve geral foi, sem me permitem a palavra, o povo, o exacto povo que tolera com excessiva paciência as abjecções cometidas em seu nome e contra si. E o melhor da greve geral foi o povo que a transformou num fiasco vergonhoso, isto na vaga hipótese de os perpetradores da coisa estarem familiarizados com a vergonha.»

 

Leitura complementar: Os piquetes de greve deveriam ser proibidosA existência de piquetes de greve é inaceitável numa sociedade livre.

publicado às 15:00

O anacronismo do Dia Internacional da Mulher

por Samuel de Paiva Pires, em 11.03.12

Alberto Gonçalves, crónica Esta rotunda pátria, sub-título "Os homens que dormem contigo na cama":

 

«Mais um ano, mais um Dia Internacional da Mulher. Alguns acham escandaloso que em pleno século XXI ainda haja necessidade de assinalar a data. Eu estranho que em pleno século XXI alguns ainda achem a data neces- sária. E sobretudo que algumas se empenhem tanto na respectiva comemoração.

 

A menos que a coisa possua virtudes insuspeitas, debater, louvar e sequer considerar o papel da "mulher" genérica é enlatar cada senhora numa categoria que lhe esgota a identidade e, à semelhança de qualquer categoria, a limita. Também é um embaraço para as mulheres que levam as suas vidas sem complexos ou favores e uma condenação das mulheres que não beneficiaram de idêntica sorte. Não imagino que uma criatura pensante goste de se ver totalitariamente definida pela etnia, orientação sexual, simpatia partidária ou níveis de colesterol. Ou pelo género. Não me admiraria que o ruído alusivo à efeméride fosse uma conspiração do macho da espécie para subalternizar a fêmea mediante piropos vazios e bajulação. Entre resmas de banalidades, juro que um "telejornal" exibiu Carlos Mendes a cantarolar Amélia dos olhos ooces a título de homenagem ao feminino. Se o objectivo não era reduzir o feminino a uma anedota, parecia.

 

E depois há o resto. Só por si, o facto de o Dia Internacional da Mulher ter começado como uma reivindicação sufragista e prosseguido como uma bandeira da propaganda soviética torna-o um bocadinho anacrónico, por um lado, e desagradável, por outro. O facto de o louvor das mulheres que ascendem ao poder tender para uma selectividade ideológica que exalta Pinta.silgo ou a "presidenta" do Brasil e achincalha Manuela Ferreira Leite ou Thatcher torna todo o exercício pouco credível. O facto de muitos dos entusiastas actuais se mostrarem aflitos com a discriminação, real ou imaginária, de uma "mulher" mítica nas sociedades ocidentais enquanto se deixam fascinar por culturas que continuam a tratar mulheres de carne e osso com desprezo e crueldade torna o exercício ligeiramente repugnante.

 

Na melhor das hipóteses, o Dia Internacional da Mulher legitima o cliché da mulher indefesa e carente de ajuda varonil. Na pior, serve-se das mulheres para alimentar interesses particulares. Vale que uma incauta capaz de cair em tão grosseiro truque é digna dele.»

publicado às 18:44

O Acordo Ortográfico é que profana a língua portuguesa

por Samuel de Paiva Pires, em 04.03.12

Alberto Gonçalves, O caso Krugman:

 

"O senhor professor doutor (de Coimbra, Deus magnânimo e todo poderoso!) Carlos Reis, uma das sumidades enigmáticas que conspiraram o Acordo Ortográfico, protestou veementemente as recentes declarações do secretário de Estado da Cultura, segundo o qual cada cidadão é livre de seguir ou não as regras do dito Acordo, aliás susceptível a "ajustamentos" até 2015.

 

Assim de repente, o único ajustamento que me perece adequado seria a anulação de tamanha vergonha. Quanto ao livre-arbítrio, não preciso que o Francisco José Viegas, que de resto muito estimo, me conceda autorização para escrever a língua que aprendi e não a mistela apátrida agora implantada.

 

Naturalmente, o prof. Reis discorda, quer da liberdade, quer dos ajustamentos. O sábio acha absurdo que se profane o português de "forma unilateral e casuística", excepto, claro, quando semelhante forma está do lado dele e o português em causa é a desgraça que ele ajudou a criar. Conheço poucos processos tão unilaterais quanto o AO, não só porque alguns dos países envolvidos se recusam a aplicá-lo, mas sobretudo porque se trata de uma invenção de emproados com demasiado tempo livre e de uma imposição política e postiça. Quanto à "casuística", julgo que a palavra ainda designa o tratamento de um assunto através de subtilezas e artifícios, a definição perfeita dos meandros do AO, uma fraude erguida pelos autores a missão das suas vidas. Há vidas tristes, uma tristeza que deveríamos lamentar mas não expiar."

 

Leitura complementar: Contra o processo de apagamento da identidade portuguesa em cursoContra a novilíngua do acordêsContra a submissão ao estado moderno na forma do acordês, acordai portugueses!

publicado às 15:02






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