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Hoje é dia 26 de Dezembro. O Natal já lá vai. Não quis fragilizar ainda mais o meu estado de espírito nesta quadra de celebração, por isso apenas hoje deitei os olhos à mensagem de Natal de António Costa. Amigos, não o façam. Não percam 5 preciosos minutos das vossas vidas. Isto é mesmo mau. Sacrifiquei-me em vosso nome e vi o filme - espero não ter ficado contaminado. Há quem afirme que António Costa é o derradeiro animal político, o último grito de acutilância e mestria empática, mas estão totalmente enganados. Está tudo errado. É tudo mau. O discurso do primeiro-ministro assemelha-se ao de um vendedor de canal por cabo. As frases do guião que passam em teleponto não poderiam ter sido mais sórdidas e cavernosas. O homem não dá uma para a caixa da substância, mas até poderia acontecer narrar estrofes vazias e fazê-lo com arte retórica. Não é isso que acontece. A melodia da comunicação foi substituída por uma cassete semelhante àquelas metidas por regimes jurássicos. Isto não é nada. Isto não é digno de Portugal nem dos jardins de infância todos somados. Uma criança que veja este teledisco fica com tendências destrutivas, com vontade de ir à fuça do educador de infância. Nesta emissão encontramos vestígios bafientos de um regime invalidado há décadas, sintomas de sevícias ideológicas e sinais claros de sobranceria partidária. Ainda faltam alguns dias para o final de 2016, mas pior era difícil. RIP, George Michael.
Acabei de regressar de Weimar. Foi a primeira vez que estive no leste da Alemanha que havia sido a Alemanha de Leste. Mas a pequena cidade de sessenta mil habitantes há muito que viajou para o resto do mundo. Weimar é famosa por ter sido a casa de Goethe e Schiller, pela república com o mesmo nome que pôs fim ao império, pela hiperinflação que destruiu economias nos anos 20 ou pela escola de pensamento, design e arquitectura que vai pelo nome de Bauhaus. Mas outros ainda houve que rumaram a Weimar como Bach ou Hans Christian Andersen. Deixemos de fora Hitler que ordenou a construção da varanda que ainda hoje o Hotel Elephant dispõe, para que melhor pudesse se dirigir ao povo na praça do mercado onde o edifício da câmara municipal (Rathaus) se acha instalado. Weimar era um dos seus destinos de eleição e a poucos quilómetros da cidade o campo de concentração de Buchenwald foi construído. Visitei esse local atroz para render homenagem a tantos que pereceram de um modo intencionalmente trágico. No dia em que peregrinei a Buchenwald, centenas e centenas de adolescentes alemães desciam de autocarros vindos de todo o país e ao abrigo de uma missão de preservação da memória colectiva. A Alemanha não deixa esquecer as piores páginas da sua história e os jovens fazem parte desse processo. Mas regressemos a Weimar. Como residente em Portugal não pude deixar de comparar o incomensurável, mas há alguns traços comuns entre a Alemanha de Leste e Portugal. Ambos os países viveram sob regimes autoritários, Stasi para uns Pide para outros, Muro de Berlim para uns, movimento condicionado para outros. Em 1974 Portugal inicia o seu processo democrático e em 1989 a Alemanha de Leste é integrada numa democracia com uma economia consolidada, mas não desprovida de desafios importantes. Eu sei que este exercício pode parecer uma simplificação excessiva, mas a pergunta que assolou o meu espírito durante uma semana de estadia em Weimar foi a seguinte: o que terá acontecido a Portugal para que em 40 anos de democracia se tivesse descarrilado de um modo tão grosseiro? E o que fez a Alemanha de Leste para que em 25 anos se tivesse desenvolvido de um modo tão equilibrado. Weimar é um bom exemplo dessa sensatez e sentimos em cada olhar (daqueles com pelo menos 50 anos de idade) o conhecimento da austeridade que viveram - a dureza de uma vida política e socialmente controlada. Weimar não perdeu as estribeiras com a chegada dos ares da mudança. Carrega o peso do nacional-socialismo de um modo temperado e assertivo. Todos os habitantes desta terra sabiam o que se passava em Buchenwald. Cada um escutava o chiar dos comboios de passagem por Weimar, as carruagens pejadas de desgraçados que seguiam para o campo de concentração. Esse fardo ainda está presente nos dias de hoje e por isso há um certo silêncio de semblante, o incómodo com que se lida de um modo discreto. Weimar não ostenta a opulência que caracteriza a Alemanha ocidental. É tranquila no seu estar e confortada pela intensa matriz intelectual e cultural que a identifica. Não há gritaria na rua em dia de vitória no campeonato do mundo de futebol. Não se escutam buzinas de condutores e quando nos cruzamos com um desconhecido, este diz-nos sempre bom dia - de um modo sincero. A vida em Weimar é mais em conta do que em Portugal e não consigo encontrar explicação para que os mesmíssimos artigos custem metade do preço em Weimar. Trouxe lâminas de barbear da cidade de Goethe.
