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Durante o meu ritual matinal de leitura diagonal da imprensa deparei-me com um interessante título no DN: “Governo torna estágio de advogados menos exigente”. Ao ler o corpo da notícia apercebi-me do seguinte:
- O estágio vai passar a ter a duração de 1 ano e meio ( em vez de 2 anos);
- Os estagiários estarão sujeitos a apenas a uma avaliação, no final do estágio;
- O mestrado será obrigatório para o acesso à Ordem dos Advogados (OA).
Bem, a licenciatura em Direito tem a duração de 4 anos. São 4 intensos anos de formação jurídica e cívica em que os alunos passam grande parte do tempo a ouvir que a verdadeira formação acontecerá no período de tirocínio. Entretanto, numa universidade pública, as propinas anuais rondarão o valor dos € 1.100,00 anuais, fora o valor semestral dos livros e materiais afins, que será de cerca de € 400,00/ €500,00. Findo o período de licenciatura, o estudante de Direito sabe que o mercado está saturado mas aventura-se e procura estágio. O estágio remunerado parece um sonho para muitos finalistas. Na verdade, o que mais há são escritórios que ou não pagam o valor do trabalho dos estagiários porque entendem que a oportunidade que lhes oferecem é valiosa o suficiente ou só contratam estagiários com a 1ª parte do estágio da OA já concluída. Além disto, há sociedades de advogados que não aceitam estagiários que pretendam frequentar o mestrado, alegadamente por razões ligadas à eficiência daqueles.
Ademais, posso dar-vos conta de um caso concreto que ocorreu comigo: ao contactar um Professor da Universidade Católica para saber das condições de um mestrado que pretendia frequentar, fiquei a saber que não aceitam mestrandos que se encontrem a trabalhar. Para que saibam, o mestrado na Católica custará cerca de € 7.650,00, pelo que infiro que só quem seja abastado ou quem se possa endividar estará em condições de o frequentar. Na minha faculdade de origem (Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa – Clássica) o mestrado é sensivelmente mais barato, tem o valor de € 2.200,00. Claro está que muitos dos recém-licenciados optarão pelo ingresso no mercado de trabalho, atentos os gastos na sua formação, principalmente numa conjuntura recessiva como a actual, em que muitos pais olham para a formação dos seus filhos como um investimento em sentido próprio. Para não mencionar, é claro, aqueles que nem sequer vislumbram a possibilidade de fazer ingressar os filhos numa qualquer universidade, por falta de meios.
Sempre fui apologista do aprofundamento de conhecimentos e, em bom rigor, o mestrado funcionará como uma vantagem comparativa no acesso ao mercado de trabalho, o que me parece algo normalíssimo, atento o funcionamento do mercado e a própria concorrência entre os agentes. Naturalmente, este estará ao alcance apenas daqueles que o podem pagar. Mas se forem aprovadas as alterações acima elencadas ao Estatuto da Ordem dos Advogados (EOA), o mestrado vai passar a ser obrigatório para o ingresso na OA.
Os mestrados têm a duração de 2 anos, por via de regra. Caso se torne obrigatório o grau de mestre para o acesso à OA, tudo somado, será de esperar que só 6 anos depois da entrada no ensino superior é que os interessados poderão, por fim, iniciar o tirocínio que os habilitará, 1 ano e ½ depois, a ser advogados. 7 anos e ½ de chulice, percebi bem?
Inquieta-me ainda o seguinte: O mestrado terá de ser em Direito? E se eu decidir, sendo escrupulosa, tirar o mestrado em Economia ou Gestão, de forma a diversificar os meus conhecimentos e enriquecer o meu percurso e curriculum, sem querer ficar à mercê do jogo da oferta e da procura? A OA também vai condicionar estas escolhas? É que o presente aconselhou-me a ser cautelosa e, como sublinhei supra, o Direito está longe de ser um paraíso de empregabilidade e a exigência de fazer o mestrado, ainda por cima em Direito, parece-me inadmissível na medida em que tenho o direito de auto-determinar as minhas escolhas a esse nível.
No fundo, o que isto confirma é o fiasco do processo de Bolonha, uma vez que desconsidera, sem qualquer tipo de pejo, a licenciatura e culminará ainda na “banalização” do mestrado, sendo certo que surgirão uma série de programas miseráveis de mestrado nas 1001 universidades da tanga que pululam por cá.
