Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]



There will be blood

por Ana Rodrigues Bidarra, em 24.06.14

Durante o meu ritual matinal de leitura diagonal da imprensa deparei-me com um interessante título no DN: “Governo torna estágio de advogados menos exigente”. Ao ler o corpo da notícia apercebi-me do seguinte:

 

- O estágio vai passar a ter a duração de 1 ano e meio ( em vez de 2 anos);

- Os estagiários estarão sujeitos a apenas a uma avaliação, no final do estágio;

- O mestrado será obrigatório para o acesso à Ordem dos Advogados (OA).

 

Bem, a licenciatura em Direito tem a duração de 4 anos. São 4 intensos anos de formação jurídica e cívica em que os alunos passam grande parte do tempo a ouvir que a verdadeira formação acontecerá no período de tirocínio. Entretanto, numa universidade pública, as propinas anuais rondarão o valor dos € 1.100,00 anuais, fora o valor semestral dos livros e materiais afins, que será de cerca de € 400,00/ €500,00. Findo o período de licenciatura, o estudante de Direito sabe que o mercado está saturado mas aventura-se e procura estágio. O estágio remunerado parece um sonho para muitos finalistas. Na verdade, o que mais há são escritórios que ou não pagam o valor do trabalho dos estagiários porque entendem que a oportunidade que lhes oferecem é valiosa o suficiente ou só contratam estagiários com a 1ª parte do estágio da OA já concluída. Além disto, há sociedades de advogados que não aceitam estagiários que pretendam frequentar o mestrado, alegadamente por razões ligadas à eficiência daqueles.

 

Ademais, posso dar-vos conta de um caso concreto que ocorreu comigo: ao contactar um Professor da Universidade Católica para saber das condições de um mestrado que pretendia frequentar, fiquei a saber que não aceitam mestrandos que se encontrem a trabalhar. Para que saibam, o mestrado na Católica custará cerca de € 7.650,00, pelo que infiro que só quem seja abastado ou quem se possa endividar estará em condições de o frequentar. Na minha faculdade de origem (Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa – Clássica) o mestrado é sensivelmente mais barato, tem o valor de € 2.200,00. Claro está que muitos dos recém-licenciados optarão pelo ingresso no mercado de trabalho, atentos os gastos na sua formação, principalmente numa conjuntura recessiva como a actual, em que muitos pais olham para a formação dos seus filhos como um investimento em sentido próprio. Para não mencionar, é claro, aqueles que nem sequer vislumbram a possibilidade de fazer ingressar os filhos numa qualquer universidade, por falta de meios.

 

Sempre fui apologista do aprofundamento de conhecimentos e, em bom rigor, o mestrado funcionará como uma vantagem comparativa no acesso ao mercado de trabalho, o que me parece algo normalíssimo, atento o funcionamento do mercado e a própria concorrência entre os agentes. Naturalmente, este estará ao alcance apenas daqueles que o podem pagar. Mas se forem aprovadas as alterações acima elencadas ao Estatuto da Ordem dos Advogados (EOA), o mestrado vai passar a ser obrigatório para o ingresso na OA.

 

Os mestrados têm a duração de 2 anos, por via de regra. Caso se torne obrigatório o grau de mestre para o acesso à OA, tudo somado, será de esperar que só 6 anos depois da entrada no ensino superior é que os interessados poderão, por fim, iniciar o tirocínio que os habilitará, 1 ano e ½ depois, a ser advogados. 7 anos e ½ de chulice, percebi bem?

 

Inquieta-me ainda o seguinte: O mestrado terá de ser em Direito? E se eu decidir, sendo escrupulosa, tirar o mestrado em Economia ou Gestão, de forma a diversificar os meus conhecimentos e enriquecer o meu percurso e curriculum, sem querer ficar à mercê do jogo da oferta e da procura? A OA também vai condicionar estas escolhas? É que o presente aconselhou-me a ser cautelosa e, como sublinhei supra, o Direito está longe de ser um paraíso de empregabilidade e a exigência de fazer o mestrado, ainda por cima em Direito, parece-me inadmissível na medida em que tenho o direito de auto-determinar as minhas escolhas a esse nível.

