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O oportunismo de António Costa deve ser analisado mais em detalhe. A sua falta de fair-play democrático acarreta consequências em diversas estruturas de natureza política ou sociológica. Ora vejamos. Não sei o que vem escrito na Constituição das Repúblicas Autárquicas, mas imaginemos que a revolta fosse passível de ser deflagrada noutras instâncias e, deste modo, teríamos minorias em sede de Assembleia Municipal, que no culminar de certos resultados eleitorais, decidissem, post hoc, e em conluio, destituir o Presidente de Câmara Municipal eleito por maioria, mesmo que relativa, substituindo-o por outro resultante de uma soma conveniente de maus-perdedores. Gostaria de saber o que o Supremo Tribunal Autárquico teria a dizer sobre o assunto. Ou ainda, se em processos de eleição para presidentes de clubes de futebol, os candidatos que não conseguissem atingir os seus objectivos, apresentassem à revelia do bom-senso e equilíbrio democrático, um presidente-fantasma emergido da bruma combinada de uma aposta múltipla de última hora. Não sei se me faço entender, mas o comportamento da "Esquerda rancorada pelos resultados", viaja para além do domínio da política strictu sensu. O que os socialistas, bloquistas e comunistas estão a fazer, arrasa conceitos comportamentais que resultam da ideia de direito natural. Mexe com aspectos etológicos e acaba por premiar a animalidade instintiva, aquilo que William Golding narra na sua obra O Senhor das Moscas. António Costa já não é socialista. Nem sequer será comunista. Inclassificável.
Demagogia é uma doença grave. Afecta grande parte dos membros políticos da nossa sociedade. Mas existe outra patologia ainda mais grave - a mentira. E mesmo que a mesma seja repetida vezes sem conta, não se transforma em verdade. Quando António Costa afirma que oito orçamentos rectificativos são a prova de que o governo falhou, deveria virar a sua lupa de inspector para a gestão da Câmara Municipal de Lisboa (CML) e as contas habilmente camufladas pela venda de património ao desbarato, entre outras manobras. O presidente de câmara, que teve a oportunidade concedida por diversos mandatos para provar a sua competência, não pode, à meia-volta, omitir a sua vida autárquica, quando apresenta as credenciais aos eleitores, simpatizantes ou não. Se bem me recordo, quando lá chegou (à CML), para fazer face ao balancete, obteve um empréstimo de 500 milhões de euros (estarei enganado?) que foi muito conveniente para dar o ar de graça de contas saudáveis. Embora os socialistas se afirmem quase "racialmente" diferentes dos outros (melhores e mais iluminados), em abono da verdade não praticam uma religião diferente. Quando o governo decidiu alienar empresas públicas houve logo um coro de protesto sobre a perda de soberania e entrega de empresas-bandeira, mas Costa não faz algo diverso. Vende uma parte da história de Lisboa com o mesmo sentido de urgência. Ou seja, se os portugueses forem objectivos na análise dos factos, terão de interpretar e validar a obra de António Costa na autarquia lisboeta. O seu estágio camarário deve servir de teste para voos maiores, para a sua promoção ou não. Qual o resultado da conta de somar e subtrair na gestão de Lisboa? É esse o critério que deve servir para organizar o processo de reflexão respeitante à eleição, numa primeira fase, de um candidato a candidato, e mais tarde (quando porventura for tarde demais), de um candidato a primeiro-ministro. O departamento de comunicação da CML pode produzir todos os videos catitas que quiser, com um décor pejado de amigos à volta da clareira, mas esses diaporamas contam apenas metade da estória. Não me venham com a cantiga que o país foi à ruína, mas que existe uma excepção, um estado-exíguo, a ilha de deslumbramento onde a devastação não chegou. Lisboa responde perante o país, assim como António Costa.