Entretanto, ocorreu-me o seguinte: Aquando da saída da Troika, o Governo emitiu um acervo de intenções que denominou, para inglês ver, The Road to Growth. Consta desse documento, mais propriamente da página 29, o seguinte:
Acesso às profissões
O Governo empreendeu um conjunto de ações para desregulamentar as profissões e eliminar restrições excessivas impostas pelas associações públicas profissionais. Embora tenham um papel importante na garantia da qualidade do serviço e dos padrões éticos, estas associações podem também gerar restrições excessivas. O novo regime jurídico das associações públicas profissionais, aprovado em 2013, estabelece requisitos e regras mais razoáveis aplicáveis a 18 profissões de relevo de interesse económico (como médicos, advogados e engenheiros). Destacam-se períodos de estágio mais curtos e a realização de menos exames de aferição, entre outras alterações introduzidas para reduzir as restrições ao acesso a estas profissões. Embora o diploma que consagra estas alterações já esteja em vigor, nos próximos meses, o Governo terá ainda que proceder à harmonização dos estatutos das associações com as disposições do novo regime. Foram já tomadas medidas nesse sentido, incluindo a elaboração de propostas-de lei de alteração dos estatutos e a abertura de negociações bilaterais com as associações profissionais. Prevê-se que este processo fique concluído até ao final de 2014.
Parece brincadeira, não é? Diria que dão com a mão estatutária, diminuindo em 6 meses o estágio e eliminando 2 exames, muito menos do que retiram com a mão substantiva, uma vez que passam a exigir o mestrado para o estágio em vez da licenciatura.
Ora bem, menos exigente? Para quem?
Só nos exigem um mestrado. São só mais dois anos a malhar, só porque sim. Mais dois anos de propinas, livros e despesas afins, relatórios, teses, e avaliações em várias disciplinas. O estágio fica reduzido em 6 míseros meses mas os emolumentos, que rondam os € 700,00 será que serão reduzidos também?
Mudam-se as vestes, mas o problema subsiste. No fundo, continuamos todos a alimentar as rendas dos masters of puppets.
O odor bafiento do Marinho e Pinto & Companhia já havia tornado os ares da OA irrespiráveis mas se isto continua assim eu juro que haverá sangue.
"A universidade está para os jovens como os anos estão para o vinho. Confere-lhes maturidade".
Pese a memória que me vai falhando, era mais ou menos assim que começava a primeira aula de apresentação no meu já longínquo primeiro ano de licenciatura, corria o ano de 2005. Sem nunca ter chumbado encontro-me juntamente com uma série de outros colegas na fase de transição do regime antigo para o novo regime de Bolonha.
Este ano, nós que estamos no quarto ano somos tão finalistas quanto os que estão actualmente no terceiro ano. Eles não têm culpa nenhuma, a culpa é do Estado que anda a enganar milhares de jovens que ao contrário de nós não têm que fazer estágio e relatório desse nem trabalhos de investigação nas cadeiras de seminário que ainda temos no quarto ano. Eu vou acabar a licenciatura com 22 anos, sem nunca ter chumbado, tendo parado um ano para trabalhar e pensar no que fazer da vida antes de me candidatar ao ensino superior. Fora isso teria acabado com 21. Hoje em dia acabam uma licenciatura de Bolonha em 3 anos com 19/20 anos.
Perdoem-me os meus amigos que estão abrangidos pela bolonhesa, especialmente os que sabem que não os incluo no rol do que comummente designo por geração "morangos com açúcar", mas a percepção que tenho é que na generalidade falta a esta geração da bolonhesa muita maturidade, em parte porque 3 anos não contribuem da mesma forma que 4 para a formação da personalidade e principalmente porque deixámos de ter licenciaturas para ter um prolongamento do secundário, um 13.º, 14.º e 15.º anos.
