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From La Plata with love

por Nuno Castelo-Branco, em 04.05.13

A Madame Kirchner fartou-se daqueles liberais princípios sobre os quais se fundamentou a independência da Argentina. Mandando a separação de poderes ir dar uma volta sem retorno à Tierra del Fuego, a impaciente dirigente achou por bem instaurar uma nova ordem, levando a "democracia" ao sector judicial. Não contente em ter aumentado de 13 para 19 o número de juízes do Conselho de Magistrados, também decidiu que doze deles passarão a ser "eleitos por voto popular e filiados em partidos políticos"... Os remanescentes sete juízes virão do Congresso, enquanto o modestíssimo governo se contentará com a nomeação de um. O resto da estória está aqui e à disposição de quem tiver paciência para estas ""Evitadas" de meia-tigela. 

 

Como este video demonstra, a führerina perdeu a cabeça e dir-se-ia tudo estar a fazer para um dia destes comer "peixe-espada".

publicado às 20:00

"Por favor, no te calles!"

por Nuno Castelo-Branco, em 12.04.13

Hilariante, lá pelas Américas andam todos boquiabertos com a exclamação do presidente do Uruguai que num doce desabafo, disse o que pensava acerca da "presidentA" Cristina e do seu falecido cônjuge:

 

“Esta vieja es peor que el tuerto”.


Embora ela não seja assim tão velha, do resto já sabíamos, qual é a novidade? Dada a celeuma provocada pelas muito oportunas palavras proferidas há uns anos por S.M. João Carlos I, ficaremos à espera das indignadas reacções da republicanagem de serviço.

publicado às 16:00

Francisco I

por Nuno Castelo-Branco, em 14.03.13

Pelo que já se sabe, a reacção da perfumada negociante-populista residente na Casa Rosada, parece ter sido esta:

publicado às 12:06

Pampeirices

por Nuno Castelo-Branco, em 11.03.13

No Atlântico Sul, os habitantes das Falklands exercem livremente o direito à autodeterminação que lhes é negado pela sempre reboluda senhora Kirchner. Já esquecida da clamorosa e plenamente merecida derrota de 1982, a gente da Casa Rosada fareja o petróleo e ensimesma-se em "reivindicações de proximidade" tão legítimas como a hipotética pertença da Madeira e Porto Santo ao Reino de Marrocos.

 

Dado o estado deploravel a que chegaram as F.A. argentinas, talvez não fosse má ideia uma discreta admoestação vinda dos meios militares pampeiros, instando a  peniqueira senhora a falas mais comedidas, até porque em caso de conflito, a tradição será o que sempre foi.

publicado às 18:04

Coisas descamisadas

por Nuno Castelo-Branco, em 18.04.12

O súbito impulso patrioteiro da viúva Kirchner, parece estar naquele plano furta-cores ainda impossível de perfeita identificação. Se por um lado a famiglia Eskenazi, velha comparsa do defunto Nestor em não menos conhecidas negociatas está agora na berlinda, por outro lado, há quem afirme que a expropriação da YPF, se deveu à oposição da Casa Rosada - sob pressão dos EUA - à venda desta empresa aos chineses da estatal Sinopec. Os próximos meses nos confirmarão qual destas hipóteses é a verdadeira. 

publicado às 23:46

Espanha: o Rei errou

por Nuno Castelo-Branco, em 17.04.12

Sem sequer recorrermos às elaboradas teses velhas de séculos que consolidaram ou pelo contrário procuraram minar o poder real, parece-nos certo atalhar e colocar como padrão esta verdade insuspeita e indesmentível: o edifício monárquico do Estado é o mais justo, mais estável e aquele que propicia a melhor harmonia social.

 

O Rei João Carlos I cometeu um erro crasso, dando o gosto ao dedo no gatilho. Desde sempre a caça me pareceu uma coisa detestável e ainda criança, vivendo no paraíso cinegético que era Moçambique, sempre me recusei a esse tipo de "cretinismo escopeteiro". No caso em questão, um disparate imperdoável, uma indecência, mesmo que esta caçada tenha respeitado a legalidade e o excesso da população de elefantes na zona. O Rei não deve fazê-lo. É tão simples quanto isto.