Ainda não percebi muito bem onde termina a Câmara Municipal de Lisboa (CML) e onde começam as Juntas de Freguesia. Dizem que existe uma linha que separa uma coisa e outra. Ou será que é algo diverso? Por exemplo, uma janela de oportunidade para sacudir a água do capote quando a coisa não corre bem: Muito agradecemos a reclamação, mas essa matéria diz respeito à sua Junta de Freguesia. Ou então o inverso, quando na Casa do Povo houve uma iniciativa bem sucedida e o país inteiro aplaude a “dinâmica da CML” que afinal nada teve a ver com o assunto, mas que não deixa fugir o resultado líquido da publicidade de uma qualquer praia do Torel. Não sei se me faço entender? Esta espécie de “regionalização” da capital lisboeta parece servir para um fim muito preciso: diluir o sentido de competência e de responsabilidade política. O residente da capital acaba por ter duas casas, duas vidas: uma na autarquia e outra na freguesia. Mesmo que a nova divisão administrativa tenha resultado na optimização de recursos e numa mais eficiente utilização de meios, a verdade é que o destinatário final, o residente de Lisboa, não sabe muito bem desenhar o mapa de competências da cidade. Deixou-se confundir pela complicação, pelo novo organograma que não altera de um modo fundamental o modo como se vive na metrópole, mas que distorce o quadro de percepções. É como se desejassem que Lisboa não se desse a conhecer àqueles mais interessados pelas suas causas. De nada serve Lisboa ganhar o concurso de melhor destino europeu do New York Times ou da CNN, se os que cá vivem é que têm de aguentar a bronca – os turistas que descem dos cruzeiros para visitar a cidade não ficam mais do que alguns dias, e não têm de lidar com os problemas que afligem os residentes. Os camones disfrutam do bem-bom e não imaginam os desafios que se apresentam aos lisboetas. Sabemos muito bem que Lisboa tem uma vocação turística assinalável, mas a prioridade deve ser dada aos que vivem definitivamente na cidade. Mas há mais que gostaria de incluir nesta lista de considerações que esgotam as fronteiras da freguesia ou do turista ocidental. Há algo de mais estratégico que faz falta a Lisboa. Uma visão global e prospectiva, assim como algumas ferramentas essenciais. Que tal um conceito de desenvolvimento dedicado apenas a Lisboa? Algo que poderia ser designado por “Zona Económica Exclusiva de Lisboa” – uma resenha exaustiva dos atributos económicos e sociais da cidade. Um quadro a cores que identifique as carências e que assinale as valências. Não conheço a App - um interface para medir o biorritmo económico e social do bairro. Se querem aproveitar a arquitectura administrativa da cidade, então que se proceda ao levantamento das necessidades de cada localidade. Qual a taxa de desemprego na freguesia de Santa Isabel? E qual o rácio entre o número de habitantes e os serviços médicos na zona de Alcântara? E qual o PIBf (produto interno bruto de freguesia) de Belém? Um potencial empreendedor ou investidor, que queira avançar para o terreno, nem sequer dispõe de dados que permitam testar o seu modelo de negócio antes do seu próprio arranque. Será que faz falta mais um café na zona do Campo Pequeno? São estes dados estatísticos que devem estar à mão de semear do residente de Lisboa. A economia local apenas se tornará produtiva e inovadora se os destinatários finais puderem participar na sua (re)construção. No meu entender, os habitantes de Lisboa têm vivido há demasiado tempo na sombra, na ignorância dos elementos operativos mais básicos. Trabalha-se em Lisboa como se vive. Com o coração na mão, mas sem a racionalidade que permita fazer a destrinça entre o impulso do momento e a visão de longo prazo, sustentável. Os políticos que gerem os destinos da cidade ainda não perceberam que devem entregar Lisboa a quem de direito, aos seus residentes. A matriz cultural que rege a relação entre o poder político e os seus súbditos tem de mudar. A cidade não largará as docas como um navio de cruzeiro. Fica, deixa-se estar. Eternamente.
