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A Alemanha é a imagem quase perfeita do estado de arte política da Europa. Os resultados das eleições federais devem ser interpretados à luz de considerações trans-germânicas. Sabíamos de antemão que a questão da imigração e dos refugiados seria a linha divisória para afastar ou aproximar eleitores. O partido Alternativ für Deutschland (AfD) estreia-se deste modo no Bundestag com uma presença assinalável (12 a 13% com uma expressão parlamentar na ordem dos 90 membros). Merkel pode extrair vantagens desta situação se souber apaziguar os ânimos exaltados daquele partido, mas também de um espectro alargado da população que emprestou o seu voto ao AfD. Schulz, que admitiu a derrota, nem tentou sequer colocar em causa a "vitória" da CDU, mas ao afirmar o fim da coligação, declara que o desejo da SPD é liderar a oposição. A expressão Jamaicana do possível arranjo de coligação, integrando o FDP e os Grüne, terá forçosamente de significar a negociação contínua e tensa de soluções políticas de governação. Por outras palavras, a CDU de Merkel poderá inclinar-se mais à direita, arrastando o FDP, e com um teor menos intenso os Grüne e o partido Die Linke. Schulz, socialista de gema, ainda acredita nas eleições regionais para inverter o declínio do seu partido, mas fala irresponsavelmente e com alguma perda de sentido da realidade - nos territórios da ex-Alemanha de Leste, o AfD é a segunda força política, e não o SPD. Dito de outro modo, seja qual for o amor à camisola de cada um, o AfD contaminará os discursos e a orientação de uma panóplia de políticos e partidos. Os socialistas, que alimentaram o sonho de paz social e prosperidade um pouco por toda a Europa da União, terão de acordar para uma nova fase de realismo político. A Catalunha ou o Brexit fazem parte do mesmo ADN mutante de nacionalismos, sem referir os casos flagrantes da Húngria e da Polónia. Num caso está em causa a fragmentação de uma centralidade política e no outro caso a secessão de um Estado-membro da União Europeia, sem ajuizar sequer sobre o grau do que sucede nos outros países acima referidos. Temos deste modo um novo desenho endémico na Alemanha. Embora não possamos falar de um conflito bipolar e ideológico na Alemanha, registamos, sem escamotear a verdade, a afirmação dos anseios de uma boa parte da população. A bandeira do AfD é mais intensa do ponto de vista sociológico e existencial do que o estandarte ideário de um Die Linke ou de os Grüne. As causas clássicas da Esquerda são menos de "vida ou morte" e por essa razão não conseguem instigar vontades de um modo tão acultilante ou emocional, irracional. Se não estou em erro, e assumindo a pré-condição de preservação do poder político a todo o custo, veremos até onde irá o SPD e de que quadrante partirá Angela Merkel para este seu quarto e derradeiro mandato.
Eu sei que os políticos cá da terra estão entretidos com outras coisas. É como se estivessem noutro planeta. Temos a novela Caixa Geral de Depósitos. Temos a greve dos professores. Temos a nota de cinco euros para somar à pensão dos velhinhos reformados. Temos a esplêndida ilusão de recuperação económica. Temos a justiça social no seu pleno espelhada no Orçamento de Estado. Temos o Bloco de Esquerda e o Partido Comunista Português a conceder o benefício de dúvida à Geringonça, parecido com o benefício da dúvida que Obama está a dispensar a Trump. Temos Marcelo a evitar chafurdar a mão da Rainha de Inglaterra com laivos de Boliqueime. Temos cuspo que afinal é fumo electrónico. Enfim, não falta grande coisa na ementa portuguesa. São tantas as especialidades para o freguês degustar que o tempo passa a voar, e o Natal está à porta. Gostava de saber como encaram os portugueses alguns assuntos mais mundanos. Por exemplo, a recandidatura da inimiga número 1 de Portugal - Angela Merkel -, à liderança da Alemanha (entenda-se Europa). Pois. Seria importante dispensarem uns minutos para pensarem as vossas vidas. O que desejam no sapatinho? Que Merkel "desapareça daqui sr. guarda"?! ou que permaneça como voz activa numa Europa com novas tendências de moda? A pergunta é dirigida em particular aos seus detractores - à Esquerda. Preferem contar com águas de Colónia ou optam por uma revolução sistémica como aquela que decorre nos Estados Unidos? Não vejo em parte alguma da paisagem nacional de reflexões políticas a formulação da equação. A pergunta subserviente tem sido a norma: o que vai exigir a União Europeia a Portugal, e não passam disto. Mas a questão inversa existencial deveria ser colocada: que Europa deseja Portugal? São consternações desta natureza que devem ocupar as mentes programáticas de Portugal. Em vez disso entretêm-se com a remununeração escandalosa de um tal de Sr. Domingues que dizem ser o melhor administrador de caixas à face da terra.
