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Um país não é uma entidade desligada de si. Existe um todo coerente, a matriz que o define e que crava a identidade na testa dos seus cidadãos. O terço-gigante da Joana Vasconcelos inscreve-se na eterna doutrina cultural que configura a nação - o meu carro é maior do que o do meu vizinho. Quando tudo o resto falta; o conceito, a linguagem, os códigos, a originalidade, a pesquisa profunda de símbolos e rituais, a dimensão literária imaterial, a filosofia, a melodia e o silêncio - o ruído estridente é a única saída. O estrondo da escala mitiga as nuances subtis, a ausência e a sugestão. O terço-rosário habita a mesma clausura de ignorância na arte - colide com o espírito livre que não se deixa algemar. A tríade que governa Portugal agradece a transfiguração do Estado Novo. Não a enjeita. São megalomanias desta natureza que desferem golpes naqueles que duvidam do mistério. A geringonça, embora não o decrete, aprecia as protuberâncias da Joana Vasconcelos. São expressões avultadas como esta que servem de antena para afastar descrentes. Assistimos a uma inversão. Não foi o Estado laico que foi avassalado pelo catolicismo. Foi a Igreja que se rendeu e colocou de joelhos e ao serviço do poder político. Tudo isto parece inócuo e divertido. E é precisamente esse o problema. Não é uma aparição. É real e efectivo.
Esta história dos ajustes directos, das contratações de artistas no panorama cultural nacional, faz parte da mesma patologia de prevaricação e promiscuidade que minou o sector da banca e a política. Deixemo-nos de ilusões. O tráfico de influências, os favores prestados enquanto divisa para futuras transacções, faz tanto parte da política como das artes e letras. A novela do Tordo deve servir para abrir a caixa de Pandora. Uma vez que o país está obrigado a pôr tudo em pratos limpos, uma auditoria total e irredutível é o que o cidadão português deve exigir. O contribuinte que anos a fio contribuiu para as extravagâncias decididas por autarcas, presidentes de institutos e ministros da cultura merece saber toda a verdade. O dinheiro dos contribuintes foi gerido de um modo equilibrado ou não? Houve favorecimentos? E foram prestadas contas? Os mesmos doutos e iluminados que agora se queixam do atraso cultural do país, acabam por morder a sua própria cauda. Ao declararem o seu estatuto de alegada elite confirmam que foram incapazes de servir a massa amorfa e inculta. Foram incompetentes na sua missão de partilha de cultura. Ou seja, o círculo iluminado de intelectuais é a cidade e o resto é paisagem. Que se avance com uma auditoria das contas da cultura nos últimos quarenta anos. Seria simpático saber que critérios intelectuais ou culturais foram usados. Que artistas beneficiaram do encosto de ombros ideológicos ou partidários. Parece pairar em Portugal uma certa noção de que os criadores artísticos devem ser poupadas porque é tudo tão subjectivo, é tudo tão volátil e relativo - é arte. Como se fossem intocáveis. Passemos então de Tordos a Represas, de Instituto Camões a Planos Nacionais de Leitura, de fundações disto e aquilo, de grémios a teatros, de criadores a marionetas, e, em nome da transparência, que afinal uma Democracia exige, façamos as contas dos dinheiros gastos e tiremos as devidas ilações. Não vejo razão para que o sector das artes e letras beneficie de um estatuto de imunidade ou impunidade. Já se sente no ar algum desconforto dos principais agentes culturais deste país. Começam a ripostar, a se tornar hostis à luz de um conceito de averiguação que lentamente começa a emergir e a implicá-los. Se é tudo tão límpido quanto aparentam, então que se apresentem sem medo - quem não deve não teme. Não é assim?
Certos ditos liberais prestam-se ao ridículo. Depois admiram-se que os apodem de ignorantes ou culturalmente analfabrutos.
