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Três meses a viver em Tbilisi na Geórgia vão deixar-me saudades.
Desde o momento em que estava no passport control do aeroporto Novo Alexeyevka e o guarda fronteiriço me lê o nome com sotaque espanhol e me oferece uma garrafa de vinho local, percebi que o carácter cultural desta gente é peculiar.
Acabava de chegar de 5 meses exasperantes na Bulgária em que tive que lidar diariamente com thick-necked goons ornamentados com tatuagens pirosas e atitude de successful businessmen from Manhattan (versão aborígene) nos seus SUV’s cor de laranja e vidros negros. "Claro, 500 anos de ocupação da horda Otomana não tiveram geneticamente o efeito de… filtro." Concluía eu enquanto tipo Jane Goodall observava à distância o seu comportamento em bando nas típicas discotecas "chalga", que por sua vez são uma espécie de versão musical de um possível reality show filmado numa daquelas pensões do Martim Moniz em Lisboa que alugam quartos à hora. Higiene duvidosa e DSTs incluídas.
A adrenalina que sentia, para além da satisfação de me ver finalmente livre de grunhos Búlgaros, era decorrente do próprio timing da minha chegada à Geórgia: duas semanas após as eleições legislativas e primeira transição pacífica de poder na história deste país. E eu ia testemunhar isso em primeira mão.
"Some things were done. But there’s still a lot more to do." Foi o que me disse, diplomaticamente, o Primeiro-ministro Bidzina Ivanishvili enquanto falava dos desafios futuros do país. Deste savvy businessman sabe-se que saiu da sua aldeia em direcção a Moscovo com nada nos bolsos, e que passadas quase duas décadas voltou bilionário. Não me espanta. O que me leva porém a crêr na inteligência acutilante deste homem é o facto de ter conseguido fazer fortuna na "Mother Russia" durante os anos 90 e ter sobrevivido. Pondo meras especulações de lado, ninguém sabe como a fez. Nem a rede de espionagem (paga a peso de ouro) do ainda actual Presidente e seu arqui-inimigo descobriu seja o que for durante a campanha eleitoral, nem os milhares que estão a ser pagos a determinadas cadeias noticiosas internacionalmente conhecidas por produzir esterco informativo, mas que reúnem audiência significativa no outro hemisfério, têm conseguido afectar a confiança no novo Executivo cuja percentagem de votos nas eleições só na capital Tbilisi foi de aproximadamente 80%.
"Este tipo é suficientemente hábil para ao mesmo tempo jogar poker com a mão direita, roleta russa com a esquerda e ainda tocar banjo com os pés", pensava eu enquanto esboçava um sorriso parado no tempo e fingia que estava interessado no que ele estava a dizer acerca da Geórgia ter inventado o vinho há 8.000 anos atrás.
Mas facto importante é que para variar trata-se de alguém que tem noção da localização geográfica do país e das necessidades urgentes da sua economia de pequeníssima dimensão (a título de exemplo: aproximadamente 60% da população trabalha no sector agrícola, e toda a sua produção equivale a sensivelmente 10% do PIB).
Ao dialogar com pessoas na rua, em cafés, restaurantes ou até mesmo em reuniões com empresários independentes, as opiniões eram praticamente unânimes: o clima que se tinha instaurado na Geórgia nos últimos anos era típico de uma espécie de Estado Policial, em que o medo de falar em espaços públicos era generalizado. Nunca se sabia ao certo se o velhinho a ler o jornal ali perto, ou a senhora de decote generoso que por ali passava a fazer estrondos ocos com os saltos altos, ou ainda a criancinha aciganada de ranhoca semi-pendente no nariz poderia ser um delator.
Mas factos são factos. E é facto que empresas foram ameaçadas a desassociar-se do Cartu Bank (cujo dono era Bidzina Ivanishvili), o que fez com que o mesmo perdesse 1/3 do seu capital e esteja agora à beira da falência, que edifícos públicos foram vendidos a família e amigos do anterior executivo e do Presidente por €0.50, e que quem não achava piada à tendência acabava a passar férias num simpático chilindró.
Continuo amanhã com o 1.2. Por aqui são +4 horas e ainda quero ver o último episódio da série Battlestar Galactica.