Apenas os cegos e os traidores - para não lhes chamar coisas piores - não vislumbram o que foi dado em troca de um provisório consentimento quanto à pequena mercearia de bairro que é o capítulo da economia e finanças portuguesas.
Costa foi a Berlim prestar a necessária e explicável vassalagem e foi dizendo estar disponível para aliviar a Sra. Merkel dos problemas por ela própria causados e exacerbados até ao paroxismo, ansiosa como estava por obter o Nobel da Paz. Não o conseguindo, abriu a caixinha daquilo que todos, mas todos há muito tempo estávamos certos de que sucederia.
Vêm aí um corpo expedicionário para "trabalhar nos campos" e "ocupar terras abandonadas". Isto sem sequer contarmos com os que virão para "estudar". Ficamos então avisados. O al Andalus não está assim tão longe, até porque, sejamos realistas, o número final poderá ser muito superior até para os mais loucos sonhos daqueles que se desvanecem em súbitos delíquios de amor pelo próximo.
Podem chamar-me tudo o que entenderem, afinal de contas a esse tipo de delicadezas estou habituado desde que aqui sem vontade alguma desembarquei em 31 de Agosto de 1974. Bom proveito!
As declarações de Merkel sobre a alegada existência de licenciados em excesso em Portugal sempre podem ajudar algumas alminhas pró-merkelianas a perceberem que quem está à frente dos destinhos da União Europeia representa, como a crise do euro e os consequentes bailouts e políticas de austeridade excessiva têm demonstrado à saciedade, um perigo para o futuro do Velho Continente. De resto, é ler isto.
Em Portugal anda tudo com os nervos à flor da pele. Anda tudo muito sensível. Basta a Markel opinar sobre o grau académico de Portugal, e perde-se logo a compostura, fica-se logo incomodado. A primeira reacção cutânea é de repúdio e negação. Dá vontade de mandar a senhora àquele lugar (pela ??? vez), mas uma leitura mais atenta do seu atestado permite extrair outras certidões, apurar resultados diversos. Pois é. Durante décadas a fio (desde a democratização do ensino em Portugal), os portugueses quiseram se afastar o mais possível das nefastas taxas de analfabetismo, das origens humildes, da terra entranhada debaixo das unhas. E ter o menino a estudar na cidade para vir a ser um "verdadeiro" doutor era motivo de grande orgulho. É mais ou menos isto, em traços largos. Acontece que essa escalada académica e social, de largas camadas da população, serviu também para discriminar ofícios "menores". Desse modo, instituiu-se que ser carpinteiro ou canalizador não era a mesma coisa do que ter uma licenciatura em gestão, e, de estigma em estigma, Portugal inverteu a cadeia de valores, negligenciando a importância de tantas funções requeridas na sociedade. O complexo de colarinho sujo dominou o espectro estatutário dos profissionais. Estabeleceu-se, de um modo mais ou menos explícito, que trabalhar na bomba de gasolina não é motivo de orgulho - o brio do mecânico escorreu também nessa sangria colectiva. Quando a Sra. D. Ângela diz que há licenciados a mais, está também a dizer que o país carece de profissionais no sentido integral, independente do grau académico que atingiram. Para mim é líquido que assim seja. Nos Estados Unidos pouco interessa o grau académico, ou mesmo o apelido, para todos os efeitos da missão profissional a cumprir. O que interessa é ser-se competente e eficaz seja qual for a posição ocupada. Se Portugal deseja a refundação económica e social da sua matriz, deve devolver a auto-estima ao trolha, ao almeida e ao sapateiro do bairro. Desde que sejam bons naquilo que fazem.