Estive recentemente em Castelo Branco. Cidade do interior sobre a qual tinha vaga e longínqua impressão não muito distante da Guarda onde a presidência da república foi já por duas vezes comemorar o dia de Portugal. Fui e gostei. A mesma luz raiana das cidades da estremadura o vagaroso tempo dolente estimulado pelo clima agreste e serenado por alamadas frondosas. À parte uns arremedos progressistas, fruto da mentalidade «autarquista» que nos anos 1980-90 semeou o país de mamarrachos, rotundas e vielas asfaltadas, Castelo Branco parece uma cidade congelada na década de 1970. Dir-se-ia que à primavera marcelista não houve verão quente da urbanização. E assim, dolente como o calor que se fazia sentir, percorri as ruas de uma cidade repartida entre o traçado medieval e a expressão de um vago progresso estado novista.
Mas o que realmente me chamou a atenção em Castelo Branco, para além do facto de ser a pátria do grande Amado Lusitano, foi um par de estruturas ligadas à arte. Nâo me refiro ao recém inaugurado Centro de Cultura Contemporânea (a designação é feliz, pois farta já a denominação museu) que se impõe mais como objecto do que como edifício. De resto, este tipo de empreendimento ganharia muto mais em assumir-se como obra de arte e menos como repositório da mesma. Note-se que nem cheguei a entrar naquela inusitada estrutura por lhe não encontrar a porta de acesso. Foi melhor assim. O que primeiro me chamou a atenção foi realmente o Museu Cargaleiro.
Oculto no velho traçado medievo o conjunto de espaços ocupados pelo museu acaba por impor-se como um dos locais a não perder na cidade. Sempre me fascinou a obra de Cargaleiro pela capacidade de criar a partir da cultura portuguesa, um género artístico legível fora das nossas portas. Desde sempre me deliciei com as estações de metro de Lisboa, onde a cor, palavras e as figuras de Manuel Cargaleiro entretêm na monotonia e no ramram da viagem mecânica.
Fui a Castelo Branco, sem pensar em Cargaleiro e isso perturbou-me à medida que percorria as salas do museu. Como é possível que nós portugueses, acorramos a Amsterdão, Paris, Madrid e Londres para apreciarmos grandes nomes internacionais e não sejamos capazes de propositadamente vencermos a interioridade nacional para procurarmos a obra de Cargaleiro? Aliás, como é possível que o Museu Nacional de Arte Antiga ceda à pressão de alugar parte do protagonismo do Prado num tempo em que uma viagem low cost Porto-Madrid ou Lisboa-Madrid custa menos que um bilhete de comboio e uma entrada na exposição e que, como museu nacional, não se preocupe em promover ou descobrir novos ou velhos talentos da arte portuguesa?
Esta distância entre o que temos e o quanto dependemos dos outros não é uma questão de orçamentos de estado, empréstimos externos ou servilismo partidário. É hábito.
E quando se fala na necessidade de criar riqueza, geralmente esquece-se que estamos a matar a galinha dos ovos de ouro: a criatividade. Não é por acaso que criar e criatividade têm a mesma raíz. Continuamos a recursar a capacidade de nos renovamos criativamente com o que temos, como o fizeram e fazem António Nobre, Forjaz Sampaio, António Variações, Carlos Paião, Agostinho da Silva, Paula Rêgo, João César Monteiro, João Botelho e outros tantos a quem o destino (fado) português rejeitou no imediato.
Renovar-se e recriar-se não é o mesmo que pintar galos de barcelos com os tons do arco-íris ou fazer esculturas com tachos de alumínio ou rendas de croché - isso não é recriação, nem talento, tão-só e apenas laivos de imaginação e oportunismo.
Reinventar a cultura portuguesa, para o que de resto já contribui em parte da nossa geração modernista é, em primeiro lugar, entendê-la, depois absorvê-la e finalmente apresentá-la numa leitura universal que nunca pode ser a-histórica. O nosso presente é o nosso passado e é impossível fugir-lhe.
Quando aprendermos a gostar de nós, pode ser que o novo Brasil ou esteja em Castelo Branco. Sem grandes discursos ou comendas. Infelizmente para isso não é só regime que precisa de mudar, são os homens que o gerem.