Tendo normalmente a achar que até não estão em grande desvantagem se tomar em consideração que durante o meu 2.º ano só fui às aulas de uma cadeira em sete que tinha para fazer, e que a generalidade dos meus colegas que iam às aulas concordam comigo quanto à inutilidade geral de 2 ou 3 cadeiras desse ano. Mas estive na Associação de Estudantes, fui eleito para os Órgãos de Gestão, e tudo isso é também uma forma de crescimento e de maturação pessoal, tal como o é fazer Erasmus (o que me levou a fundar este blog por exemplo). Mas mesmo assim são 4 anos durante os quais nos dedicamos à licenciatura e à universidade com tudo o que isso acarreta, desde os trabalhos, exames, frequências, orais, seminários, conferências até aos jantares e festas, tudo o que contribui para um saudável desenvolvimento pessoal de qualquer estudante universitário.
Porém, hoje em dia os estudantes universitários interessam-se cada vez menos pela academia, pelos eventos científicos, pelos seminários, pelas actividades extra-curriculares. 3 anos da bolonhesa são cada vez mais uma obrigatoriedade e um frete, um passaporte e rápido atalho para o título de Dr. que em Itália deu azo aos doctorini.
E agora coloca-se a questão, quantos destes estão dispostos a fazer mestrado? E será em Portugal, onde as universidades aproveitaram para aumentar os preços dos mestrados, muitas delas a quantias risíveis à luz da análise preço/qualidade? Além do mais, são tão enganados os que fazem licenciaturas de 3 anos como aqueles como eu e os colegas do regime antigo a quem lhes é oferecido 1 ano de equivalência ao 1.º ano de mestrado, sendo que para obtermos o grau de mestre basta fazer 1 semestre curricular e 1 semestre em que não temos aulas e durante o qual se deve elaborar a tese.
A educação é a base do desenvolvimento e progresso de uma sociedade, dum país, duma nação. Temo que enquanto vamos aqui escrevendo neste cantinho de desabafos chamado blogosfera, lá fora o futuro de Portugal esteja cada vez mais em risco, pela educação primária e secundária cada vez mais facilitista e porque também o ensino superior se vai assemelhando tendencialmente a esse modelo de produção em massa de doctorinis para as estatísticas.
Se já antes era o que era em que qualquer pessoa conseguia fazer um curso superior (doidos, bêbados, com Q.I.s que devem ser negativos, que não conseguem juntar duas palavras correctamente etc) então agora ainda é mais fácil, em nome de um qualquer paradigma da igualdade. Ainda hoje em conversa com uma amiga veio-me à ideia que deveria existir uma forma de diferenciação meritocrática, algo como por exemplo um sistema que no fim do 1.º ano colocasse os melhores alunos numa espécie de turma à parte e que elevasse o nível de conhecimentos leccionados e de exigência em relação ao normal, com um foco mais acentuado na vertente de investigação.
Mas isso é elitismo e é politicamente incorrecto. Enfim, viva a igualdade e a massificação que isto da meritocracia e diferenciação é bom mas é para os outros que não percebem nada destas coisas mas que são os países mais desenvolvidos do mundo. Até porque se muitas autoridades cá do burgo propagandeiam discursivamente a meritocracia, neste nosso Portugal como em tantas outras coisas, na prática a teoria é outra.
José Adelino Maltez in Sobre o tempo que passa
Ora aí está uma medida que o PM poderia adoptar como bandeira da sua governação. Afinal, "os alunos têm direito a ter sucesso", e ainda constituem uma larga faixa de votantes.
Ainda há uns dias discutia com uns amigos sobre o copianço na universidade, tendo para mim, que nunca fiz cábulas, que em primeiro lugar sentir-me-ia mal comigo próprio se o fizesse, estaria a enganar-me a mim próprio, e em segundo lugar, se o fizesse morreria de vergonha só de pensar em ser apanhado, quanto mais se o fosse. Ainda assim, são imensos os casos de pessoas que fazem uma licenciatura a cabular em quase todas as cadeiras.
Mas enfim, parece que nos exames nacionais do secundário a média de matemática subiu 4 valores (milagre!), enquanto a de português desceu. Na televisão uma aluna explica a descida a português: "a maior parte das pessoas não estava à espera que saísse Os Lusíadas, e é uma obra muito difícil de interpretar...".
Mas isso também não interessa para nada, desde que saibam fazer contas não é preciso saber escrever português nem reflectir, o regime até agradece, menos incomodam e ficam melhor preparados para apreender as regras do acordo ortográfico.