Viriato Soromenho-Marques, "Entre o abismo e o milagre":
"A expressão "terramoto" usada pelo primeiro-ministro francês Manuel Valls para classificar a vitória esmagadora da Frente Nacional de Marine le Pen em França não é uma metáfora. Apenas uma descrição realista. Atravessando o canal da Mancha em TGV, quem desembarcar na estação de Waterloo encontrará uma Grã-Bretanha onde o arqui-inimigo da União Europeia, Nigel Farage, líder do UKIP, encostou à rede os donos do sistema bipartidário que reina há muitas gerações na Velha Albion. Estas eleições europeias iniciaram uma reativação da crise europeia, com duas diferenças. Em primeiro lugar, a crise que até agora estava localizada essencialmente na periferia europeia (de Portugal até à Grécia) passou para o núcleo duro carolíngio do projeto europeu, para os países centrais da Declaração Schuman. Em segundo lugar, a crise que era capturada por um discurso dominantemente económico e financeiro vai agora traduzir-se numa linguagem política sobre o poder, os direitos, as instituições. Até que ponto é que o governo da chanceler Merkel percebe a mensagem que lhe está a ser enviada pelos novos e bizarros bárbaros do Ocidente? Será que ela perceberá que se persistir na atual "Europa alemã", baseada na austeridade, irá acelerar a destruição da própria ideia da unidade europeia, por muitos e dolorosos anos? Não basta dizer que importa criar emprego. É preciso rasgar o império do Tratado Orçamental, com o seu calendário de destruição económica e sofrimento social, sob pena de enlouquecer os europeus com o velho vírus da doença autoimune que, se não for combatido, acabará por incendiar a Europa."
António José Seguro não está à altura dos acontecimentos. António José Seguro não está à altura do país e António José Seguro não estará à altura do Partido Socialista. Mais valia não ter posto os pés em São Bento e gastar três horas do seu tempo. O seu tempo que até poderia ter sido o tempo de todos os portugueses, se o secretário-geral do PS entendesse que o que está em causa não são diferenças insanáveis entre o PS e o Governo. O que está em causa é um país que não se esgota nas instransigências programáticas e orçamentais do Largo do Rato. A hora que está em causa é muito maior do que a sua - é a hora de Portugal. António José Seguro até poderia ter prestado um pequeno serviço à nação, colocando-se na bagagem dos argumentos de Passos Coelho que hoje irá esgrimir-se de razões com Angela Merkel. Deste modo a birrita de Seguro apenas valida a ideia da necessidade de prolongar os efeitos dolorosos da austeridade. Passos Coelho vai confidenciar à Angela Merkel que tentou reestruturar o lider socialista mas que ele não foi na conversa. Seguro ainda não entendeu que regressar aos mercados de um modo limpo ou não é apenas uma parte do berbicacho nacional. Provado que está que serão necessárias várias gerações para alcançar o relativo equilíbrio da dívida e do deficit, significa que a visão política de qualquer candidato tem de integrar um novo modo de pensar. Acabou-se a feira das capelinhas - agora reges tu agora governo eu. A bifurcação radical da política faz parte da velha escola. Por esta e outras razões fica provado que António José Seguro é um político à antiga que quer regressar ao passado. Acontece que quer o presente quer o futuro nunca serão como o passado. Mas não quero matar a esperança dos socialistas. De certeza que na vossa casa deve haver alguém mais competente para ser o timoneiro do partido. Mas Seguro parece não servir para esse posto que por enquanto apenas diz respeito aos socialistas. O problema é que mais tarde pode dizer respeito aos portugueses. E aí será tarde demais.
