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Gostava de poder voltar atrás no tempo e observar como é que, antes do advento dos jornais online, blogs e redes sociais, a opinião publicada lidava com a morte de homens com forte presença pública e mediática e tão controversos como António Borges. É que entre o ódio que lhe é votado pela esquerda que defende facínoras genocidas e o endeusamento à direita, que destaca em particular o CV e tem feito as minhas delícias com o típico lugar comum "se foi reconhecido lá fora é porque certamente era mesmo bom e cá ninguém sabe dar valor a quem o tem" - ah, o estrangeiro, esse lugar mítico responsável por tanto provincianismo no pensamento pátrio - estamos assim a assistir a reacções um tanto ou quanto infantis, que, em conjunto, resultam numa instrumentalização com fins políticos que roça o pornográfico. Enfim, é o que temos. Que António Borges descanse em paz, é o que todos se deveriam limitar a pedir.
*Título roubado a este livro de Mario Vargas Llosa.
Pois é, segundo dados do INE as exportações perderam fôlego no último trimestre, com uma derrapagem no mês de Dezembro de 18,2% face ao mês anterior. Lembram-se disto? Enquanto Gaspar elogiava o comportamento das empresas portuguesas, a procura externa, fruto dos múltiplos choques exógenos, decaía substancialmente. Resultado óbvio: as exportações caíram e, ao que tudo indica, continuarão a cair. O que fazer? Pois, de facto é aqui que a porca torce o rabo. Não há remédios santos, nem vacinas certas, porém, com uma política interna dominada pelo esbulho fiscal e um ambiente externo dominado pela guerra de divisas (alguém deu conta do discurso do messias Hollande no Parlamento Europeu ou do que se vem passando no Japão com o abenomics?) é difícil fazer melhor. É que sem expansão da procura externa nem crescimento económico que se note, não sairemos disto. E, como os leitores decerto se recordarão, uma das traves mestras do Programa de Assistência Económica e Financeira era, precisamente, a busca de um escape ( exportações/crescimento) que anulasse os efeitos recessivos do austerismo ditado pelo tríptico Bruxelas-FMI-BCE. Perante esta desolação, das duas, uma: ou enveredamos pela crença mirífica nas projecções do Governo, o que, como se tem visto, é um exercício bastante arriscado, ou optamos por dar ouvidos à magia lírica de Borges que, ao que parece, disse há dias que o país irá crescer no ano que vem à taxa chinesa de 5%. Um dilema complicadíssimo, não é?
O artigo de ontem de José Pacheco Pereira merece ser lido, relido, afixado e guardado para memória futura.
A verve suicidária de António Borges faz recordar inevitavelmente a obstinação desaustinada dos marxistas mais sectários. Será assim tão difícil compreender que a manutenção de António Borges na órbita do Governo só irá provocar estragos de grande monta? Para comediantes ocasionais já basta o magnânimo Miguel Relvas. Ser pastoreado por gente deste calibre cansa.
A facilidade com que certos economistas e afins lançam a ideia de baixar salários é directamente proporcional à dificuldade com que falam em cortes na despesa pública e na reforma do estado. Já para não falar na frequência. Dariam, com certeza, excelentes Xerifes de Nottingham.
Uma das lições básicas das Ciências Sociais, pela qual passa em grande medida a refutação do cientismo, é a de que a realidade social não é um laboratório, ou seja, não é possível utilizar o método experimental, pelo que não se pode decalcar o método científico das Ciências Naturais. Claro que a Ciência Política não foge à regra. Mas eu estou em crer que esta lição está cada vez mais desactualizada. Possivelmente, tratar-se-á de uma inovação realizada pela Relvas School of Political Science. Que o diga António Borges. Mas deixando de lado a hipótese de os cientistas políticos poderem ver-se na iminência de terem que rever os seus métodos de análise, o que fica mesmo da abordagem experimental à praxis política, operada nos últimos dias a respeito da privatização da RTP, é um amadorismo sofrível. Eu preferia manter intacta a lição e que fôssemos poupados a trapalhadas que os spinners de serviço na blogosfera e no Facebook lá vão tentando disfarçar - mal, porque amadoramente, o que não deixa de estar em sintonia com o governo. Infelizmente, os politiqueiros parecem preferir a opção contrária.
Pior do que falhar é negar que se falhou quando toda a gente viu. É o mesmo que fazer batota e dizer que se joga limpo. O caso de António Borges é disso exemplo. Depois das declarações que fez ao Expresso sobre a necessidade de redução de salários em Portugal, hoje desmente que tenha sido essa a sua intenção.
Recordemo-las: "a diminuição de salários não é uma política, é uma urgência, uma emergência". Borges não podia ter sido mais claro.
Depois do "puxão de orelhas" de Passos, António Borges, conselheiro do Governo, principescamente pago por todos nós, agora nega ter defendido um cenário de salários mais baixos, dizendo ter ocorrido um mal entendido em relação às suas declarações. O conselheiro, que ontem à noite esteve no programa Prós e Contras, da RTP, explicou apenas que essa situação de salários reduzidos pode ser a consequência do ajustamento de mercado às condições adversas da economia. António Borges disse não defender salários baixos nem um país de pobres, esclarecendo antes que em tempos de crise há um ajustamento do mercado, no qual os salários descem para reduzir o custo do emprego. Segundo o conselheiro, a redução dos custos de trabalho só se faz com salários mais baixos ou com aumento da produtividade, e apontou esta última como a solução mais benéfica.
Agora a culpa é nossa. Ou do jornalista, talvez. Dele é que não é de certeza. O habitual.