Luís M. Jorge:
«O autor deste boneco é o tal Mi-ró. Ele disse que tinha demorado a vida inteira para pintar como uma criança…. Se tivesse falado antes com os meus filhos demorava… cinco minutos hihihihihi!!! A Carlota ainda ontem me pintou três Mirós na parede quando chegou das Doroteias… lol. Agora vou vendê-los à quermesse por quinze milhões d’euros e arrasar nos saldos no El Corte Inglés e comprar outro livro do papa Francisco para dar à minha sogra e ajudar os pobres. Deus no céu e eu na terra, qu’chiiiique!!!…»
Nunca é demais repetir que se tudo pode ser arte, nada é arte, e que boa parte da arte contemporânea é simultaneamente causa e sintoma do declínio intelectual e moral do Ocidente, onde vai imperando um relativismo que permite a qualquer idiota cometer um qualquer acto repulsivo e nojento e clamar que isso é arte - sem esquecer que nunca faltam idiotas para o seguir nesta prostituição pelo abuso do que deveria significar a palavra arte. Posto isto, algo está muito errado na cabeça deste rapaz. No mínimo, é doentio.
T. S. Eliot, Notas para um definição de cultura:
«Quando cada termo é tomado no seu justo contexto, a concepção de cultura e religião, como sendo aspectos diferentes da mesma coisa, é uma concepção que requer ser devidamente explicada. Desejo sugerir, porém, em primeiro lugar, que ela nos fornece os meios de combater dois erros complementares, o mais comum dos quais é pensar que a cultura pode ser conservada, ampliada e desenvolvida na ausência de religião. Este erro é mantido tanto pelo cristão como pelo descrente e a sua refutação exige uma análise histórica muito pormenorizada, visto que a verdade não é facilmente aparente e pode até parecer desmentida pelas aparências; uma cultura pode continuar, sim, e mesmo produzir algumas das suas mais brilhantes obras artísticas e de outros géneros depois de a fé religiosa ter caído na decadência. O outro erro é acreditar que a conservação e a continuação da religião não têm de contar com a conservação e a continuação da cultura, uma convicção que pode até conduzir à rejeição dos produtos da cultura como sendo obstruções frívolas à vida espiritual. Para nos encontrarmos na posição de rejeitar este erro, e também o primeiro, é necessário que olhemos bem longe e recusemos aceitar a conclusão, quando a cultura que temos ante nós é uma cultura sem declínio, de que a cultura é algo que podemos considerar com indiferença. Devo acrescentar que ver a unidade de cultura e religião dessa forma não implica que todos os produtos da arte possam ser aceites sem críticas, nem que essa perspectiva nos ofereça um critério pelo qual toda a gente possa distinguir imediatamente a diferença entre eles. A sensibilidade estética deve ser elevada à percepção espiritual e a percepção espiritual à sensibilidade estética e ao gosto disciplinado, antes de nos qualificarmos para julgar a decadência, o diabolismo ou o niilismo na arte. Julgar uma obra de arte por padrões artísticos ou padrões religiosos, julgar uma religião por padrões religiosos ou padrões artísticos, no fim de contas, deveria ser exactamente o mesmo., embora se trate de um objectivo que nenhum indivíduo pode alcançar.»
Abro o site do Palácio Nacional da Ajuda para consultar os horários do mesmo e sou prontamente informado que este está temporariamente encerrado para que possa ser montada uma exposição de Joana Vasconcelos. Diz que agradecem a compreensão. E eu agradeço a informação, dispensando visitar o Palácio enquanto lá estiver exposto esse lixo.
Oscar Wilde, "The Critic as Artist":
«Ernest: Gilbert, you treat the world as if it were a crystal ball. You hold it in your hand, and reverse it to please a wilful fancy. You do nothing but rewrite history.
Gilbert: The one duty we owe to history is to rewrite it. That is not the least of the tasks in store for the critical spirit. When we have fully discovered the scientific laws that govern life, we shall realise that the one person who has more illusions than the dreamer is the man of action. He, indeed, knows neither the origin of his deeds nor their results. From the field in which he thought that he had sown thorns, we have gathered our vintage, and the fig-tree that he planted for our pleasure is as barren as the thistle, and more bitter. It is because Humanity has never known where it was going that it has been able to find its way.
Ernest: You think, then, that in the sphere of action a conscious aim is a delusion?