 

No fundo, o que isto confirma é o fiasco do processo de Bolonha, uma vez que desconsidera, sem qualquer tipo de pejo, a licenciatura e culminará ainda na “banalização” do mestrado, sendo certo que surgirão uma série de programas miseráveis de mestrado nas 1001 universidades da tanga que pululam por cá.

 

Entretanto, ocorreu-me o seguinte: Aquando da saída da Troika, o Governo emitiu um acervo de intenções que denominou, para inglês ver, The Road to Growth. Consta desse documento, mais propriamente da página 29, o seguinte:

 

Acesso às profissões

 

O Governo empreendeu um conjunto de ações para desregulamentar as profissões e eliminar restrições excessivas impostas pelas associações públicas profissionais. Embora tenham um papel importante na garantia da qualidade do serviço e dos padrões éticos, estas associações podem também gerar restrições excessivas. O novo regime jurídico das associações públicas profissionais, aprovado em 2013, estabelece requisitos e regras mais razoáveis aplicáveis a 18 profissões de relevo de interesse económico (como médicos, advogados e engenheiros). Destacam-se períodos de estágio mais curtos e a realização de menos exames de aferição, entre outras alterações introduzidas para reduzir as restrições ao acesso a estas profissões. Embora o diploma que consagra estas alterações já esteja em vigor, nos próximos meses, o Governo terá ainda que proceder à harmonização dos estatutos das associações com as disposições do novo regime. Foram já tomadas medidas nesse sentido, incluindo a elaboração de propostas-de lei de alteração dos estatutos e a abertura de negociações bilaterais com as associações profissionais. Prevê-se que este processo fique concluído até ao final de 2014.

 

Parece brincadeira, não é? Diria que dão com a mão estatutária, diminuindo em 6 meses o estágio e eliminando 2 exames, muito menos do que retiram com a mão substantiva, uma vez que passam a exigir o mestrado para o estágio em vez da licenciatura.

 

Ora bem, menos exigente? Para quem?

 

Só nos exigem um mestrado. São só mais dois anos a malhar, só porque sim. Mais dois anos de propinas, livros e despesas afins, relatórios, teses, e avaliações em várias disciplinas. O estágio fica reduzido em 6 míseros meses mas os emolumentos, que rondam os € 700,00 será que serão reduzidos também?

 

Mudam-se as vestes, mas o problema subsiste. No fundo, continuamos todos a alimentar as rendas dos masters of puppets.

 

O odor bafiento do Marinho e Pinto & Companhia já havia tornado os ares da OA irrespiráveis mas se isto continua assim eu juro que haverá sangue. 

publicado às 20:23

"A universidade está para os jovens como os anos estão para o vinho. Confere-lhes maturidade".

 

Pese a memória que me vai falhando, era mais ou menos assim que começava a primeira aula de apresentação no meu já longínquo primeiro ano de licenciatura, corria o ano de 2005. Sem nunca ter chumbado encontro-me juntamente com uma série de outros colegas na fase de transição do regime antigo para o novo regime de Bolonha.

 

Este ano, nós que estamos no quarto ano somos tão finalistas quanto os que estão actualmente no terceiro ano. Eles não têm culpa nenhuma, a culpa é do Estado que anda a enganar milhares de jovens que ao contrário de nós não têm que fazer estágio e relatório desse nem trabalhos de investigação nas cadeiras de seminário que ainda temos no quarto ano. Eu vou acabar a licenciatura com 22 anos, sem nunca ter chumbado, tendo parado um ano para trabalhar e pensar no que fazer da vida antes de me candidatar ao ensino superior. Fora isso teria acabado com 21. Hoje em dia acabam uma licenciatura de Bolonha em 3 anos com 19/20 anos.

 

Perdoem-me os meus amigos que estão abrangidos pela bolonhesa, especialmente os que sabem que não os incluo no rol do que comummente designo por geração "morangos com açúcar", mas a percepção que tenho é que na generalidade falta a esta geração da bolonhesa muita maturidade, em parte porque 3 anos não contribuem da mesma forma que 4 para a formação da personalidade e principalmente porque deixámos de ter licenciaturas para ter um prolongamento do secundário, um 13.º, 14.º e 15.º anos.