 

Em Espanha existem mais de 3.000.000 de caçadores com licença, entre os quais, infelizmente está o próprio monarca. Embora tal apetite pretensamente desportivo seja para mim uma incógnita, há que reconhecer a sua existência. Se por cá temos republicana gente que parte para carabineiros safaris ou dispendiosíssimas jagatinas de golfe intra e extra fronteiras, tais notícias não passam de curiosidades para cinco minutos de charla. Pois em Espanha a coisa parece ser diferente. Conhecendo-se a situação periclitante da unidade do próprio Estado, há quem procure tirar dividendos de uma desastrada opção lúdica do monarca. Consistiu num inexplicável erro, é verdade, e tratando-se de reis, este tipo de atitudes são escrutinadas da forma impiedosa que se sabe. Qualquer Presidente pode caçar livremente, ter férias por conta de escroques da finança internacional, "vencer eleições" através de fraudes, ser ostensivamente subornado por um qualquer potentado centro-africano, mandar liquidar gente do Greenpeace a bordo do Rainbow Warrior, escutar adversários, criar redes de tráfico de influências, traficar diamantes e marfins de forma impune ou até ir amealhando acções, propriedades fora do registo público e outros malabarismos que a sua posição pública - ou melhor, política - lhe permite.

 

Aos reis, tudo isto está muito justamente vedado. Os monárquicos devem ser e são exigentes.

 

Na longa noite da Tejerada, D. João Carlos obrigou o então garoto D. Filipe a permanecer acordado, assistindo ao desenvolvimento da situação explosiva que o golpe criara no novel regime espanhol. Mais ainda, declarou tê-lo advertido quanto à "profissão real", ..."necessário sendo construí-la dia a dia, incessante e perseverantemente". Aproximando-se dos oitenta anos, o homem que ainda há pouco tempo colocou no seu devido lugar o grotesco chefão de Caracas, parece ter-se esquecido de si próprio, partindo para um safari em terras quentes e ricas em grassa grossa. Fisicamente decaído, surge esgotado e não será difícil compreender o quão trabalhoso é o cargo que ocupa, mesmo descontando o longo período de expectativa e criação das condições que o guindariam ao trono e por sua mão, a Espanha à democracia plena.

 

Uma breve leitura das caixas de comentários nos principais periódicos espanhóis, apenas nos confirmarão muitos dos alegados preconceitos que normalmente são atribuídos aos nossos vizinhos: gente pouco curiosa pelo outro, ensimesmada, fanática por qualquer fait-divers, sanguinolentamente reactiva a qualquer minudência, por muito inconsequente que esta possa ser. É este, o caso. Em suma, bramem pelos oito milhões anuais gastos com a Casa Real - o cerne de todos os discursos é este - , desconhecendo totalmente o que se passa no seu arruinado "vizinho ibérico" e nem sequer sonhando com o elíseo regabofe parisiense. Pior ainda, mergulhados no seu castelhano-centrismo, olvidam o que significa uma república em Espanha, ou seja, a própria extinção desta denominação como uma entidade política no concerto dos Estados. 

 

A Espanha está sob cerrado ataque. Cerrado ataque por parte da mafiosa plutocracia que se faz sentir na questão da dívida soberana e principalmente, cerrado ataque àquilo que neste momento mais deveria preocupar todos os espanhóis: as suas empresas, precisamente esses bem conhecidos polos de criação de riqueza que o regime da Monarquia Parlamentar conseguiu firmar em todo o mundo. Uma patética aventureira de marcantes características caudilhistas, num daqueles enxertos fascisto-leninistas, resolveu-se a uma golpada que precisamente há trinta anos, seria de outra forma tentada pelo seu antecessor Leopoldo Galtieri. Esta expropriação da YPF/Repsol, além de esconder o claro interesse privado da famiglia Eskenazi no assunto, subverte todas as regras do Direito. A um anúncio de expropriação precipitado pela descoberta de novas jazidas petrolíferas, seguiu-se um inopinado e vergonhoso ataque, ocupação da sede e expulsão dos gestores da Repsol e mais ainda, a ameaça de continuação do processo de extorsão, apontando-se o Santander, a Mapfre e a Telefónica como próximos alvos.

 

Entretanto e em Madrid, a dúzia e meia de tricoloridos "demócratas porque nada", insiste em questões próprias do revistismo cor-de-rosa.

