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O assassinato do Embaixador Russo Karlov em Ancara deve ser interpretado à luz dos interesses comuns da Rússia e Turquia. São mais os pontos convergentes entre os dois Estados do que aqueles que os separam. Os regimes de ambos os países dependem em larga escala da justificação excêntrica. Quer Putin quer Erdogan poderão validar de um modo ainda mais intenso o modus operandi dos seus aparelhos. O alibi terrorista "externo" serve convenientemente a escalada de sistemas de controlo interno, a repressão dos media, os ataques aos inimigos que alegadamente polvilham destinos como Alepo, o reforço do apoio a um regime análogo como aquele de Assad na Síria, mas sobretudo uma certa eternização dos pressupostos de política interna e externa russa e turca. Desenganem-se aqueles que realizam a leitura deste ataque terrorista à luz de um conflito entre os Estados formais - entre a Turquia e a Rússia. Os dois Estados, simbioticamente, saberão extrair dividendos deste evento. Erdogan poderá invocar a necessidade de uma ainda maior limpeza das forças de segurança interna e incrementar o seu processo de saneamento. Quase simultaneamente o ataque terrorista no mercado de Berlim parece obedecer a uma lógica de oportunidade e não tanto de premeditação. O primeiro evento envolvendo o Embaixador Russo em Ancara serviu para "ligar" as antenas dos media internacional, e à boleia desse facto, os actores envolvidos em Berlim terão aproveitado a deixa. A Turquia que já havia plantado sérias dúvidas em relação a uma putativa pertença à União Europeia, aproveitará este evento para se distanciar ainda mais das instituições europeias que têm demonstrado grande ineficácia no que diz respeito ao grande desafio migratório, e a montante ou jusante, o drama sírio. A Rússia tem a sua agenda determinada há já algum tempo, e estes trágicos acontecimentos em nada descarrilam os seus processos. Isto não acaba aqui. Nunca acabou. Nem terminará. Este é o nosso mundo.
Enquanto as Esquerdas e Direitas iluminadas cá do burgo discutem o correcto posicionamento em relação ao ataque terrorista ocorrido em Orlando na Florida, por causa da trictomia homossexualidade-arma de fogo-Estado Islâmico, convém relevar os seguintes pontos; na corrida presidencial dos Estados Unidos (EUA) quem mais vai beneficiar é Donald Trump. Há meses atrás, neste mesmo blog, referi este facto. Um ataque terrorista em solo americano serviria para validar a sua tese securitária, anti-islâmica e proteccionista - e isso ajuda a sua campanha baseada no medo colectivo. No entanto, existem diversas dimensões que devem ser analisadas. Pelo que sabemos, nenhum dos gay que participava na festa latina na discoteca Pulse tinha em sua posse uma arma de defesa pessoal - lá vai pelo cano o anti-americanismo primário de que andam todos armados na América - pelos vistos estes não. Em segundo lugar, somos informados que o Federal Bureau of Investigation (FBI) já detinha um ficheiro respeitante ao principal suspeito - ou seja, os serviços de informação não foram irrredutíveis e competentes na triagem de vilões. Em terceiro lugar, o operacional ao serviço do Estado Islâmico (EI) acaba por colocar em prática cânones que precedem esta organização terrorista - o Alcorão é intensamente declarativo em relação ao seu desprezo pela homossexualidade. Em quarto lugar, as grandes teorias organizacionais em torno das ligações, comunicações e linhas de comando dentro da estrutura do EI não servem a causa de interpretação dos factos. O agente do EI em causa valida-se na sua missão de um modo remoto da Síria ou Iraque, apetrecha-se no mercado local de armas semi-automáticas, presta vassalagem aos senhores do EI e ainda informa as autoridades locais sobre a iminência de um ataque. Assistimos também a outro processo em curso. À segmentação do alvo. O grau de diferenciação que instiga aquele que perpetra o ataque a escolher uma sub-categoria de inimigo - os homossexuais -, revela uma maior sofisticação operacional. Será expectável, na senda da mesma lógica, outros modos de distinção. A saber, e por exemplo, um enfoque especial do EI em relação a organizações de defesa dos direitos das mulheres. Mesmo com a chuva de críticas de que tem sido alvo os EUA, as autoridades não produziram os discursos inflamados que a Europa desejava. Por outro lado, o grau de solidaridade europeu em relação aos eventos de Orlando parece ter sido mitigado por outros espectáculos, como aquele de Marseille. Não vejo muitos Je Suis Orlando por aqui. É mais bota abaixo bola acima. Os de cá não querem ser confundidos como sendo de outras equipas.