 

Tendo normalmente a achar que até não estão em grande desvantagem se tomar em consideração que durante o meu 2.º ano só fui às aulas de uma cadeira em sete que tinha para fazer, e que a generalidade dos meus colegas que iam às aulas concordam comigo quanto à inutilidade geral de 2 ou 3 cadeiras desse ano. Mas estive na Associação de Estudantes, fui eleito para os Órgãos de Gestão, e tudo isso é também uma forma de crescimento e de maturação pessoal, tal como o é fazer Erasmus (o que me levou a fundar este blog por exemplo). Mas mesmo assim são 4 anos durante os quais nos dedicamos à licenciatura e à universidade com tudo o que isso acarreta, desde os trabalhos, exames, frequências, orais, seminários, conferências até aos jantares e festas, tudo o que contribui para um saudável desenvolvimento pessoal de qualquer estudante universitário.

 

Porém, hoje em dia os estudantes universitários interessam-se cada vez menos pela academia, pelos eventos científicos, pelos seminários, pelas actividades extra-curriculares. 3 anos da bolonhesa são cada vez mais uma obrigatoriedade e um frete, um passaporte e rápido atalho para o título de Dr. que em Itália deu azo aos doctorini.

 

E agora coloca-se a questão, quantos destes estão dispostos a fazer mestrado? E será em Portugal, onde as universidades aproveitaram para aumentar os preços dos mestrados, muitas delas a quantias risíveis à luz da análise preço/qualidade? Além do mais, são tão enganados os que fazem licenciaturas de 3 anos como aqueles como eu e os colegas do regime antigo a quem lhes é oferecido 1 ano de equivalência ao 1.º ano de mestrado, sendo que para obtermos o grau de mestre basta fazer 1 semestre curricular e 1 semestre em que não temos aulas e durante o qual se deve elaborar a tese. 

 

A educação é a base do desenvolvimento e progresso de uma sociedade, dum país, duma nação. Temo que enquanto vamos aqui escrevendo neste cantinho de desabafos chamado blogosfera, lá fora o futuro de Portugal esteja cada vez mais em risco, pela educação primária e secundária cada vez mais facilitista e porque também o ensino superior se vai assemelhando tendencialmente a esse modelo de produção em massa de doctorinis para as estatísticas. 

 

Se já antes era o que era em que qualquer pessoa conseguia fazer um curso superior (doidos, bêbados, com Q.I.s que devem ser negativos, que não conseguem juntar duas palavras correctamente etc) então agora ainda é mais fácil, em nome de um qualquer paradigma da igualdade. Ainda hoje em conversa com uma amiga veio-me à ideia que deveria existir uma forma de diferenciação meritocrática, algo como por exemplo um sistema que no fim do 1.º ano colocasse os melhores alunos  numa espécie de turma à parte e que elevasse o nível de conhecimentos leccionados e de exigência em relação ao normal, com um foco mais acentuado na vertente de investigação.

 

Mas isso é elitismo e é politicamente incorrecto. Enfim, viva a igualdade e a massificação que isto da meritocracia e diferenciação é bom mas é para os outros que não percebem nada destas coisas mas que são os países mais desenvolvidos do mundo. Até porque se muitas autoridades cá do burgo propagandeiam discursivamente a meritocracia, neste nosso Portugal como em tantas outras coisas, na prática a teoria é outra

publicado às 00:46

Legalizar o copianço e exames nacionais (post 2 em 1)

por Samuel de Paiva Pires, em 07.07.08

"...notei como a única maneira de evitarmos a fraude do clássico copianço está em legalizarmos o copianço, admitindo-o como parte integrante da resposta ao teste, incluindo as microfotocópias reduzidas dos textos de apoio que, talvez, venham a ser peças que oferecerei para o futuro museu do espírito de Bolonha."

 

José Adelino Maltez in Sobre o tempo que passa

 

Ora aí está uma medida que o PM poderia adoptar como bandeira da sua governação. Afinal, "os alunos têm direito a ter sucesso", e ainda constituem uma larga faixa de votantes.

 

Ainda há uns dias discutia com uns amigos sobre o copianço na universidade, tendo para mim, que nunca fiz cábulas, que em primeiro lugar sentir-me-ia mal comigo próprio se o fizesse, estaria a enganar-me a mim próprio, e em segundo lugar, se o fizesse morreria de vergonha só de pensar em ser apanhado, quanto mais se o fosse. Ainda assim, são imensos os casos de pessoas que fazem uma licenciatura a cabular em quase todas as cadeiras.

