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A eleição de Marcelo Rebelo de Sousa no primeiro tempo é muito mais determinante do que o autoproclamado tempo novo de António Costa. Digam o que disserem os detractores e os rancorosos ideológicos, a chegada a este destino presidencial não é fruto do acaso, da orquestração da Direita, da manipulação partidária, do poder de grandes corporações ou do tempo de antena de que se serviu o professor nos derradeiros dez anos. A vitória eleitoral de ontem à noite reporta-se a um conceito muito mais primário, a um arquétipo que está na genése de comunidades - os elementos de agregação fundados nos afectos, na intuição, no instinto de sobrevivência. Nos últimos dez anos, Marcelo Rebelo de Sousa aproximou-se da cidadania abstracta, afastou-se da sua sede ideológia e partidária, e afinou a ferramenta mais poderosa ao serviço da política - a comunicação. O discurso de vitória eleitoral, distribuído na Faculdade de Direito, não foi pleno de letras vazias. Assistímos ao auto-juramento, ao acto de confissão de valores e sentido de missão, à prática efectiva, na sua hora grande, do lançamento de linhas de fraternidade para com aqueles que partilham o mesmo ideário de civismo político. Os jornalistas, ávidos por provocar a reacção destemporizada, foram preteridos sem entender o corte definitivo que o presidente Marcelo Rebelo de Sousa faz em relação ao comentador Marcelo Rebelo de Sousa. Para aqueles candidatos que fizeram de sua bandeira a observação dogmática dos cânones constitucionais, esquecem o seguinte; o professor Marcelo Rebelo de Sousa é mecânico jurídico há dezenas de anos. Se existe alguém que pode interpretar as nuances de desagrado em relação ao tratado constitutivo da nação, essa pessoa é Marcelo Rebelo de Sousa. Não vale a pena remexer nas falências dos outros candidatos. A página foi virada. António Costa, herói da Esquerda unida, teve de provar o princípio do contraditório. O povo, que é sereno e supremo, afinal não se despistou na segunda curva à Esquerda. Mas isso não importa. E não importa porque Marcelo Rebelo de Sousa está para além da intriga ideológica. Não sei se Portugal tem noção do que lhe acaba de acontecer, mas irá ter importância no plano de uma verdadeira sociedade civil. Quando olho para Marcelo não vejo o PSD, não vejo o PS, não vejo o BE ou o PCP. Não vejo as cores que tantas vezes contaminaram a missão de políticos que nunca serão estadistas.
O coração de um candidato presidencial, que se afirma "independente", não pode bater nem à esquerda nem à direita. E afirmar que se trata de uma candidatura nacional e patriótica significa, forçosamente, que é simultaneamente de esquerda e de direita. Ou seja, António Sampaio da Nóvoa integra o elenco político nacional com grande naturalidade - contradiz-se. Faz o que outros que o antecederam já fizeram e com mais arte. Apresenta pseudo-argumentos e meias-razões, e não enjeita a possibilidade de tudo ou nada. Diz que não pertence a partido algum, mas refere que o apoio do Partido Socialista "seria importante mas não "essencial". Por outras palavras, assim que chegar a Belém o seu coração passará a bater por inteiro. O misticismo de Sampaio da Nóvoa, na minha opinião, não serve o momento político de Portugal. Não entendo porque alguém que supostamente não precisa de grande coisa, não aproveita a ocasião para afirmar a ruptura em relação ao sistema de castas políticas de Portugal. Virar as costas aos partidos é que seria de homem presidencial. O único acordo lógico e eticamente aceitável seria aquele selado com os cidadãos de Portugal. Ao proclamar a aorta esquerdina da sua corrente de sangue política, discrimina potenciais apoiantes, possíveis eleitores. O magno reitor declara deste modo a sua doutrina de acomodação ideológica. Na esquerda e apenas na esquerda é que se está bem, mas para chegar a Belém terei de encarnar outro personagem. São joguetes desta natureza que nos desiludem mandato após mandato. Se os socialistas não são assim tão importantes, por que razão Sampaio da Nóvoa perde tempo com o atraso no calendário de candidatura de Maria de Belém? Há qualquer coisa que não bate certo aqui. E já sabemos isso desde o dia D.