 

O Rei errou. Pois sim, e daí?

publicado às 21:00

Loucuras pampeiras

por Nuno Castelo-Branco, em 03.03.12

Aquela balzaquiana figura que visava alternar a presidência com o marido, decidiu embarcar na perigosa canhoneira em direcção às brumosas Malvinas que se chamam Falkland. Num país que há quase um século vive de olhos lacrimejantes num contínuo Don't cry for me Argentina, cantoria de serviço a generais de aventuras de Tintim, coristas de vaudeville e neste caso, a aparentes manicuras desencartadas, aquelas ilhas separadas por centenas de quilómetros de mar, são olhadas com a mesma excitação reservada à selecção nacional pampeira.

 

Às febris cabecinhas da Casa Rosada, pouco interessará o princípio da soberania baseada na vontade das populações, uma vez que em termos internos, os argentinos têm alternados fervores descamisados à boca das urnas, com aquele outro conhecido tratamento que no chicote e nos óculos escuros encontra os melhores símbolos de poder. Nada de novo.

 

A incontornável alegação de o arquipélago "pertencer à Argentina porque se situa nas imediações", poderia colocar Portugal e Espanha perante um dilema semelhante, não fosse o Rei Moamede VI um homem mais consciente das realidades. É que tanto a Madeira como as Canárias se encontram nas imediações das praias marroquinas, nem por isso deixando de ser menos portuguesas ou espanholas. Tal como nas Falklands, Gibraltar ou Ceuta, as respectivas populações assim desejam continuar.

 

É claro que toda a histeria kirchnista se deve sobretudo a questões de petróleo e outros bens a explorar, servindo o nacionalismo como enquadramento. Tomem os generais e almirantes argentinos em boa nota a determinação britânica, apesar da viúva Kirchner, agora no uso de clara retórica chavista, ter presente o facto do essencial hiato de cobertura aeronaval que causa alguns embaraços ao trabalho que a Royal Navy. Em caso de imperiosa necessidade, os britânicos não hesitarão em executar o serviço de defesa das ilhas, quanto a isso não haja qualquer tipo de ilusão. Apesar de ainda terem de esperar mais uns dois ou três anos pela entrada de serviço dos porta-aviões, nas próprias ilhas podem colocar valiosos recursos militares, capazes de afastar as muito descuidadas forças armadas argentinas.

 

Londres nem sequer precisará de acrescentar uma única palavra à sintomática declaração de Roger Edwards, presidente da Assembleia Legislativa de um arquipélago sem população argentina"os voos de Buenos Aires são tão prováveis quanto a Falkland Air Service (companhia aérea de voos entre as ilhas) aterrar na Lua".


publicado às 10:22

Alberto Fernández, um "disparate político"

por Nuno Castelo-Branco, em 02.02.12

Este fernandês, é uma espécie de eminência parda daquele esquisito regime que tem a senhora Cristina como ícone. Além das suas chalaças acerca do arquipélago das Falkland/Malvinas, o resto da entrevista dada ao i por este mais que notório austral descendente em linha mais que recta da menina Lucy, demonstra o porquê da contínua decadência daquele que há cem anos, era um dos mais progressivos países do mundo.

 

Um dia destes ainda teremos um ministro marroquino ou um turbantado da Polisario a garantirem ser um disparate jurídico, a não "pertença da Madeira" à plataforma do Algarve de além-mar.

 

Em definitivo, vivemos num estranho mundo.

publicado às 09:56

"Where are our capital ships?"

por Nuno Castelo-Branco, em 01.10.11

A Madeira e o Porto Santo encontram-se geograficamente mais perto de Marrocos que de Portugal, mas isso não constitui argumento para qualquer reivindicação territorial por parte do reino de Mohamed VI. Bem medidas as milhas náuticas, as Falkland/Malvinas estão praticamente a uma idêntica distância do cone sul-americano.

 

Num sucinto artigo, o Expresso hoje noticia o progressivo esfriamento das relações anglo-argentinas. Nas vésperas do período eleitoral onde pretenderá a reeleição para a presidência, a manicura da Casa Rosada aposta no efeito-patriótico e recorre como qualquer vulgar general ao bom estilo bananeiro, ao "caso Malvinas". O primeiro passo já foi dado, com o levantar de todo o tipo de entraves ao abastecimento das ilhas, sempre dependentes do fornecimento de bens provenientes dos circuitos de distribuição portuária no continente. Assim sendo, a estranha aliança populista que agora une o Brasil, o Uruguai e a Argentina ao quimioterápico e castrista Chávez, visa causar perturbações aos britânicos, cortando-lhes na mercearia. Um acto de quase guerra que poderá ter gravosas consequências, principalmente para a estabilidade da região onde os EUA têm visto decrescer a sua influência. Deste sofrível aliado, os britânicos pouco ou nada poderão contar, a não ser as informações que a tecnologia USA lhes proporcionar. Cameron já anunciou o reforço militar das ilhas e no final de contas feitas, tudo isto poderá não passar de uma rotineira cacofonia para eleitor pampeiro ver.