A imprensa portuguesa é bestial na sua bem conhecida forma de comentar resultados eleitorais. No caso da Baviera, onde estes foram bem evidentes e passíveis de serem "compreendidos à primeira", são para o Expresso uma espécie de Redbull avidamente engolido pelos correspondentes do Sr. Seguro, dão-lhes "asas", o tal quase-quase-quase necessário para alijar a Sra. Merkel. Enquanto isso, os 49% da CSU são apresentados como um "mau resultado" para o Público, desde já sentenciando a exclusão dos liberais do FDP. Este partido é na Alemanha uma espécie de "CDS das sondagens", surgindo sempre como relegado para modestas posições abaixo dos 5% necessários ao ingresso no edifício do Reichstag, mas que por obra e graça do Espírito Santo, acaba sempre por conseguir um grupo parlamentar que garante ominosas alianças, neste caso com a CDU, a tal coligação democrática unitária de democrata cristãos e conservadores de vários matizes.
Com alguma sorte, na próxima segunda-feira ainda leremos um luso-comunicado deste género:
"Hádem de vir melhores dias para os direitos adquiridos pelos povos europeus até hoje oprimidos pelo egoísmo neo-liberal dos impostos altos. A CDU congratula-se pela nova situação criada pela vontade popular na Europa central, adonde o avanço imparável das forças democráticas , exige a imediata entrada do partido die Linke no governo."
Em 1972, Angela Merkel sorridente no seu esplêndido uniforme, em exercícios de defesa civil na Alemanha de leste.
Nas nossas obsessivas tertúlias televisivas, habituámo-nos a escutar aquela gente que se trata de senhor doutor para aqui e senhor doutor para ali, referir-se à Chanceler alemã de uma forma bem diversa, muito a custo lhe concedendo o Senhora que vem antes do apelido Merkel.
Pelo que hoje se lê na imprensa, Angela Merkel não falou de Portugal e nos tempos que correm, isso é um bom sinal. Os senhores doutores - alguns deles ex-camaradas de partido - deverão ficar-lhe extremamente penhorados.
Que estranhas são as actuais lideranças no leste europeu. Odiadas no ocidente pelo "neo-liberalismo" que lhes é apontado como mania, estas chefias provêm do frutuoso labor dos agora extintos partidos comunistas que um dia tiveram um muito capitalista monopólio do poder em todas as suas vertentes. No país mais poderoso da Europa, pátria de noventa milhões, o dirigente supremo veio do lado de lá da agora invisível barreira que separava a Alemanha de si própria. A Chanceler Merkel tem sido o alvo preferencial da esquerda ocidental, mas a verdade é que a dita senhora foi cuidadosamente preparada pela gente do liquidado regime de Pankow. Enquanto no território que um dia se chamou RFA, os sectores nacional-socialistas contam com um apoio residual, no leste o panorama é bem diverso. O antigo SED parece ter sido uma magnífica escola para os seguidores do partido do Führer, enquanto na Rússia - apesar da "Grande Guerra Patriótica" -, Roménia, Bulgária, Países Bálticos e Hungria, pululam organizações abertamente hitlerianas.
Poderão os nossos leitores do PC explicar a que se deve todo este fervor?
Angela Merkel recebe o administrador-delegado da Merkolândia para Portugal, Passos Coelho, no Forte de S. Julião da Barra
Afinal o povo português, e os alfacinhas em especial, revelaram-se bem mais inteligentes do que seria de supor por ocasião da visita de Angela Merkel a Portugal: pura e simplesmente ignoraram a vinda da cobradora à cidade. Cabisbaixa e sem moedas do saque, porque a cobrança de impostos falhou, a chanceler teve de recolher ao forte de Catalazete onde, por entre mais de 300 policiais e seguranças, e nas suas tristonhas masmorras, lhe foi servida uma canja de aves, acompanhada de um cabrito assado (o coelho era de evitar por razões óbvias...) e, para que o susto fosse completo, um "papão de ovos" a terminar. Tudo devidamente regado com uma Sagres Preta, cortesia da Central de Cervejas, que o orçamento para as bandas da Gomes Teixeira anda curto. Agora é o regresso a Berlim, que as coisas por lá andam difíceis também. Por cá fica o "Gauleiter" Coelho, que o moço até tem dado conta do recado.
Adeus Angela e até um dia destes numa qualquer praia de Albufeira.
Não se trata de um filme de actualidades dos anos trinta. Esta era a saudosa Alemanha do PC e dos agora cadentes bloquistas.