Gilbert: It is worse than a delusion. If we lived long enough to see the results of our actions it may be that those who call themselves good would be sickened with a dull remorse, and those whom the world calls evil stirred by a noble joy. Each little thing that we do passes into the great machine of life which may grind our virtues to powder and make them worthless, or transform our sins into elements of a new civilisation, more marvellous and more splendid than any that has gone before. But men are the slaves of words. They rage against Materialism, as they call it, forgetting that there has been no material improvement that has not spiritualised the world, and that there have been few, if any, spiritual awakenings that have not wasted the world's faculties in barren hopes, and fruitless aspirations, and empty or trammelling creeds. What is termed Sin is an essential element of progress. Without it the world would stagnate, or grow old, or become colourless. By its curiosity Sin increases the experience of the race. Through its intensified assertion of individualism, it saves us from monotony of type. In its rejection of the current notions about morality, it is one with the higher ethics. And as for the virtues! What are the virtues? Nature, M. Renan tells us cares little about chastity, and it may be that it is to the shame of the Magdalen, and not to their own purity, that the Lucretias of modern life owe their freedom from stain. Charity, as even those of whose religion it makes a formal part have been compelled to acknowledge, creates a multitude of evils. The mere existence of conscience, that faculty of which people prate so much nowadays, and are so ignorantly proud, is a sign of our imperfect development. It must be merged in instinct before we become fine. Self-denial is simply a method by which man arrests his progress, and self-sacrifice a survival of the mutilation of the savage, part of that old worship of pain which is so terrible a factor in the history of the world, and which even now makes its victims day by day, and has its altars in the land. Virtues! Who knows what the virtues are? Not you. Not I. Not any one. It is well for our vanity that we slay the criminal, for if we suffered him to live he might show us what we had gained by his crime. It is well for his peace that the saint goes to his martyrdom. He is spared the sight of the horror of his harvest.»
P.S.: Veja-se esta amostra http://mademoisellecaetanodiaz.blogspot.pt/2012/10/a-procura-de-juliao-sarmento-em.html
Sobre as interpretações pseudo-intelectuais do caricato restauro protagonizado por Cecilia Gimenez, recomendo a leitura deste post do Nuno Resende, de que aqui deixo os parágrafos finais:
Por uma vez estou de acordo com o que se escreve no Arrastão, no caso, pelo Sérgio Lavos. Já de há alguns anos a esta parte que se tornou evidente o apoio regimental a Joana Vasconcelos, que recentemente se reflectiu nas palavras manifestamente exageradas de Paulo Portas. Deixando de lado este descaramento, mais uma vez pago pelos contribuintes, o que realmente me provoca espanto é a classificação do trabalho de Joana Vasconcelos como arte. Arte contemporânea, claro está, o que faz com que este espanto não seja, obviamente, exclusivo a Joana Vasconcelos. Doem-me os olhos ao ver as fotografias da exibição em Versailles. Esteticamente, é piroso e pavoroso. Simbolicamente, parece-me cair na classificação de Heidegger de "má arte", ou seja, é superficial, não indo além de uma mera relação linear com o que pretende representar, tendo uma mensagem meramente efémera, fácil e rapidamente captável, mas que fica por aí. Como salienta Mark Vernon, "não consegue ver para além da pequenez dos seus próprios horizontes auto-confiantes." Um lixo, portanto.
Esta estatueta do faraó Akhenaton, roubada durante os auspiciosos eventos no Cairo, foi encontrada em plena Praça Tahrir, dentro de um contentor de lixo. Assim, caem por terra as apressadas alegações de ..."malfeitores a soldo dos mubarakistas" que teriam assaltado o Museu Egípcio.
Dada a evidência de certos perigos, talvez seja melhor para a egiptologia e o seu património, se o busto desta senhora permanecer onde tem estado. Se sobreviveu aos aviões da RAF, da US Air Force, da Voenno-Vozdushnye Sily (Força Aérea Vermelha) e aos 16.000 canhões de Jukov e Koniev, Berlim consiste numa excelente garantia.