 

No entanto, o Expresso não menciona um pequeno detalhe que poderá ser decisivo e significar algo mais: pela primeira vez desde há nove décadas, a Royal Navy não possui qualquer capital ship. Esta é mais uma das heranças deixadas pelo "New Labour" do Sr. Blair. Por outras palavras e recuando na história, isto significaria a ausência em Trafalgar de qualquer navio de linha da classe do HMS Victory, ou o inglório e suicidário enfrentar dos couraçados da esquadra de alto-mar do Kaiser, apenas recorrendo a cruzadores e contratorpedeiros arvorando a Union Jack. Menos distante no tempo, imaginemos o que teria acontecido aos britânicos se na Batalha do Mediterrâneo, apenas pudessem ter contado com o Warspite, o Barham e o Valiant, prescindindo do rosário de porta-aviões que acabaram por lhe garantir a vitória contra a Regia Marina? Assim sendo e descontando o forte parlapatonês italiano presente na sociedade argentina, o "madamismo" peronista que pontifica em Buenos Aires, poderá ser tentador para alguns almirantes e generais ainda ressabiados pela derrota de 1982. A ver vamos se entrarão numa aventura que talvez lhes poderá devolver o poder a curto prazo. É duvidoso, mas não impossível.

 

publicado às 17:34

O Maradona de Kusturica

por João Pedro, em 22.10.09

 

 

Entre Fevereiro e Março passou discretamente pelas salas de cinema o filme de Maradona, do realizador/músico sérvio Emir Kusturica. O género estaria oficialmente dentro do documentário, mas na prática trata-se de um filme de propaganda, um pouco ao estilo de Michael Moore.


Kusturica, nacionalista sérvio, activista anti-independência do Kosovo e realizador de filmes memoráveis (particularmente nos anos noventa), tem-se dedicado mais nos últimos tempos à sua carreira com os No Smoking Orchestra, com a qual tem visitado Portugal regularmente. Não deixou contudo de desenvolver um projecto antigo, o de homenagear o ídolo dos argentinos e napolitanos, vencedor quase a solo do Mundial de futebol 1986 e tristemente caído nas malhas da cocaína, Diego Maradona. Para isso, deslocou-se várias vezes à Argentina, onde o esperava um ex-craque com o volume de um tonel, assistiu a ritos da igreja maradoniana, levou-o a Belgrado e não cessou de focar a sua "mensagem revolucionária". Um dos pontos altos do filme é aliás um comício de Hugo Chavez, com el pibe ao lado, como sempre meio louco, em que o presidente venezuelano brindou os assistentes com as suas habituais pantominices.



 

Na sua actual forma rubicunda, Maradona revela, como se esperava, um ego do tamanho do mundo. Considera-se um a espécie de self made player com ajuda divina. Diz tudo o que pensa de forma desbragada, mesmo que leve a contradições estranhas. Mostra o bairro onde cresceu, em La Boca, Buenos Aires, a ida para a Europa, Barcelona, primeiro (e a épica cena de pancadaria num jogo com o Athletic Bilbao), e Nápoles, depois. Na Campânia cometeu as maiores proezas, só igualadas pela conquista do Mundial de 1986 e a famosa "Mão de Deus" contra Inglaterra, cena repetida vezes sem conta no filme.


