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As reacções que temos visto e ouvido por aí a propósito da velhacaria bandoleira que tomou de assalto a ordem pública, não serão, vistas bem as coisas, uma manifestação estreme daquilo a que Montanelli designava como o triunfo da mediocridade? Eu tento, palavra de honra que tento, discordar do jornalista italiano, mas, ao ver estas amostras só posso assentir com a tese, tão cara a Montanelli, de que a democracia é, por natureza, o triunfo da mediocridade. Isto para não chegar ao extremo de Herculano que dizia, e provavelmente com alguma razão, que o democratismo levado ao extremo é sinónimo de morte. Morte e ruína, acrescentaria eu.
Parece que de há uns anos a esta parte o debate público está dominado pelas oposições entre mais austeridade ou menos austeridade, menos estado ou mais estado, público ou privado. Infelizmente, porém, raramente se discute verdadeiramente o que subjaz a estes conceitos e quantificações, ou seja, não se qualifica aquilo de que se fala, pelo que muitas pessoas acabam a falar para as paredes ou a falar com outras sobre coisas que embora tenham o mesmo nome, podem e têm mesmo entendimentos diferentes e até divergentes. O debate público português (e talvez mesmo o europeu e até o americano) está afunilado e esgotado. Pior que a pobreza económica, só a pobreza intelectual. "Isto dá vontade de morrer", como diria Herculano, ou pelo menos de nos exilarmos voluntariamente como ele. É que como diria Cícero, "Se temos uma biblioteca e um jardim, temos tudo o que precisamos."
Miguel de Unamuno, "De Portugal", in Portugal, povo de suicidas:
"«Ideias não se encontram... a não ser a que esses homens beberam nos livros franceses mais vulgares e triviais.» Isto é hoje aqui tão verdade como era quando Herculano o escreveu há meio século. Do livro terrível e triste de Oliveira Martins, de que lhes tenho dado passagens, leiam o que diz da ciência desordenada das classes médias portuguesas. Sim; esta pseudociência, este positivismo pseudo-progressista, é pior, muito pior, do que esses fatídicos oitenta por cento de analfabetos de que tanto falam os afrancesados portugueses partidários do positivismo. «A fortuna dos ricos, a sorte dos pobres, vão pois guiadas por uma coisa pior ainda do que a ignorância - a ciência falsa, sempre pedante.»"
Gabriel Silva deixou no Blasfémias, uma muito oportuna carta que Alexandre Herculano endereçou a Oliveira Martins. Pela sua actualidade, consiste numa deleitosa leitura e compreende-se também, o porquê do esquecimento do bicentenário do nascimento de um dos fundadores da Monarquia Constitucional.
2010 obrigou o contribuinte ao pagamento da "coima pela República", exaltando-se uma mão-cheia de bandidos e de excelsas mediocridades, cujos sucedâneos vão a votos dentro de um mês. Se a lei da natureza, do escritor se tivesse esquecido durante mais umas décadas, Alexandre Herculano reservaria umas tantas linhas lapidares a Costas, Bernardinos, Buíças, Alves dos Reis, Dentes d'Ouro, Camachos ou Almeidas mais ou menos conhecidos.
"Uma das nossas manias, que se manifesta de modo escandaloso neste tempo de varejo, é a de não nos deixar roubar (desculpe o termo velho, porque não me ocorre outro) por aqueles pobres mártires, nem no trabalho que ajustaram dar-nos, mediante um salário livremente ajustado, nem nos frutos das árvores, que, por cega preocupação, supomos nossos, com o frívolo fundamento de que as compramos ou plantamos."