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O Expresso perguntou a 12 jovens os seus desejos para 2022. Aqui fica o meu;
Menos estadão, mais liberdade
Quando os políticos nos tentam fazer crer que a mera delegação de competências administrativas nos municípios equivale a um processo de descentralização, concluímos que o Estado-aparelho de poder hierarquista, centralizador e habituado a mandar de cima para baixo continua a subjugar-nos.
Falta cumprir-se, como escreveu Alexandre Herculano, “a administração do país pelo país (...) realização material, palpável, efetiva da liberdade na sua plenitude”.Sob pena de continuarmos enredados num debate em que se confunde deliberadamente descentralização com deslocalização e delegação de competências administrativas, torna-se desejável e necessário um sobressalto cívico que contribua para uma discussão esclarecida e conduza a um verdadeiro processo descentralizador, feito de baixo para cima. É preciso que se criem níveis intermédios de governação que tornem o sistema político mais representativo e participativo, concretizando o princípio da subsidiariedade e aproximando a decisão política das comunidades locais.
A plena liberdade poderá ser realizada pela descentralização política por via da regionalização, implicando necessariamente a reforma do actual sistema eleitoral de uma democracia sem povo, onde este é apenas chamado a ratificar as listas feitas à porta fechada pela partidocracia. Para romper com o excessivo domínio da vida pública pelos partidos, que, como também assinalava Herculano, carecem da centralização para preservar o poder, urge que a sociedade civil seja capaz de se mobilizar e de os pressionar.
O estadão a que chegámos não é nem tem de ser o fim da história.
As reacções que temos visto e ouvido por aí a propósito da velhacaria bandoleira que tomou de assalto a ordem pública, não serão, vistas bem as coisas, uma manifestação estreme daquilo a que Montanelli designava como o triunfo da mediocridade? Eu tento, palavra de honra que tento, discordar do jornalista italiano, mas, ao ver estas amostras só posso assentir com a tese, tão cara a Montanelli, de que a democracia é, por natureza, o triunfo da mediocridade. Isto para não chegar ao extremo de Herculano que dizia, e provavelmente com alguma razão, que o democratismo levado ao extremo é sinónimo de morte. Morte e ruína, acrescentaria eu.
Parece que de há uns anos a esta parte o debate público está dominado pelas oposições entre mais austeridade ou menos austeridade, menos estado ou mais estado, público ou privado. Infelizmente, porém, raramente se discute verdadeiramente o que subjaz a estes conceitos e quantificações, ou seja, não se qualifica aquilo de que se fala, pelo que muitas pessoas acabam a falar para as paredes ou a falar com outras sobre coisas que embora tenham o mesmo nome, podem e têm mesmo entendimentos diferentes e até divergentes. O debate público português (e talvez mesmo o europeu e até o americano) está afunilado e esgotado. Pior que a pobreza económica, só a pobreza intelectual. "Isto dá vontade de morrer", como diria Herculano, ou pelo menos de nos exilarmos voluntariamente como ele. É que como diria Cícero, "Se temos uma biblioteca e um jardim, temos tudo o que precisamos."
Miguel de Unamuno, "De Portugal", in Portugal, povo de suicidas:
"«Ideias não se encontram... a não ser a que esses homens beberam nos livros franceses mais vulgares e triviais.» Isto é hoje aqui tão verdade como era quando Herculano o escreveu há meio século. Do livro terrível e triste de Oliveira Martins, de que lhes tenho dado passagens, leiam o que diz da ciência desordenada das classes médias portuguesas. Sim; esta pseudociência, este positivismo pseudo-progressista, é pior, muito pior, do que esses fatídicos oitenta por cento de analfabetos de que tanto falam os afrancesados portugueses partidários do positivismo. «A fortuna dos ricos, a sorte dos pobres, vão pois guiadas por uma coisa pior ainda do que a ignorância - a ciência falsa, sempre pedante.»"
Gabriel Silva deixou no Blasfémias, uma muito oportuna carta que Alexandre Herculano endereçou a Oliveira Martins. Pela sua actualidade, consiste numa deleitosa leitura e compreende-se também, o porquê do esquecimento do bicentenário do nascimento de um dos fundadores da Monarquia Constitucional.
2010 obrigou o contribuinte ao pagamento da "coima pela República", exaltando-se uma mão-cheia de bandidos e de excelsas mediocridades, cujos sucedâneos vão a votos dentro de um mês. Se a lei da natureza, do escritor se tivesse esquecido durante mais umas décadas, Alexandre Herculano reservaria umas tantas linhas lapidares a Costas, Bernardinos, Buíças, Alves dos Reis, Dentes d'Ouro, Camachos ou Almeidas mais ou menos conhecidos.
"Uma das nossas manias, que se manifesta de modo escandaloso neste tempo de varejo, é a de não nos deixar roubar (desculpe o termo velho, porque não me ocorre outro) por aqueles pobres mártires, nem no trabalho que ajustaram dar-nos, mediante um salário livremente ajustado, nem nos frutos das árvores, que, por cega preocupação, supomos nossos, com o frívolo fundamento de que as compramos ou plantamos."