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O filósofo Francês Michel Foucault referiu-se à "guerra" enquanto modelo para entender as relações sociais. No actual contexto da divisão que opõe os governos aos povos, diria que as batalhas a que assistimos têm servido para melhor identificar os diferentes corpos sociais que integram a realidade. A Austeridade terá servido para nivelar um país historicamente caracterizado pela distinção social. E agora, a auto-intitulada ou a alegada burguesia tornou a sua linguagem mais proletária, sacando os chavões de opressão utilizados habitualmente pelos trabalhadores, como se não dispusesse de um código próprio de protesto. Essa transformação não acontece por vocação. Realiza-se porque os direitos e privilégios mantidos sem justificação, estão agora a ser questionados e retirados em nome de um bem maior que corre o risco de se tornar num mal maior. Assistimos à substituição do conceito de preservação de posição dominante pela noção de sobrevivência. As categorias económicas e sociais que serviram para arrumar os diferentes grupos humanos, estão a ser revistas para integrar existências híbridas. Há muito que somos testemunhas do divórcio entre a cultura e o poder económico, do mesmo modo que registamos o vazio da inteligência doméstica, a inacção das elites intelectuais, que tentadas por um discurso intensamente populista, acabam por revelar os seus dogmas de um modo intransigente, quase fanático e próximo de um fundamentalismo desprovido de escola ideológica. No meu entender os vira-casacas são uma espécie especial a ter em conta. Nunca cultivaram as doutrinas colectivistas ou a partilha utópica, mas agora são convenientemente de Esquerda. Desse modo ninguém os chateará e poderão prosseguir a sua actividade num sistema contagiado pela mesma falsidade corporativista. A questão crítica que se coloca, e que observamos com alguma facilidade, relaciona-se com a justificação dos meios. Com que direito se invocam argumentos abstractos de justiça social para defender interesses particulares? Assistimos a sucessivas encenações de propaganda de bolso. Custa-me assistir à ausência de introspecção, o descartar de uma epistemologia política, que clarifique os conceitos operativos que são utilizados de um modo oportunista. Os axiomas extraídos de clássicos instigam paixões e despertam o medo, e o medo tem sido convenientemente utilizado para justificar a intensidade dos meios utilizados. Enquanto destinatários de mensagens emitidas pelo governo e que não encerram em si carga programática, mas que se inscrevem na realização técnica, torna-se claro que a resposta popular assentará em pressupostos quase diametralmente opostos - a falsa ideologia à flor da pele. Neste vai-vem de acusações e refutações registamos o derradeiro fôlego de uma linguagem política herdada de um paradigma abalroado pelas suas próprias insuficiências. As grandes convulsões que assolam as nossas sociedades turvaram as águas e necessitamos de algum tempo de acalmia, para que efectivamente possamos perceber que o nosso léxico mudou, o que dizemos já não faz sentido ou já não responde às questões mais prementes. Pensar sobre o que está acontecer enquanto está a acontecer obedece a uma lógica de tentativa e erro. Contudo, torna-se obrigatório colocar as questões sempre e sem excepção, nem que seja para causar uma interrupção no processo de pensamento dos outros. Nas convicções abaláveis de tantos e tantos políticos que padecem da mesma forma de autismo.