A nossa histriónica esquerda - esta tarde representada por um punhado de ébrios aos gritos de "morra!" - anda convenientemente amnésica de algumas imagens de um passado não muito distante.
A Chanceler Merkel foi educada por camaradas, pelos construtores do "homem novo", esses guardiães do paraíso que erguia muros intransponíveis, a todos obrigando às duvidosas delícias do sistema. Pois era esta a esquecida RDA que um dia fez correr rios de tinta em Avantes! de páginas e páginas louvaminheiras do regime dos junkers vermelhos. Há quem não se esqueça que por detrás dos magníficos uniformes e do impecável passo de ganso, ocultava-se a triste realidade do acinzentado burger der DDR, medroso do próprio familiar a soldo da polícia política tutelada pelo ocupante soviético. A verdade diz que seria esta a alternativa que uma parte do parlamento português gostaria de ver instaurada no nosso país.
"9h32 - O ministro do Estado e dos Negócios Estrangeiros afirma que a economia social de mercado permite que trabalhadores e empregadores e partilhem a responsabiliadade da empresa e o seu sucesso, assim como as dificuldades, contribuindo para a preservação da paz social.
Portas sublinha ainda a importância do sistema de ensino alemão, que deve servir de exemplo, porque aposta fortemente na ligação entre a escola e empresa, na formação de empresas, num ensino prático, técnico e tecnógico, "altamemte cativador a nível da empregabilidade e competitividade."
Enfim, eis o apelar ao famigerado ensino técnico "reservado aos pobres" dos tempos da 2ª (no dizer de M.S., inexistente) República, sabiamente liquidado pelos sapientes catadores de licenciaturas, mestrados e doutoramentos de cartão de visita. Mais uma das tais "conquistas de Abril", mais um "direito adquirido".
Vestindo um uniforme português, Guilherme II com D. Carlos e D. Amélia (Lisboa, Março de 1905)
Poderá a muitos parecer paradoxal, mas a Alemanha que esta manhã se apresenta em Portugal, é no todo continental, uma potência europeia bastante mais poderosa que aquela outra que há pouco mais de cem anos chegou em festiva visita a Lisboa. Quando o Kaiser Guilherme II desembarcou no Cais das Colunas, esperava-o o seu primo D. Carlos I, soberano de um país com quem as possessões africanas alemãs delimitavam fronteiras comuns em África. Lisboa engalanou-se a rigor e saiu à rua, apinhando-se a multidão para ver passar D. Carlos e o seu poderoso convidado. Nem o povo agrediu verbalmente aquele que aparentemente ameaçava a integridade do império ultramarino português, nem os dois monarcas temeram desfilar entre muitos milhares de portugueses.
Vivia-se há muito um período de paz continental numa Europa onde Portugal podia contar com a interessada protecção britânica, potência ciosa da segurança das rotas marítimas e consciente da vital posição geográfica portuguesa. Já naquele alvorecer da Entente Cordiale à qual D. Carlos I ofereceu os seus bons ofícios em Paris e Londres, o nosso país enfrentava as cíclicas crises financeiras, surgindo como um peão no gizar das alianças que uma década depois se digladiariam nos campos de batalha da Flandres, Balcãs e leste europeu. Portugal valia pela sua posição estratégica e sobretudo pelo seu precioso património ultramarino, a isto acrescentando-se a teia de laços familiares que uniam a Casa de Bragança às dinastias reinantes na Alemanha, Grã-Bretanha, Bélgica, Itália, Áustria-Hungria, Espanha e Roménia. Estilhaçado o sistema bismarckiano de segurança, no conjunto europeu o Kaiser encontrava escolhos difíceis contornar, enfrentando o pesadelo da aliança franco-russa e a declarada hostilidade inglesa pelo frenético programa naval desenvolvido por Berlim. Pior ainda, os aliados da Alemanha eram de duvidosa solidez, dados os evidentes problemas internos do Império Austro-Húngaro, a óbvia decadência do Homem Doente da Europa - o Império Otomano - e a tradicional volatilidade da política externa da Itália.