Os inquéritos de opinião, as sondagens e as estatísticas são primos da mesma distorção. É possível, se assim o desejarmos, fabricar resultados e influenciar juízos e percepções. Provavelmente o que resulta deste estudo não andará longe da verdade, mas, na minha opinião, para se comparar a qualidade de vida registada no antigo regime com a do pós-25 de Abril, os únicos que poderão cabalmente responder a esta pergunta já estarão mortos e enterrados. Ou seja, descartemos o que pensam ou deixam de pensar os que se encontram na faixa etária dos 18 aos 34 anos. Esses indivíduos nem sequer eram espermatozóides antes de 1974 - nem sequer sonhavam com a sua própria existência. São dispensáveis para efeitos deste estudo. Quem deveria ser consultado (em dia de visita ao lar de terceira idade), são aqueles cidadãos que efectivamente viveram quarenta anos sob um regime autoritário e outros tantos sob o sol democrática. Esses séniores é que têm autoridade para fazer o boneco de uma coisa e de outra. Os outros têm umas noções e formaram juízos a partir de estudos como estes. Os factos palpáveis na primeira pessoa são escassos. Os sobreviventes de Salazar serão os únicos com credibilidade estatística para avançar com respostas. No entanto, pela amostragem e método empregue na recolha de informação, provavelmente não haveria muito sucesso nas entrevistas telefónicas realizadas aos visados com mais de 100 anos de idade. A probabilidade de serem cegos, surdos (e mudos) é, de facto, muito elevada. Dito de outro modo, não se pode comparar cravos com bugalhos, pelo menos deste modo cru e insonso. Há que cozinhar as percepções com ingredientes de qualidade.
Nunca a expressão "espalhar o mal pelas aldeias" teve uma conotação tão actual. Independentemente da interpretação da Lei Fundamental levada a cabo pelos juízes do Tribunal Constitucional, no espírito dos cidadãos (mais importante que o espírito da lei) ficou um sabor amargo, uma certa indisposição. A decisão que permite aos autarcas levar a trouxa para outro destino fere os pressupostos que estiveram na génese da Democracia em Portugal - a ideia de um refrescar contínuo de agentes do interesse colectivo. O rotativismo do poder não tem nada a ver com esta dança de cadeiras municipais. O antigo regime que ficou conhecido pela longevidade de Salazar corre o risco de ser destronado pela inauguração de uma nova modalidade. O Tribunal Constitucional, se deseja efectivamente afirmar-se enquanto o quarto poder político, ao menos que o faça em condições e leve em grande consideração o ambiente psicológico da nação. O mexilhão que sofre as consequências destes devaneios já não tem modo de escapar ao feitiço dos bruxos. Pode mudar de residência, passar para o concelho vizinho, mas corre o risco de levar com a mesma encomenda. O povo está pelos cabelos com os pelourinhos inventados com tanta manha. Este lindo mecanismo apenas repete o processo de nomeações duvidosas que acontecem noutras esferas de interesses; as passagens de políticos do público para o privado e vice-versa. Agora, somos contemplados com uma nova forma de viagem política. Depois há outra questão sobre o conflito de interesses que deve ser tido em conta. Um presidente de câmara, recém-eleito noutro concelho, ao estabelecer relações de negócio com o concelho que acaba de abandonar não fará parte de ambas as partes do arranjinho? Não terá em sua posse o mapa de tesouros, minas e armadilhas? E os amigos de mandato político que permanecem nas maravilhosas empresas municipais, e que não transitaram para parte alguma, será que irão guardar a informação privilegiada que detêm e não partilhá-la com o ex-chefe quando o telefone toca? Como podem ver, o mapa das viagens municipais está traçado sobre a escarpa vergonhosa da política nacional. Veremos a pronúncia do norte a querer escapar-se para o sul e vice-versa. Queriam-nos longe da vista, pois bem, quando um desses Valentins que por aí anda, bater à porta da câmara municipal de Mértola, ou uma dessas Fátimas que por aí anda bater à porta da câmara municipal de Oeiras (eu sei, é um mau exemplo, é quase a mesma coisa que o Isaltino) logo verão como apita o comboio. O Tribunal Constitucional portou-se como um reles agulheiro. O diagrama de abertura de exploração política de Portugal foi inaugurado pelo Tribunal Constitucional. Os juízes plantaram apeadeiros para gáudio de saltimbancos. Agora sim, podemos dizer que temos uma volta a Portugal como deve ser. Não há volta a dar. Vamos ter de gramá-los até à ponta dos cabelos cinzentos.