P.S. Terão reparado com certeza que tendo referido um par de estruturas, apenas me referi a uma, o Museu Cargaleiro. A outra é o belíssimo jardim do Paço Episcopal, sinal de tempos em que Portugal não tinha interior, nem litoral. Apenas centros culturais de gente com bom gosto e visão.
É em Cascais. É em Sintra. É no Porto. É em Vila Nova de Gaia. É um pouco por todo o Portugal. Isto a meses das eleições autárquicas. Imagine-se só quando os (maus) resultados aparecerem... é melhor ninguém estar por perto. Adeus PPC!
Eis o eleiçoeiro projecto do senhor Menezes de Gaia. Talvez fosse uma boa ideia darmos uma vista de olhos nas contas do município de Barcelona, pois por aquilo que os jornais espanhóis dizem, o buraco financeiro parece ser tão largo como o da cratera de Vredefort. Não tarda muito e teremos uma lusa reedição do sr. Mas em menêzica versão.
Uma entrevista a resvalar para o bueiro da esquina e rançosas insinuações acerca do "despesismo do dr. Paulo Portas" - decerto a caquética questão dos dois submarinos que num caso de normalidade deveriam ser uns oito, pelo menos -, mostra bem o quão baixo desceu a alegada "classe" política caseira. Sempre lestos a apontarmos o dedo a Berlusconis e quejandos, deveríamos estar muitíssimo mais preocupados em alijarmos muita desta tralha borda fora. A nau portuguesa mete água pelos costados, há que torná-la mais leve e segura.
* Por JOÃO TITTA MAURÍCIO, Professor Universitário, CONVIDADO DO ESTADO SENTIDO
Com todo o devido (mas não excessivo) respeito, há muito tempo que discordo profundamente da interpretação "mais que alargada" que alguns, por outras razões que não jurídicas, vêm fazendo sobre o âmbito de aplicação da Lei nº 46/2005, de 29 de Agosto (será que nunca mais aprendem que dá mau resultado “trabalhar” em Agosto? Só espero que a data não coincida com um Domingo…). Assim, não o faço nem a partir de hoje, nem tampouco por causa de quaisquer conveniências relacionadas com motivos de presentes.
Sobre uma hipotética situação de inconstitucionalidade por omissão, com o devido respeito e salvo melhor opinião, esta é, a um tempo (e como procurarei demonstrar), uma interpretação paradoxal dos factos, da Lei em concreto e do nosso texto constitucional; a um outro, porque (a proceder aquela paradoxal interpretação) a consequência seria uma inutilidade jurídica; e, finalmente, porque (se houvesse lugar à hipotética interpretação e à sua solução juridicamente inútil) o resultado seria um “lamaçal” político de proporções incomensuráveis!
Assim, é de conhecimento comum aos constitucionalistas que o instituto da inconstitucionalidade por omissão tem por causa o carácter programático de que “enferma” uma substancial parte da actual Constituição da República Portuguesa e que, grosso modo, se localiza no catálogo de Direitos e Deveres Económicos, Sociais e Culturais, o qual é composto por aquelas a que a doutrina designa como “normas-fim” ou “normas-tarefa”. Mas também se destina àqueles outros preceitos constitucionais, dispersos pela CRP, que são concretamente impositivos, em sentido estrito, isto é, aqueles que, de uma forma permanente e concreta, vinculam o legislador à adopção de medidas legislativas concretizadoras da Constituição (Cf. GOMES CANOTILHO, “Direito Constitucional e Teoria da Constituição”, Almedina, 1998, pp. 917 e ss). Desta maneira, «só há inconstitucionalidade por omissão e, portanto, censura jurídico-constitucional ao legislador, na medida exacta em que o dever de legislar seja materialmente determinado ou determinável» (VIEIRA DE ANDRADE, “Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976”, 2ª ed., Almedina, 2001, pp. 380 e ss). Além destes contributos doutrinais, há a própria jurisprudência do Tribunal Constitucional (Cf. Acórdão n.º 276/89), o qual tem seguido como critério que, na apreciação das questões de inconstitucionalidade por omissão, não se procede a uma «fiscalização do cumprimento do “dever geral de legislar” que impende sobre os órgãos de soberania com atribuições legiferantes destinado a “acudir às necessidades ‘gerais’ da legislação que se façam sentir na comunidade jurídica” e, bem assim, dos resultados decorrentes do exercício desse dever, mas sim uma sindicância que visa apurar o cumprimento das injunções constitucionais que estabelecem “uma específica e concreta incumbência ou encargo constitucional”, “claramente definida quanto ao seu sentido e alcance, sem deixar ao legislador qualquer margem de liberdade quanto à sua própria decisão de intervir”» (Cf. “A omissão legislativa na Jurisprudência Constitucional” - Relatório Português para o XIVº Congresso da Conferência dos Tribunais Constitucionais Europeus, p. 46).