 
A meio da fita vem a sua declaração de amor a Cuba e a Fidel Castro. Utilizando um jargão muito comum na América Latina, El Pibe afirma que "graças a Fidel é que não falamos inglês", mostrando o quão gosta dos Estados Unidos. É uma teoria um pouco rebuscada, porque dificilmente se imagina como é que uma ilha das Caraíbas conseguiu tal proeza - não me lembro de nenhum muro impedindo a presença de norte-americanos - e mesmo em tempos pré-1959 a população falava espanhol. Há recriminações à ditadura militar dos anos setenta e oitenta, pois claro, mas a seguir diz que recusou-se a cumprimentar o Príncipe de Gales porque este teria "as mãos manchadas de sangue". Suponho que se estaria a referir à Guerra das Malvinas. Quem efectivamente esteve lá foi o Príncipe André, não Carlos, e quanto à guerra, nunca chegou a ser efectivamente declarada (pela Rainha), antes se tratou de uma resposta do governo britânico face à invasão argentina. Além de incriminar o príncipe sabe-se lá porquê, acaba por tomar o partido da junta ditatorial argentina, responsável pelo início das hostilidades e pela humilhante derrota que acabaria por ditar a sua queda. No fundo, a mesma posição de Fidel Castro, que numa posição contra-natura prestou o seu apoio àquele regime. Diga-se também que enquanto durou a sangrenta ditadura argentina, el Pibe jogou sempre pela equipa nacional. Transparece logo um violento sentimento anti-anglo-saxónico, confirmado ao longo do filme com pequenas recriações animadas e satirizantes do "Golo do Século", marcado no mesmo jogo contra a Inglaterra em 1986, em que sucessivamente Maradona finta e bate Thatcher, Reagan, Blair, Bush e a Rainha Isabel II, ao som de God Save the Queen - a dos Sex Pistols. Todos ao molho, desbaratados pelo talento do pequeno argentino.
 
 


 

Duas conclusões se tiram da singular ideologia de Maradona: uma é o sentimento de "latinidade", muito bolivariano e guevarista, em que supostamente a América do Sul e Central são uma só nação, desunida por fronteiras, e que transcende mesmo as ideologias opostas. A outra é a do sentimento contra tudo o que seja anglo-saxónico, talvez até mais contra os EUA do que o Reino Unido.
 
Há ainda o Maradona "homem de família" com mulher e filhos, e as suas queixas do tempo em que estava agarrado à cocaína. Mas é no jogador e no revolucionário que o filme se demora. É uma personagem complexa e irreverente, mas a que parece faltar inteligência para as suas escolhas e os seus actos, para não falar no discurso. Baseia-se no instinto e no coração, nunca no cérebro. Confunde frequentemente as coisas e nota-se em alguns assuntos um desconhecimento espantoso do que fala, aliado a uma espécie de dogmatismo messiânico ("o das barbas [Deus]não me deixou afundar e puxou-me"). Parece encarnar o "realismo mágico", de tão sul-americano que é, e note-se que curiosamente teve o apogeu da sua carreira no ano da morte de Jorge Luis Borges. Bola, família, truculência, latinidade, anti-anglo-saxonismo, fervor místico, um percurso errático com imensos vícios: eis Diego Armando Maradona.
 
Kusturica, naturalmente, quis fazer este filme atraído pela figura irreverente do génio da bola que despertou paixões e ódios como poucos, cocktail explosivo de bola e truculência revolucionária que bem podia vir da sua Sérvia. Podia igualmente ser uma personagem dos seus filmes, com personalidade tão balcânica. Sendo real, ficou-se por um documentário. Mas para além da familiaridade que viu em Maradona há ainda o carácter político e panfletário da obra: um nacionalista sérvio como é o realizador não podia deixar de aproveitar uma figura conhecida mundialmente que disparasse tão ferozmente contra os Estados Unidos e a Grã-Bretanha, os mesmos que bombardearam Belgrado há dez anos e que acabaram com a Jugoslávia, dando a machadada final com a independência de facto do Kosovo. Assim, além de conhecer tal personagem bigger than life, usa-o como pregoeiro das suas próprias causas. As gargalhadas maquiavélicas e algo juvenis que dá amiúde quando entrevista Maradona, ao longo do filme, revelam bem a alegria que sente perante os torpedos verbais contra os ódios de estimação.
 
Maradona por Kusturica acaba por divertir medianamente, sobretudo nos passeios por entre as ruas de Nápoles e Belgrado, com algumas imagens de arquivo preciosas e recordações de jogadas de futebol realmente geniais dos gloriosos anos oitenta. Enfastia um pouco nos discursos políticos com as suas novas referências políticas e nas sequência familiares, a apelar à lágrimazinha. Mas a cena em que se vê o burlesco e a loucura que envolve Maradona é o casamento pela Igreja Maradoniana: perante uma cópia das orações cristãs adaptadas ao seu vocabulário próprio, um casal jura perante a "bíblia maradoniana" e uma bola de futebol que Maradona é o melhor jogador de sempre. Depois, para firmar o matrimónio, têm de marcar um golo com a mão, imitando o do seu ídolo em 1986. A cara do noivo gritando golo vale quase só por si o bilhete do filme e resume bem a personagem tão irreverente como patética que o inspira.

publicado às 16:33






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