 

Mas enfim, parece que nos exames nacionais do secundário a média de matemática subiu 4 valores (milagre!), enquanto a de português desceu. Na televisão uma aluna explica a descida a português: "a maior parte das pessoas não estava à espera que saísse Os Lusíadas, e é uma obra muito difícil de interpretar...".

 

Mas isso também não interessa para nada, desde que saibam fazer contas não é preciso saber escrever português nem reflectir, o regime até agradece, menos incomodam e ficam melhor preparados para apreender as regras do acordo ortográfico.

publicado às 13:57






Arquivo

  1. 2025
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  14. 2024
  15. J
  16. F
  17. M
  18. A
  19. M
  20. J
  21. J
  22. A
  23. S
  24. O
  25. N
  26. D
  27. 2023
  28. J
  29. F
  30. M
  31. A
  32. M
  33. J
  34. J
  35. A
  36. S
  37. O
  38. N
  39. D
  40. 2022
  41. J
  42. F
  43. M
  44. A
  45. M
  46. J
  47. J
  48. A
  49. S
  50. O
  51. N
  52. D
  53. 2021
  54. J
  55. F
  56. M
  57. A
  58. M
  59. J
  60. J
  61. A
  62. S
  63. O
  64. N
  65. D
  66. 2020
  67. J
  68. F
  69. M
  70. A
  71. M
  72. J
  73. J
  74. A
  75. S
  76. O
  77. N
  78. D
  79. 2019
  80. J
  81. F
  82. M
  83. A
  84. M
  85. J
  86. J
  87. A
  88. S
  89. O
  90. N
  91. D
  92. 2018
  93. J
  94. F
  95. M
  96. A
  97. M
  98. J
  99. J
  100. A
  101. S
  102. O
  103. N
  104. D
  105. 2017
  106. J
  107. F
  108. M
  109. A
  110. M
  111. J
  112. J
  113. A
  114. S
  115. O
  116. N
  117. D
  118. 2016
  119. J
  120. F
  121. M
  122. A
  123. M
  124. J
  125. J
  126. A
  127. S
  128. O
  129. N
  130. D
  131. 2015
  132. J
  133. F
  134. M
  135. A
  136. M
  137. J
  138. J
  139. A
  140. S
  141. O
  142. N
  143. D
  144. 2014
  145. J
  146. F
  147. M
  148. A
  149. M
  150. J
  151. J
  152. A
  153. S
  154. O
  155. N
  156. D
  157. 2013
  158. J
  159. F
  160. M
  161. A
  162. M
  163. J
  164. J
  165. A
  166. S
  167. O
  168. N
  169. D
  170. 2012
  171. J
  172. F
  173. M
  174. A
  175. M
  176. J
  177. J
  178. A
  179. S
  180. O
  181. N
  182. D
  183. 2011
  184. J
  185. F
  186. M
  187. A
  188. M
  189. J
  190. J
  191. A
  192. S
  193. O
  194. N
  195. D
  196. 2010
  197. J
  198. F
  199. M
  200. A
  201. M
  202. J
  203. J
  204. A
  205. S
  206. O
  207. N
  208. D
  209. 2009
  210. J
  211. F
  212. M
  213. A
  214. M
  215. J
  216. J
  217. A
  218. S
  219. O
  220. N
  221. D
  222. 2008
  223. J
  224. F
  225. M
  226. A
  227. M
  228. J
  229. J
  230. A
  231. S
  232. O
  233. N
  234. D
  235. 2007
  236. J
  237. F
  238. M
  239. A
  240. M
  241. J
  242. J
  243. A
  244. S
  245. O
  246. N
  247. D

Links

Estados protegidos

  •  
  • Estados amigos

  •  
  • Estados soberanos

  •  
  • Estados soberanos de outras línguas

  •  
  • Monarquia

  •  
  • Monarquia em outras línguas

  •  
  • Think tanks e organizações nacionais

  •  
  • Think tanks e organizações estrangeiros

  •  
  • Informação nacional

  •  
  • Informação internacional

  •  
  • Revistas


    subscrever feeds