Ora no caso concreto, as normas constitucionais invocáveis (as alíneas l) e m), do art. 164º da CRP), que meramente elencam matérias e qualificam a competência legislativa da AR) nem têm uma natureza programática, nem tampouco delas resulta um dever de legislar materialmente determinado ou determinável. E parece doutrinalmente infundado afirmar-se que tal (suposto) dever de legislar poderia resultar de um (hipoteticamente) deficiente acto legislativo criado com o fim de limitar o número de mandatos, pois não se vislumbra na Constituição onde residiria esse dever de consagrar tal limite à reelegibilidade de alguns desses titulares de cargos electivos. Ora, como neste processo de fiscalização o que está em causa é apreciar e verificar o não cumprimento da Constituição se não há nela esse materialmente determinado ou determinável - e concreto! - dever de legislar, como poderia existir uma inconstitucionalidade por omissão?
Daí o paradoxo interpretativo...
Por outro lado, e imaginando que o paradoxo residia na minha interpretação, que a tese aqui criticada obtinha acolhimento e o Tribunal Constitucional deliberava verificar a existência de uma inconstitucionalidade por omissão, quid iuris? «Quando o Tribunal Constitucional verificar a existência de inconstitucionalidade por omissão, dará disso conhecimento ao órgão legislativo competente» (art. 283º, nº 2, da CRP) Ou seja, porque sempre se teria de respeitar o princípio da separação de poderes (que consagra a ideia de que se deve dar ao legislativo o que é do legislativo e ao judicial o que é do judicial), da solução constitucional para a inconstitucionalidade por omissão resulta – nem outra coisa poderia resultar! – uma mera declaração e não um poder de imposição positiva das soluções normativas consideradas necessárias para suprir a omissão. Além de que nem na Constituição, nem na Lei do Tribunal Constitucional ou em qualquer outro diploma, se encontra previsto qualquer modo de consequência ulterior à verificação da omissão de legislar, não estando pois prevista ou imposta que a tal comunicação se deva seguir qualquer tipo de iniciativa legislativa. Nem podia.
Percebe-se porque é que de uma tal hipotética solução resultaria uma inutilidade jurídica?
Fica-nos a faltar referir o problema político que, se houvesse acolhimento para a paradoxal interpretação, resultaria da inutilidade jurídica da decisão do Tribunal Constitucional.
Quando tal "solução" emergisse, nenhum dos lados poderia reclamar vitória: nem aqueles que reclamam que a Lei só se dedica às autarquias respectivas; nem aqueles que defendem uma interpretação "mais do que alargada" do âmbito de aplicação! Teriam perdido os 2 lados. Porque dessa (hipotética) deliberação do Tribunal Constitucional não resultaria – nem poderia resultar! - um dever concreto (nem sequer um dever genérico) de legislar. A única coisa que se saberia era a confirmação do que já (hipoteticamente) se sabia: que (hipoteticamente) a Lei não deu solução quanto ao âmbito territorial de aplicação.
