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Um simples leitor, como eu, olha para esta notícia e tenta perceber qual o ângulo que merece ser agarrado. Se é o cão que se opõe ao Cabrita? Ou se o Cabrita é mais amigo dos cães do que dos homens? Ou se a Guarda Nacional Republicana merece ser tratada abaixo de cão? No meio destas dúvidas existenciais podemos concluir o seguinte: o Ministro da Administração Interna de Portugal, ouviram bem - de PORTUGAL! -, nem sequer é capaz de administrar convenientemente o seu quintal. Mas muito mais grave do que o latir canino será a falência ética que equipa este ministro. Os guardas, pelos vistos, nem têm onde urinar ou almoçar em condições. O Cabrita quer lá saber. Mas há mais. O ministro vai e vem todos os dias de Almerim? Quem paga essas viagens? Recebe ajudas de custo para as deslocações, e será que partilha o transporte com o resto da família que nos governa? E quanto irá custar ao Estado o recrutamento de guardas nacionais adicionais para defender a sua barraca no meio de cascos de rolha? O Eduardo Cabrita não quer comentar? Por acaso gostava de saber se o cão é perigoso ou se tem as vacinas em dia. Não vá o Bóbi morder um dos guardas e infectá-lo com idiotice.
Já que estamos numa de cães, cadelas e mordeduras, deveriam aproveitar o paradigma para rever as trelas que nos guiam nesta sociedade pseudo-moderna. Antes que atire o osso para que o possam roer ou devolver, faço o seguinte aviso - sou amigo dos animais. Durante trinta anos dediquei-me a outra espécie de quatro patas (equídeos) e sempre tive (no campo) cães felizes, maioritariamente rafeiros, mas com uma digníssima excepção. Foi-nos oferecido um pastor alemão de nome Wolf que havia recebido o diploma de treino profissional da GNR. Sim, o cão sniffava droga, fazia de sentinela e guardava malas até ordem dada em contrário, e apenas comia do seu prato após escutar a password que apenas os donos sabiam. Mas adiante. O fenómeno canino de Portugal deve ser analisado à luz de considerações maiores. Na escalada e afirmação do estatuto social, o cão (de raça) tornou-se um acessório indispensável. O cão tornou-se uma divisa com visibilidade acrescida - tem mobilidade, causa alarido e instiga inveja. São tantos os terriers que por aí se passeiam para gaudio de dono show-off. Mas há raças e raças. Houve tempos em que o cocker-spaniel servia para ostentar a patente. Depois houve a mania dos boxers, e mais recentemente a estria oriental parece ser a coqueluche maior - quem tem Shar Pei é ainda mais virtuoso - tem empregada em casa que passa a ferro. Depois vieram os mauzões. Os bodybuilders e car tuners que andaram a ver muitos filmes e lá se encanitaram pelos Dobberman, Rottweiler e Pitbull. No entanto, há que reconhecer que o bóbi e o piloto, que são bons rapazes e sem linhagem, fazem companhia ao Tio Alfredo (que mija a biqueira das botas) e à Dona Aldina (que é surda da cabeça e dos ouvidos). Sim, o animal empresta o seu bafo quente, o seu carinho - venham de lá os restos para o jantar que a ração é uma sêca. Mas convém que passemos directamente ao que me irrita profundamente - a falta de civismo dos senhores proprietários de cães. Falo de dejectos abandonados na via pública, nos jardins relvados ou na bela calçada portuguesa (a mesma defendida como património da humanidade). E a Polícia Municipal entretida ao telemóvel a guardar a betoneira da obra, a arrastar uma viatura mal estacionada, mas a ignorar por completo este nojo inaceitável. Nunca ouvi falar de um dono de um cão ter sido autuado por delito cometido em flagrante - nunca. Querem dar formação aos donos e um diploma aos cães? Acho muito bem. Mas a abordagem à questão deve ser holística, integral. A mordedura fatal de um Pitbull equivale a 1000 dejectos lançados sem vergonha na rés pública. E é aqui que reside grande parte do problema da liberdade explosiva servida de bandeja por revoluções de ordem vária. O português ainda não percebeu onde termina o seu quintal e onde começa o espaço público. E depois dá as canzoadas que se conhecem. Que grande cadela: Rotweiller mal ensinado?
A política é uma cadela. Não consigo acreditar na caravana que passa diante de mim enquanto os cães ladram. Um país metido em graves sarilhos e as comadres entretidas com o caniche - se o Bóbi e o Piloto podem ficar no T2 ou se devem ser postos no olho da rua. Há tantas e tão boas expressões que servem para retratar esta novela pidesca que bate aos pontos a outra do filósofo das lutas greco-romanas. Abaixo de cão é onde nos encontramos. O regime de segurança social canino acaba de ser abatido, mas existe algo perversamente insensível na decisão de extrair os caninos à má fila. Basta passear pelo Facebook para perceber a importância dos bichinhos na vida de tanta gente metida no canil da solidão, perto da plena depressão. O animal de estimação é uma espécie de Prozac que ladra, uma medicação peluda para noites longas passadas em frente ao desespero. E os canários?E a piriquita? Não senhor, não bebo - é cadela mesmo. Minhas senhoras e meus senhores, entrámos no reino do absurdo, no enclave do surreal. Estamos encravados pelo dedo que passou a perna à unha. Não vamos arrastar para esta clínica veterinária as outras expressões de imodéstia - aqueles casos mentais de repúblicas de cães e gatos. Gente com pancada que colecciona lixo e tem na varanda amarquisada uma ninhada deles para juntar aos pardos. Nesses casos sou cristano como a Assunção - vinte cães é uma loucura. Venha de lá o fiscal do abate, o inspector das partes pudendas do podengo. Em suma - life is a bitch.
Na mesma semana em que em Portugal a demência atingiu novos patamares, com milhares a pedirem clemência para um cão assassino de um bebé, em Marrocos foi aprovada (por unanimidade) uma lei sobre cães de raças consideradas perigosas, justificada com a necessidade de garantir a segurança e tranquilidade dos cidadãos face ao que é uma verdadeira ameaça à segurança pública: anualmente registam-se no país mais de 50 mil ataques destes cães. E a lei é implacável para com os proprietários: entre as proibições estão as de possuir, albergar e treinar cães considerados perigosos. Que são, segundo a lei, «todos os cães que, em função da sua raça ou das suas características morfológicas, são caracterizados por uma agressividade que coloca a vida das pessoas em perigo». A lista com as raças em questão será publicada em breve, mas o Governo esclareceu que à cabeça está a Pitbull - que foi criada propositadamente para gerar cães de combate (originalmente contra ursos e touros, além de entre si) e de elevada agressividade.
Os proprietários de cães perigosos arriscam penas de prisão que poderão ir até aos cinco anos, e multas até 50 mil dirhams (cerca de 4500 euros).