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Há uns tempos não muito largos, nos idos da outra senhora (não, não estou a falar do Dr. António de Oliveira Salazar), a magnânima e expedita Autoridade da Concorrência, uma entidade solidamente venerada por todos os portugueses, decidiu instaurar um inquérito às presumíveis práticas de concertação dos preços da gasolina e do gasóleo estabelecidos pelos grandes potentados do sector. Como é sabido, o inquérito teve como conclusão a tese, "firmemente alicerçada" na análise empírica da realidade económica, de que não há, em Portugal, cartelização dos preços neste sector. Uma conclusão totalmente desconchavada, portanto. Visto à distância, este inquérito foi, no fundo, um mero pró-forma, dado que, para os feitores daquela magnífica inquirição, as gasolineiras jamais concertariam os seus preços de molde a prejudicar os consumidores. Interpretado literalmente, o espírito do relatório foi justamente esse. O porquê desta alienação autocomplacente da realidade é facílimo de aferir, basta pensar, por exemplo, no seguinte: 1) em Portugal, não há uma tradição de livre funcionamento dos mecanismos mercantis, 2) é claro e inequívoco que os grandes grupos económicos do sector promoveram, durante anos (e continuam a promover), uma política de aproximação dos preços praticados junto dos consumidores, de modo a ampliar as rendas obtidas no bojo desta actividade, 3) é certo, também, que estes potentados contaram activamente com a conivência declarada dos poderes públicos. Estes factores, devidamente reunidos e compilados, ajudam, em certa medida, a compreender o corporativismo senil que tem presidido aos vaivéns galácticos na formação dos preços do gasóleo e da gasolina, mas há um factor adicional que, pesadas bem as coisas, tem tido, nos últimos tempos, uma influência brutal na desorientação altista do sector. Falo, claro está, do invencionismo dirigista propugnado pelos principais responsáveis políticos do governo. A última invencionice provém das sapientíssimas mãos do divino secretário de Estado da energia, Artur Trindade. O que propõe o excelso governante? Algo tão simples como criar uma nova autoridade reguladora, desta feita unicamente para o sector dos combustíveis. Reparem na lógica da coisa: a Autoridade da Concorrência, liderada na altura por um tímido Manuel Sebastião, investigou arduamente as suspeitas de colusão de preços no sobredito sector, não chegando, como já foi também referido, a nenhuma conclusão, por isso, a solução divisada pelo magnífico enviado de Deus ao Governo da Nação foi, nada mais nada menos, a criação de um novo mamarracho institucional, ou, melhor dito, institucionalíssimo, que empregue, de preferência, mais uns boys saídos de uma qualquer school of economics adepta dos crony capitalisms a todo o custo. Percebe-se o porquê: o desemprego, não obstante ter caído algumas décimas (graças às poucas e admiráveis empresas que vão resistindo ao saque organizado), continua extremamente elevado, pelo que, com tão poucas oportunidades no seio da economia privada, há que abrir mais umas vagas para os amigalhaços de sempre. O capitalismo português funciona irremediavelmente assim. Se o mercado funciona mal, cria-se mais uma autoridade ou comissão, que emprega meia dúzia de patetas obscuros, que, no final, pronunciam a sentença do costume: está tudo bem. Como dizia o ilustríssimo prócere do tempo da outra senhora, da verdadeira, está tudo bem assim e não podia ser de outra maneira.