Mas, já que estamos entretidos com hipóteses paradoxais,... e se, para se tentar resolver o problema do impasse e indefinição jurídica resultante da situação em que estaríamos (uma lei inconstitucional que procura consagrar uma proibição de recandidatura que não existia), que tal se aparecesse alguém (e já se sabe que os autarcas são todos uns malandros com muita imaginação para “soluções em rotunda”) a defender (bem sei que seria um absurdo... mas todos temos direito a um por dia, não é?) que, por aplicação extensiva do regime da declaração de inconstitucionalidade à deliberação de verificação da inconstitucionalidade por omissão, porque não produzir-se a repristinação da situação jurídica anterior? Afinal a norma que impõe o limite de mandatos seria (hipoteticamente) inconstitucional?!? E, se (hipoteticamente) assim fosse, então (ainda que por absurdo) seria (hipoteticamente) defensável que todos os actuais presidentes se poderiam candidatar em qualquer autarquia... até naquelas a que actualmente presidem!
Ou seja, com mais este (hipotético) contributo, chegaríamos a mais um... “lamaçal” político de proporções incomensuráveis!
Mas, deixando para trás os absurdos, vejamos que interpretação se pode fazer da Lei tal qual ela está redigida e na sua relação com as normas e os Princípios constitucionais vigentes (pelo menos estes... mas não só).
Parece-nos ser óbvio que a única acepção coerente... ainda que não seja a pretendida e a mais popular (ou dever-se-ia dizer a mais demagógica)... é aquela que resulta na afirmação de que a consagração de um (hipotético) limite geral à capacidade eleitoral passiva é um absurdo.
Entendamo-nos: salvo melhor opinião, uma interpretação "mais do que alargada" do âmbito de aplicação desta lei não cabe na letra da mesma. E se, como critério de interpretação, ainda se teria de descobrir um (tão pretenso quanto conveniente) “sentido”, de acordo com o que estava no pensamento ou no "espírito" do legislador, então o melhor é invocá-lo... em redor de uma mesa-de-pé-de-galo. Mas não esperem daí conclusões de natureza jurídica.
Por outro lado, se até admitíssemos que a limitação genérica de candidatura estaria na mente de alguns dos seus autores... porque será que não a colocaram: será porque tal teria ferido de inconstitucionalidade essa Lei, por violação clara de Direitos Fundamentais?
Esta lei... e é sempre de desconfiar de Leis com apenas um único artigo (pois o 2º serve apenas para indicar que se lhe aplica uma “vacatio legis" particular)... padece dos (d)efeitos de uma "superior", "fora do comum" e "inovadora" técnica legislativa (será por ser um “fruto de Agosto”), os quais se manifestam através de um grave problema: na identificação do objecto da norma, consegue confundir-se tudo e a todos confundir.
O que acaba por gerar um problema, com maior gravidade: a identificação do seu fim.
Para o descobrirmos, testemos então os limites da interpretação "mais do que alargada" daquele artigo feito Lei.
Se, numa (improvável, mas possível) situação, um cidadão tivesse sido, por 3 vezes consecutivas, eleito presidente de câmara, mas se, em cada um desses mandatos, o fosse em municípios diferentes, estaria abrangido?!?
Ou noutra (improvável mas possível) situação, se um cidadão tivesse consecutivamente cumprido um 1º mandato de presidente numa câmara, um 2º numa junta e o 3º de novo naquela câmara, cairia também na previsão normativa?!?
Por outro lado, com a limitação resultante da interpretação “mais do que alargada”, um cidadão ficava só parcialmente privado de capacidade eleitoral passiva para órgão equivalente noutra pessoa colectiva municipal, mas, já pode ser candidato à presidência de uma Junta?!? Ou vice-versa?!? Ou nenhum dos casos?!?
E, alargando a discussão a outras situações onde, constitucional ou legalmente, estão consagrados limites à capacidade eleitoral passiva – só para comparar e procurar encontrar uma coerência sistémica –, essa “peregrina” limitação só se aplica aos municípios e freguesias?!?