A Alemanha, de facto o chamado motor europeu, é agora industrialmente tão poderosa como aquela que o Kaiser governava e ao invés dos tempos do II Reich, pode contar com a resignada aquiescência de uma França em acentuado declínio e de uma Grã-Bretanha rotineiramente avessa aos assuntos continentais. O mundo não é o mesmo, já não existem impérios coloniais e a queda do Muro de Berlim precipitou os acontecimentos. Com muito dinheiro e produtos de exportação, a Alemanha do nosso tempo, sem um exército outrora por todos temido, voltou a encontrar a sua parcial unidade e tornou-se no principal actor da chamada União Europeia, ditando por direito e mérito próprio, as políticas que para o bem e para o mal o bloco europeu segue sem alternativa.
O actual regime colocou Portugal numa situação insustentável. Sem possessões ultramarinas, sem um mercado interno minimamente relevante, sem indústria, agricultura e poupanças, o país mergulhou no vórtice da despesa feita com o único e exclusivo fim de satisfazer as amolecidas clientelas eleitorais. A política faz-se pelo curtíssimo prazo e o país soçobra no descontentamento de uma população nada esclarecida acerca das realidades contratualizadas pelos seus agentes políticos. O desastre é de tal monta que a chegada da Chanceler alemã - formatada pela provinciana mentalidade comunista da felizmente extinta RDA -, deve ser encarada de forma circunspecta, conscientes como deveríamos estar acerca da nossa total dependência em relação à boa vontade das autoridades alemãs, aliás bastante escrutinadas pela opinião pública do seu país. Os irados comentadores que têm passado as últimas duas semanas a vociferar dislates sem nexo, deveriam antes de tudo ter a perfeita consciência acerca do regime que vigora na Alemanha unificada, sem dúvida muito mais democrático, justo e confiável que aquele apresentado pela ignominiosa República Portuguesa. Ainda esta tarde, o visionar do cada vez mais caquético Eixo do Mal (SIC), consistiu num passatempo bem ao nível de certos Big Shows, sendo confrangedora a colecção de imbecilidades grasnadas por gente que não tem a menor ideia daquilo que é um Estado e as correspondentes regras que a diplomacia internacional há muito estabeleceu. Num Portugal que já recebeu Ceausescu, Fidel Castro, Samora e um infindável número de outras criaturas que para a história ficarão pelas piores razões, somos diariamente forçados a escutar uma descarada campanha que antes de tudo, tem como finalidade a desestabilização interna de um regime que sem dúvida vive a sua pior hora. Isto, quando dos portugueses se espera precisamente o oposto, dada a situação em que nos colocaram aqueles que hoje mais se indignam, os conhecidos executores de políticas, "direitos adquiridos", descarada incompetência e loucuras de duas gerações.
Em 1905, o Kaiser - cujo país, além de inquietante vizinho africano, era um importante credor de Portugal - foi bem recebido em Lisboa. A própria rainha D. Amélia dele conseguiu a promessa de moderação na sua próxima visita a Marrocos, então um ponto crucial no estabelecimento da balança internacional de poderes e por si só capaz de desencadear a guerra geral que todos temiam. Há 107 anos funcionou a boa diplomacia e o cavalheirismo, apresentando-se aqui o soberano alemão como obediente seguidor das regras da etiqueta e insistindo no exercício das suas habilidades poliglotas, confirmou a presença de Portugal nos normais circuitos diplomáticos das potências europeias.
Durante demasiado tempo a Alemanha despejou centos e centos de milhões nos cofres portugueses, não se sabendo bem quais os montantes exactos e qual o seu preciso destino. Os eleitores alemães disto têm a para nós embaraçosa consciência. Ninguém espera que amanhã a Senhora Merkel desembarque vestindo um qualquer uniforme de coronel honorário de um Regimento de Lanceiros do exército português, ou sequer se digne a ostentar uma condecoração - a propósito, já lhe conferiram alguma? - velha de séculos de passadas glórias de um país setecentos anos anterior à Alemanha unificada em 1871. Não sabemos se tal como Kaiser normalmente fazia, a Chanceler sabe exprimir-se noutra língua que não o alemão. Nesta época de acelerada decadência europeia nada disso é muito importante, exigindo-se apenas uma extrema prudência que como todos sabem, significa precisamente o oposto daquilo que os histéricos comentadeiros hoje descaradamente demonstram nas pantalhas dos noticiários: o medo.