Desengane-se quem pense o contrário. O Partido Socialista é a formação mais democrática de Portugal. O seu espectro é verdadeiramente alargado. Representa os cidadãos deste país de um modo irredutível. Tem membros em todos os cantos da casa. Nas direcções-gerais, nas fundações, nas associações, nas grandes empresas, na academia e nas prisões regionais. O dilema do candidato presidencial socialista demonstra essa pluralidade. Quem disse que os meninos do coro devem concordar em relação ao aspirante em melhores condições para ganhar Belém? No entanto, o problema não tem a ver com os aspectos formais da discussão. Tem essencialmente a ver com uma dimensão substantiva, conceptual. Os nomes socialistas que têm andado suspensos no éter do mistério da revelação presidencial não satisfazem por completo os do Largo do Rato, e muito menos os cidadãos de Portugal. As estaladas entre os pares socialistas já começam a ser distribuídas. Umas porque adoram Sampaio da Nóvoa, outras porque imaginam Jaime Gama como o homem certo. Fica demonstrado que, seja qual for a escolha socialista, continuam acorrentados a noções corporativas e a velhos rancores. Henrique Neto talvez não seja o candidato completo, mas poderia servir de exemplo de genuína intenção de mudança. Mas a prática integrativa de anticorpos não faz parte da matriz política de Portugal. Nos partidos os saneamentos e as exclusões são a norma quando alguém se torna incómodo ou fala verdades. Mas mesmo assim me contradigo. José Sócrates ainda não foi expulso do grémio. Ou seja, os socialistas não cortam efectivamente com o seu passado. Diria mais. Pensam mesmo que na história encontrarão a fórmula do futuro. E não me restrinjo às presidenciais. A campanha para as legislativas, em curso na ordem socialista, tem mais a ver com uma retrospectiva partidária, ideologicamente falida - uma especie de antologia de discos riscados. Enquanto Portugal dobra a esquina económica e social, corre agora o sério risco de deitar tudo a perder com decisões vendidas como cura para todos os males. Como escreveu um amigo há escassos minutos no Facebook. Nem todos somados totalizam um presidente. Quanto às legislativas, o problema é o excesso. O superávit de confiança de alguns.
O candidato presidencial Sampaio da Nóvoa é do tipo:
(escolha uma opção apenas)
A candidatura presidencial de António Sampaio da Nóvoa tem o beneplácito de António Costa e dos demais socialistas. E por uma razão muito simples. A tradição política portuguesa assenta na dissonância partidária entre o Governo e a Presidência da República. António Costa sabe que os socialistas não podem ocupar os dois postos em simultâneo, portanto faz todo o sentido promover a candidatura de um perdedor, e que haja apenas uma vitória socialista - um desfecho legislativo favorável. Não está mal pensado, não senhor. Se o candidato presidencial socialista tivesse os pergaminhos e a fama de António Costa a coisa mudava logo de figura. O eleitorado ficaria confuso e começava logo a pensar que talvez o ex-presidente da Câmara Municipal de Lisboa não fosse a pessoa indicada para liderar um governo nacional. Os meses que se seguem vão ser de campanha em crescendo e António Sampaio da Nóvoa vem mesmo a calhar. Tem o perfil indicado. Não ofusca a presença ubíqua de António Costa. É uma espécie de Fernando Nobre do Largo do Rato. Um outsider sem uma carreira de truques e armadilhas, respostas e saídas espertas. Registo aqui, sem grande surpresa, um certo cinismo socialista. Estão a entregar lenha ao benjamin presidencial para que este se queime. E no espesso da névoa que se seguirá, António Costa pensa escapar-se por entre a bruma. Mas nada disto é trigo límpido. Não é líquido que a goleada que os socialistas prometem venha a acontecer. António Costa, se chegar a mandar, vai provavelmente ter de casar com uma noiva de segunda escolha. Uma dama de uma porta ao lado da sua preferência demagógica. Avante Nóvoa. Quero ver.