Poderia um presidente de Câmara ou de Junta ser candidato a Presidente de um Governo Regional. E Alberto João Jardim (se renunciasse e porque está no seu último mandato) não poderia, por exemplo, ser candidato à presidência da Câmara Municipal do Funchal?!? Ou até, nas próximas eleições, concorrer a presidente do Governo Regional… dos Açores?!?
Ou até Cavaco Silva, depois de terminado este seu mandato (e, por isso, ficando inibido de se poder recandidatar a PR), não poderia ser candidato à Junta de Freguesia de Campo de Ourique ou de Boliqueime?!?
Sou perfeitamente favorável à limitação dos mandatos... mas recuso interpretações "abstrusas", que são um absurdo jurídico e tocam nos limites exteriores da honestidade intelectual! Não é possível que, apenas para se procurar atingir resultados popularmente apelativos e demagógicos, se defendam interpretações incongruentes e sistemicamente incoerentes: os fins não justificam os meios!
A limitação dos mandatos é, em si, um princípio defensável e positivo. O que é um absurdo é tratar um cargo electivo, que tem como território de jurisdição um específico município (ou freguesia), como se fosse a mesma coisa noutro município (ou noutra freguesia)... Não faria sentido, e seria uma intolerável limitação aos seus direitos fundamentais, que um cidadão, só porque o foi presidente de Câmara em 3 mandatos consecutivos num município, ficasse genericamente privado da sua capacidade eleitoral passiva em relação a outras eleições (a verdade é que, no dia das últimas autárquicas, realizaram-se, ainda que com restrições de simultaneidade de candidatura entre algumas, não 1 mas 4876 eleições)?!?
Se quiserem fazer uma coisa bem feita... até para se evitar o recurso a outras absurdas interpretações “ajurídicas” e “aconstitucionais” como algumas que por estes dias por aí pululam,... fica uma sugestão: com o actual texto, porque não associar-se-lhe um requisito específico, de lugar e de tempo, de candidatura baseado numa exigência, por exemplo, de um período mínimo (anterior à eleição) de recenseamento nessa autarquia?
Para a aplicar não será necessário mais do que um artigo... ainda que me pareça ser melhor técnica legislativa integrar alterações ao sistema eleitoral no diploma próprio. Aliás, aproveita-se para recordar da utilidade e da urgência de um (tão prometido mas sempre adiado) Código Eleitoral Único, que inclua todas as normas avulsas e dispersas que sobre a matéria existem, que venha simplificar procedimentos, esclarecer e resolver dúvidas, corrigir contradições, preencher lacunas. Que, no caso das eleições autárquicas, são mais que muitas. Fala com a voz de algumas experiências...
Mas, por enquanto, parem de torturar esta “leizinha”, coitada: por mais que tentem, ela não pode dizer aquilo que, por conveniência demagógica, querem ouvir. Mas se o disser, todos sabem que será uma declaração que nem é verdadeira, nem séria.
E com “pantominices” nunca se resolvem os problemas.
Como profusamente se tem visto.
Nas últimas dezenas de anos.
Bom dia a todos.
Noticia hoje o "i", pela pena da jornalista Rosa Ramos, que andam à solta centenas - em concreto, uns duzentos e cinquenta - toiros bravios nos arredores de Idanha-a-Nova.
Eu nada direi sobre isto que não o seguinte: leiam o artigo, que está lá tudo. A inveja, as quezílias, a portugalidade aldeã, os labirintos do poder local, e em ulterior análise a insolvência da mente lusitana.
Está lá tudo, como na obra de Musil cujo título aproveito.
As minhas mais sinceras desculpas pela fugacidade desmesurada com que hoje comparecerei, mas estou mesmo cheio de trabalho, o que até vai sendo bom enquanto o povo não se encarrega de eleger quem venha sugar o que ainda ganho, em nome de um observatório qualquer, como por exemplo o "Observatório ibérico do acompanhamento do problema da degradação dos povoamentos de sobreiro e azinheira ".
É só googlar enquanto o tempo escoa.