Esta visita alemã, em muito supera aquelas outras protagonizadas por Schmidt ou Kohl, meros dirigentes de um país então dividido, sob a ameaça da força dos trinta mil panzers soviéticos estacionados desde o Báltico a Praga, totalmente dependente da protecção norte-americana e bem amarrado ao então ainda recente Eixo Paris-Bona.
Embora hoje devessemos estar a discutir outro assunto, não tenhamos medo e saibamos receber a Chanceler, tal como há 107 magistralmente o país soube acolher o temperamental imperador alemão. Infelizmente já não podemos contar com a impecável competência de D. Carlos e de D. Amélia. Se vivêssemos noutro tipo de regime, a Chanceler seria hoje conduzida por um ou dois empregados trajados de libré, apresentando os obrigatórios cumprimentos ao Chefe de Estado "sem poder", calmamente a aguardando no seu escritório. Tal não acontecerá, esperam-na transitórios e nervosos subalternos. Temos o que temos e tal como a catastrófica crise é de única e exclusiva culpa deste regime - dos bem conhecidos e inamovíveis gatunos, corruptos, incompetentes e devoristas de serviço em Belém, S. Bento, bancos e certas empresas -, o facto de não termos anfitriões à altura do momento e capazes de manterem uma certa distância protocolar, é também da nossa inteira responsabilidade. O "tu cá-tu lá" com que Merkel decerto tratará Cavaco Silva e Passos Coelho, seria completamente impossível no caso de contarmos outro tipo de pessoas em Belém e sobretudo, uma outra instituição que a todos orgulhosamente representasse. Com um pouco de desejável arrogância dinástica postada ao cimo de uma escadaria de aparato, sempre se salvariam as aparências.
Na última vez em que ouvi o meu pai comentar um assunto da política, referiu-se à próxima visita da sra. Merkel a Portugal. Verificando a nula categoria desta gente que comanda vinte sete Estados europeus, dizia que há uns cinquenta anos, ..."esta mulher não teria passado de uma zelosa secretária bate teclas num escritório". De Lisboa a Varsóvia padronizou-se um certo tipo de empregadecos descartáveis e sem chama, incapazes da menor tentativa de mobilização de um espaço em claro declínio, praticamente perdido para um futuro que afinal não chegará.
No entanto, o meu pai esperava que a dita senhora fosse recebida da melhor forma possível, evitando-se qualquer pretexto para má publicidade extra, acicate de preconceitos e mais umas tantas vingativas cangas. Os irrisórios órgãos de comunicação que nos restam e que unanimemente se encontram ao serviço de quem exauriu a economia nacional, já despoletaram uma capciosa campanha de angariação de indignados de vários cambiantes. Querem ver em Lisboa, as totalmente dispensáveis cenas que ainda há uns tantos dias os atenienses protagonizaram na sua cidade. Tendo o actual regime atirado Portugal para uma situação de impossível solução, os seus donos ordenam o bater de tachos e tilintar de chocalhos, com isso esperando preencher alguns apontamentos de "última hora" nos canais informativos. De Merkel vem o dinheiro, de Merkel miraculosamente poderá chegar alguma "moderação e boa vontade", queira lá isso significar o que tiver mesmo de ser. Aconselha-se a prudência, mas investe-se na baderna. Os imbecis já estão por tudo, apenas querendo alijar culpas nos "odiosos estrangeiros".
Organizem a bagunça, façam partir montras, incendiar automóveis e já agora sigam o modelo de 1975, sugerindo o incendiar da Embaixada da Alemanha. Distraiam momentaneamente as atenções, mas os factos lá continuarão indeléveis e esperando o ajuste de contas que mais tarde ou mais cedo chegará. Tomem os nossos donos boa nota acerca da responsabilidade que a eles e só a eles cabe pelo actual desastre sem paralelo que o nosso país enfrenta.
