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De Afonso Henriques a Zeca Afonso, e independentemente de preferências ideológicas, o caminho da liberdade de expressão em Portugal não foi certeiro. Nesse trilho de opiniões, juízos de valor e preconceitos, muitos regimes de censura barraram as vozes que desejavam fazer ruir o atavismo em nome de uma nova ordem, desconhecida, mas certamente melhor. No entanto, as cancelas que colocaram sobre as vias nem sempre foram políticas. Muitas das vezes foram culturais. Barreiras interpostas por agentes culturais, auto-proclamados superiores, e que supostamente iriam agir em nome do interesse colectivo, da sociedade. A explosão democrática de 1974 libertou os discursos enclausurados, mas, quase simultaneamente, consagrou a expressão de práticas corporativas. Em quarenta anos de direitos, deveres, liberdades e garantias, os libertados apropriaram-se dos vícios e defeitos endémicos daqueles que quiseram derrubar. A inexistência de lobbies perfeitamente estabelecidos levou a que um sem número de confrarias das artes e letras, ciências e práticas empíricas florescesse na sombra do consentâneo, para promover os interesses e defender os privilégios dos seus "associados". A revolução, perspectivada a esta distância, e com a devida parcimónia ideológica-partidária, serviu para dar a volta completa e chegar ao estado semi-consciente do presente marasmo. Na grande algazarra da desorientação, responsabilidade e culpas por atribuir, Portugal pode se orgulhar da conquista do megafone com o 25 de Abril. Qualquer indivíduo ou colectividade, pode, como mais ou menor jactância, levar ao rubro da sua oralidade a reclamação ou a discordância. Qualquer mensagem ou pseudo-mensagem pode ser veículada. Nesse processo de derrame mental, a profundidade de pensamento, a fundamentação e a reflexão séria, foram comprometidas. À emissão ruidosa segue-se a resposta visceral, pequena. O discursante, embalado pela razão, não necessita de poleiros determinados institucionalmente. Aproveita o local e a hora que quiser para reagir como bem entende. Observámos ao longo destes últimos anos que as manifestações tomaram as ruas, inundaram os blogues e as redes sociais, mas não foram capazes de contagiar o derradeiro bastião da transformação - os orgãos políticos e de soberania da república portuguesa, que não têm grande interesse em alterar o seu comportamento. Ao mesmo tempo, convenhamos, os "grandes pensadores" de Portugal estiveram ausentes do país. Desligaram os motores e deixaram andar as carruagens até chegarmos ao destino em que nos encontramos. Os titulares de cargos públicos, criteriosamente colocados nessa posição pelo povo português, não quiseram interpretar convenientemente os sinais urgentes que emanam da sociedade. O governo, a oposição, a presidência da república e os tribunais constitucionais, fazem uso, para garantir o status quo, de um conjunto de regras tácitas de equilíbrio relativo, de permanência. Nenhuma das partes envolvidas desarma por completo, nenhum dos agentes quebra as suas convicções, porque sabe, que qualquer que seja o resultado, permanecerão sobre o tabuleiro da conveniência, dos interesses económicos e financeiros, da alternância entre as mesmas opções políticas onde não impera o pensamento, a grande filosofia das sociedades. Portugal está enleado numa discussão de trânsito, em tira-teimas à novela mexicana, em mexericos de ocasião e, perde, para seu mal, uma perspectiva de futuro que seja abrangente, válida e sustentável. De Fernando Tordo a Alexandra Lucas Coelho, o espectador deixou-se distrair pelas figuras de estilo e pelas bofetadas mediáticas, em vez de se concentrar no fundamental, naquilo que trará benefícios ao país, aos milhares de desempregados que estão a leste destas moelas deploráveis. Os paladinos da inteligência querem lá saber da arraia miúda. Esses privilegiados pela coluna de opinião e pela obra didáctica, podem ostentar as cicatrizes da ofensa ao seu bom nome, mas tudo isso não passa de narcisismo, de importância excessiva atribuída às causas erradas, ao seu umbigo, enquanto Portugal passa mal. E assim Portugal não passa de um fado - um triste fardo.