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Passei uns dias em Madrid. Três noites bastaram para arejar a cabeça e ganhar distância em relação à pequena política de esganiçadas ofendidas ou feriados reconquistados pelos campeões socialistas. Há mais vida (e morte) para além do sórdido local. Karl Marx escreveu o seu Manifesto Comunista em Bruxelas e podemos afirmar, sem reservas, que foi um sucesso notável. A capital belga é um emaranhado de 19 bairros administrativos, uma torre de Breugel de burocracias e gastos despropositados. Mas dizem salvar o orgulho "nacional" por via da intransigência dos idiomas, do flamengo ao francês, passando pelas casas políticas dos socialistas valões, os democratas-cristãos ou os nacionalistas do norte. Contudo, a manta de retalhos de Bruxelas não fica entre portas. A sua vocação disfuncional confunde-se com a da própria União Europeia. Porém, não se sabe ao certo qual o sentido da contaminação. Se os comissários europeus se inspiraram nas virtudes nativas ou se Bruxelas impôs a sua cultura letárgica às instituições comunitárias. O tema de constructivismo político permite as mais variadas interpretações. Podemos, no entanto, concluir, que não seremos os únicos observadores das brechas da alegada construção unionista. Os jihadistas sabem muito bem onde fraqueja a ambição europeia, e Molenbeek, tratado pelos media como um gueto, não é um banlieu à distância de duas horas. Da rue Dansaert (Av. Liberdade dos Gucci e Armani lá do sítio) ao coração das comunidades muçulmanas marroquinas é um tiro - quinze minutos chegam. Pelos vistos a paz e prosperidade de Robert Schuman e Jean Monnet não bastaram. Cometeram-se erros crassos de leitura histórica. A França e a Bélgica (e muito pouco da Alemanha) foram impérios coloniais e não terem pensado o conceito de construção da Europa sem levar em conta o seu legado implica algum teor de responsabilização. Portugal, também grandiosamente imperial, fez um trabalho mais interessante. Os angolanos, os cabo-verdianos ou os moçambicanos, são "portugueses" no modo equivalente com que estabelecem relações cordiais com os seus "anfitriões". Nessa medida, Portugal deve ser considerado um caso de sucesso. A língua é a mesma, e as gentes entendem-se. Na Bélgica, os flamengos não sabem ou recusam falar francês, e ainda têm de levar com aqueles que falam alemão na região de Liége. A monarquia, a suposta cola de contacto das divergências, também não serve de grande coisa. Em suma, a grande questão de integração, que aflige os espíritos iluminados de uma esquerda baudelairiana, deve ser encarada de um modo frontal, mas dirá mais respeito aos da casa do que àqueles de proveniência excêntrica. Os estrategas do Estado Islâmico são porventura muito mais inteligentes do que os eurocratas ou qualquer eurodeputada que se chame Marisa Matias. Conseguiram arrestar a entrada de políticos na capital belga. Simplesmente fecharam o aeroporto de Zaventem, enquanto pacifistas europeístas descartam informação importante fornecida pelos serviços de inteligência turcos. Portugal, com Marrocos aqui tão perto, está obrigado a acautelar-se. Não sei qual o grau de superficialidade dos jornalistas da praça portuguesa, mas parecem omitir a taxa de radicalização dos marroquinos no bairro de Molenbeek, que é, como sabemos, das mais altas. No meu regresso via Barajas em Madrid, confirmei os meus piores receios. A Europa parece estar à espera que a próxima aconteça. Existe luz ao fim do túnel. Mas não é essa.
Igreja de Santa Gertrudes, Etterbeek, Bruxelas, Bélgica
...até porque entre outras conhecidas vantagens, tem um dos mais beloss hinos do mundo.
São precisamente 10.15h, o momento em que Alberto II se retira após vinte anos de reinado. Num país que se habituou a não ter governo, o monarca bastou para a manutenção da normalidade quotidiana. Oxalá pudéssemos dizer o mesmo da gente que para a nossa desgraça, tem sucessivamente ocupado o Palácio de Belém.
Que reine então Filipe I, rei dos belgas e descendente dos reis de Portugal.
O Governo da comunidade francófona da Bélgica deu mais um passo na remoção de qualquer elemento cristão ainda existente na sociedade belga. Esta administração, governada pelo Partido Socialista, usou o período de férias escolares para fazer "reformas", excluíndo os feriados religiosos, isto depois de, meses atrás, ter sido expurgada a tradicional árvore de Natal na Grand Place, em Bruxelas.