É indispensável ler A Tragédia do Euro de Philipp Bagus (já nas bancas a edição portuguesa) para perceber a ironia da História que é a moeda única ter sido o preço imposto por Miterrand a Kohl pela reunificação alemã, tentando os franceses, desta forma, contrariar a hegemonia económica e monetária da Alemanha e impedir que esta se tornasse novamente demasiado forte no contexto da hierarquia das potências europeias, para agora o euro ser precisamente o instrumento político que permite à Alemanha fazer dos franceses o que quer e vir a controlar cada vez mais toda a UE. As lições da História e da Geopolítica parecem ser algo que não assiste a muita gente. No contexto dominado pelo economês em que vamos vivendo, onde muitos vociferam violentamente contra o mercado e os especuladores, parece que pouca gente se recorda do processo de unificação alemã no séc. XIX, do aparecimento de Bismarck e da crença deste que, citando Políbio Valente de Almeida, "a hegemonia germânica podia ser aceite pelos outros estados através de uma negociação moderada e credível", e das consequências da paz de Versailles que Lord Keynes bem assinalou que acabariam por levar a outro desastre. Quem não percebe que a humilhação da Alemanha e a tentativa de lhe colocar amarras está e estará sempre fadada ao fracasso, dado não só o carácter dos alemães - uma nação que no espaço de um século provoca duas guerras mundiais e recupera o seu país das cinzas em tempo recorde, elevando-o a potência dominante no espaço europeu e mundial, é, de facto, uma nação com uma certa superioridade - mas também a sua posição geopolítica - convém recordar a Escola Alemã de Geopolítica promovida por Karl Hausofer, que teorizou sobre a noção de Heartland desenvolvida por Mackinder, encontrando-se a Alemanha no Heartland da Europa Ocidental, e o célebre espaço vital ou Lebensraum, assim como a ideia de Mackinder que uma Alemanha aliada da Rússia controlaria o mundo, não senso despiciendo referir as boas relações existentes entre os dois países - não percebeu ainda o que se está a passar. Permitam-me conjecturar que talvez não haja uma reacção lenta da Alemanha à crise. Ao contrário do que muitos poderíamos pensar, parece-me cada vez mais que Angela Merkel tem estado a colocar em ponto de rebuçado a restante Europa, preparando-se para devolver as vinganças e humilhações que foram impostas aos alemães. Atenção que não estou a falar em teorias da conspiração. As circunstâncias e os acasos que nos trouxeram até aqui são, certamente, fortuitos e o resultado não desejado das intenções e políticas de muitos líderes europeus. Mas a Alemanha saberá, com toda a certeza, aproveitar as oportunidades que lhe são servidas de bandeja. Talvez muitos analistas, especialmente aqueles que têm orgasmos intelectuais quando falam dos BRIC, estejam enganados quanto à ascensão destes ao longo do presente século, a par com o declínio americano e europeu. Diz-me a minha intuição que as próximas décadas serão talvez as da ascensão da Alemanha ao seu lugar natural, de potência mundial, não só a nível económico mas também político e militar. Queriam alta política e liderança? Aí as têm.
‘If the euro fails, Europe fails. We have an historical obligation to protect by all means Europe’s unification process begun by our forefathers after centuries of hatred and bloodshed.’
Angela Merkel, Chanceler da Alemanha
Não se trata de um "if", mas de um "when". A única questão a colocar em Portugal, é aquela que diz respeito a um plano alternativo que alguns dizem estar em preparação. Se assim for, as nossas autoridades estarão a agir em conformidade com a situação. Ainda ontem, alguém que trabalha como quadro superior num banco, dizia-me que aconselhava todos os amigos a guardarem o dinheiro em casa, pois em 24H poderão vê-lo desvalorizar-se mais de 30%.
Ribombou aquilo que todos sabem e não querem reconhecer. Temos uma década pela frente e este prazo trata-se apenas de uma discricionária meta, pois existem inúmeros imponderáveis que poderão fazer falhar os vaticínios. O primeiro de todos, será a própria existência da actual configuração da U.E.
A meses de eleições, este dito de Merkel remete-nos para um ainda bem presente debate Sócrates-Ferreira Leite, em que a chefe do PSD disse umas incómodas verdades que lhe valeram a derrota nas urnas. Apesar de tudo, haja alguém que deixe de alimentar ilusões para eleitores suavemente adormecerem.