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O Daniel Oliveira fez, muito provavelmente, um pacto com o Diabo, só isso justifica a febre comicieira com que o colunista avençado pelo Dr. Balsemão se tem adornado nas últimas semanas. Hoje é Soares dos Santos, ontem foi Cavaco, e amanhã será, talvez, Bush, ou, quiçá, Salazar. Nada escapa à pluma justicieira do bloquista socratizado. É tudo uma questão de prioridades, como diria o outro. Mas, hoje, Daniel Oliveira conseguiu, mais uma vez, superar-se. Atentem nesta passagem riquíssima de conteúdo: "É que saber vender iogurtes de pedaços, bacalhau demolhado da Noruega e champôs anticaspa não nos dá obrigatoriamente habilitações culturais e políticas fora do comum. Mesmo quando destinamos parte do dinheiro conseguido com a venda de Oreos e rolos Renova ao financiamento de fundações para propaganda ideológica". De feito, vender champôs anticaspa e bacalhau demolhado da Noruega não confere, obrigatoriamente, habilitações culturais e políticas fora do comum, porque, como qualquer leitor medianamente informado sabe ou deveria saber, a cultura é um atributo exclusivo das cabecinhas chiques e pensadoras que pululam em torno dos partidos da esquerda festiva. Seria até um pecado incomensurável admitir a mera possibilidade de a actividade merceeira produzir gente intelectualmente elevada. Já se sabe que, na acepção deste epígono da esquerda moderna, a inteligência não é apanágio do mundo material, do universo da luta de classes, em que o operário secundário e terciário maneja os instrumentos de produção em total conflito com o patrão soba e ganancioso. A cultura pertence às vanguardas, sejam elas as vanguardas leninistas do poder arrebanhado à custa do genocídio colectivo, ou as vanguardas do risco abstracto, com as banalizadas derivações pós-modernas. Mas esta visão comezinha das coisas choca com um ponto inarredável: a inteligência não escolhe cores, idades, raças, e classes, é ampla e universal, e, paradoxo dos paradoxos, é, também, elitista. Sim, elitista, mas num sentido diametralmente oposto ao preconizado pelo omnsciente Oliveira. A inteligência é elitista na medida em que, não escolhendo classes nem idades, acolhe no seu seio as mentes mais brilhantes e meritosas, e, para infortúnio dos infortúnios, nem todos são bafejados à nascença com o brilhantismo do raciocíno e da cultura. Alexandre Soares dos Santos tem, com certeza, os seus defeitos, mas tem uma qualidade que o distingue de muito boa gente que anda por aí a opinar sobre a desgraça portuguesa: é inteligente. Além de ter amealhado uns bons milhões, teve, veja-se só, a supina lata de erigir uma fundação destinada à produção de ideias e pensamento, actividade essa, que em Portugal gera muita urticária em certas luminárias. E não, não é uma fundação para propaganda ideológica, no sentido em que, por exemplo, o preclaro Oliveira a vê. A FFMS, com algumas insuficiências, é certo, tem feito um trabalho muito meritório na discussão aberta e desempoeirada dos grandes gargalos da sociedade portuguesa. E tem-no, sublinhe-se, conseguido. É por isso que o plumitivo do grupo Impresa não suporta Soares dos Santos. Aliás, a esquerda não suporta quem pensa e debate, quem raciocina e questiona fora dos quadrantes ideológicos estatalocráticos tão do agrado das esquerdas hodiernas. Talvez Daniel Oliveira não compreenda nada disso, mas ainda vai a tempo de pensar antes de expelir a quantidade anómala de absurdos que, diariamente, escreve, para gáudio dos que cultivam a ignorância a rodos.
Não conheço pessoalmente Alexandre Soares dos Santos, mas falei com uma amiga polaca há poucos dias que me confidenciou que os supermercados do grupo Jerónimo Martins estão espalhados pela Polónia como cogumelos depois de uma chuvada. Não tinha de me confidenciar coisa alguma, não é segredo - todos sabemos do seu sucesso por terras do prato de Varsóvia. O empresário Soares dos Santos deve estar a fazer qualquer coisa muito bem feita, mas nesta entrevista não consigo perceber se o admiro ou se me repugna. Das duas uma; ou a montagem da entrevista é maliciosa ou o homem também diz umas baboseiras. A edição da peça de jornalismo deixa algumas dúvidas no ar. Percebemos que Alexandre Soares dos Santos está metido com o arco da governação. Não interessa muito se é PS ou PSD que manda, desde que os independentes não tomem conta das ocorrências em Portugal. O homem demonstra pavor quando se lhe sugere que um independente "sem disciplina" possa soltar o caos e arruinar-lhe os negócios. Porque será? Porque sabe que conta com a assistência especial do PS ou do PSD. E aqui reside uma parte da contradição; Soares dos Santos refere que os privados têm sido "privados" de fazer negócio pela mão visível do Estado, mas não parece ter sido o seu caso. Ou seja, sugere um regime de excepção para a sua posição dominante e não pára de vangloriar-se das virtudes das suas empresas e defende que no sector privado não há corrupção. Francamente! É o dinheiro de privados que compra favores políticos para além de empresas concorrentes. Mas tenho de concordar com a sua ideia sobre a função do Estado na Educação e na Saúde. É essencial que estas duas dimensões não sejam regidas pelas leis do mercado. É o que eu digo; ao escutar o homem do Pingo Doce não sei se é peixe ou carne. Diz ele que quer um entendimento entre o PS e o PSD com pelo menos 10 anos de validade a seguir à putativa saída da Troika. Eu entendo o que ele quer dizer, e porque o diz - é bom para o (seu) negócio ter os amigos todos no saco. Mas, meu amigo, entendimento? Consenso? Acordo? Afinal ele é português ou holandês? A laranja que ele refere não me parece que seja mecânica.
Alexandre Soares dos Santos, ontem à noite em entrevista à RTP (vídeo aqui).
No meio da enorme torrente de opiniões, leituras e prognósticos, o CEO da Jerónimo Martins é das vozes mais lúcidas e descomprometidas do país. Enquanto alguns vêem salvadores da Pátria entre as eminências mais ou menos pardas do regime que nos trouxe à actual situação, bom seria se outros valores, de fora do sistema, fossem aproveitados para o serviço do país. Mas a explicação para isto ser difícil de acontecer provavelmente está no título.