Neste momento, os 25 por cento dos habitantes de Bruxelas de origem muçulmana impõem-se aos 75% de outros credos, sendo que, em 2010, o nome mais comum para recém-nascidos na capital foi o de Mohamed (!).
Confira esta chocante situação aqui.
Bélgica pede a cidadãos para comprarem dívida pública.
Na véspera de uma efeméride relevante que pôs termo a tentativas totalitárias de tomada de poder pintalgadas de episódios caricatos comos os dos SUV1, ou dos padeiros que queriam deixar de trabalhar de noite(!), aqui está uma maneira alternativa de "quebrar os dentes" aos mercados. Afinal, os belgas, melhor, os valões e os flamengos, são gente civilizada.
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1Não, não se tratam de Sport Utility Vehicules avant la lettre.
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Se a Bélgica existe como Estado independente há apenas 178 anos, aquele território com toda a sua multiplicidade étnica e cultural, acostumou-nos à sua presença no mapa da Europa desde há séculos. Herdeira do velho Ducado da Borgonha, florão maior que os Habsburgos trouxeram à coroa espanhola, a região foi um imenso cadinho cultural que contribuiu poderosamente para aquilo a que normalmente chamamos civilização europeia moderna. A separação da Holanda, deu-lhe mais consistência identitária, pois numa época em que a obediência religiosa criava laços de união entre populações de falas e origens diversas, aqueles que mais tarde se denominariam como belgas, formaram dentro do império espanhol, uma parte substancial no complicado xadrês político que compunha a luta pela hegemonia continental. O porto de Antuérpia era há muito conhecido como imprescindível entreposto comercial no norte da Europa, sucedendo a Bruges e para Portugal, consistiu numa importantíssima posição onde se negociavam as especiarias, perfumes e outros luxos asiáticos. A União Ibérica de 1580-1640, traria também contingentes - os terços - portugueses aos chamados Países Baixos Espanhóis, participando na defesa do território face aos ímpetos expansionistas da França e à agressividade de uma Holanda que pretendia firmar a sua independência, ao mesmo tempo que conseguia tornar-se numa potência marítima de primeira ordem. A existência de um território "tampão" tornou-se evidente para as potências e a Guerra dos Trinta Anos provou a posição essencial que a Bélgica ocupava naquele ponto nevrálgico do continente.
De facto, a Bélgica existe há séculos e tem sido território de constantes disputas. A mudança de dinastia em Madrid, manteve-a na soberania da Casa de Áustria por mais um século e só a tempestade napoleónica teria consequências que conduziriam à inevitável autonomização política do conjunto franco-flamengo, plasmada na independência de 1830. A Bélgica tinha que existir como país e era necessária à paz no continente. Assim o exigiram todas as grandes potências dela vizinhas, desde a vigilante Grã-Bretanha, às ambiciosas França e Prussia. O seu valor consagrar-se-ia na I Guerra Mundial, onde a sua independência consolidar-se-ia nos campos de batalha que irmanaram francófonos e neerlandeses. Nada parecia então ameaçar o novo reino que já se estendera a África, onde o Congo lhe dava uma certa dimensão entre as potências colonizadoras.
Os constantes e permanentes conflitos entre os grupos linguísticos, poderão ter uma forte componente de afirmação de identidades culturais, mas no caso belga, é dolorosamente evidente a questão financeira. Para qualquer estrangeiro medianamente interessado nas notícias emanadas pelas agências, trata-se de um assunto de contabilidade e isso é por si só, degradante. Os belgas foram durante muito tempo, um exemplo de convivência pacífica e de demonstração das possibilidades oferecidas por um Estado aberto à participação de todos.
Na Europa de há apenas cem anos, outros exemplos apontavam para a exequibilidade da manutenção de uniões estatais multi-étnicas, onde as diferenças culturais, linguísticas e religiosas, eram mitigadas pela necessidade de paz e progresso material. Isso aconteceu durante séculos na Europa central, onde o caso austríaco foi evidente. A antiga fidelidade dinástica que outrora unia povos tão diversos como alemães, húngaros, eslovacos ou croatas, foi desbaratada em prol da miragem nacionalista de contornos aparentemente difusos, mas que ameaçam complicar ainda mais, a já caótica situação de uma União Europeia que não encontra afinal, bases muito sólidas para se erguer.
A Bélgica sempre existiu e assim deverá continuar a ser. É inconcebível e perigoso precedente, uma hipotética dissolução. A coroa terá decerto e uma vez mais, uma missão decisiva.